Obras de muro da USP são paralisadas após morte de pássaros

JC procura dezenas de empresas e outros envolvidos no projeto do muro da USP e descobre que, agora, todos querem distância dele

Por Gabriel Araujo

Crédito: João Vitor Ferreira

Quem passa pela Marginal Pinheiros e observa o quilométrico muro de concreto e vidro da USP pode ter esquecido dos entreveros que o permeiam. Passado o furor das quebras das placas, que agitaram a imprensa no ano passado, a obra foi paralisada a pedido do Ministério Público do Estado (MP-SP) por causar a morte de dezenas de pássaros que colidiam com o vidro transparente. Decorridos 30 meses do lançamento do muro-vitrine, o JC procurou as quase 50 empresas doadoras, prefeitura e USP, constando seu risco de orfandade – e o muro, sequer, terminou de nascer.

Há um impasse sobre a administração e os cuidados com ele. Enquanto o MP investiga o problema ambiental e mantém a parte do muro de concreto em pé, os principais envolvidos dão como concluídas suas contribuições. A prefeitura, mãe da ideia, transfere para a USP a responsabilidade de administração. A Universidade e o governo do Estado não se pronunciam.

Em 17 de outubro havia dez placas quebradas, com estilhaços visíveis a quem circulava pelos arredores do muro de vidro – uma placa nova, encostada, provavelmente aguarda fixação. Os vidros, sujos, dificultam a visão da USP, propósito principal da obra. 

Os adesivos de gaviões, dois em cada placa, pretendem espantar as aves, evitando que morram de trombada. Os problemas, antes manchetes dos jornais, deixaram de ser novidade e se tornaram parte da rotina uspiana. Tanto é que, próximo ao muro, a reportagem do JC encontrou carcaças e ossos de capivaras mortas, apodrecendo ao relento.

Empresas dizem pouco

A reportagem do JC entrou em contato com as quatro dezenas de companhias atreladas ao muro de vidro, doadoras de materiais, serviços e dinheiro – a maioria não respondeu, algumas responderam sucintamente, poucas se alongaram.

Maior doadora divulgada pela prefeitura, com contribuição de mais de R$ 1 milhão à obra do muro de vidro, a Prevent Senior confirma o aporte, mas diz que é a USP a responsável pela gestão dos recursos – sem mencionar que a aplicação do valor foi especificamente para a raia.

“A Prevent Senior realizou uma doação à Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP), cujo destino foi decidido pela Universidade e condicionada à aplicação em projetos convenientes para promover o bem-estar das pessoas”, disse a empresa em nota. “Qualquer dúvida deve ser direcionada à Universidade de São Paulo.”

A arquiteta Jóia Bergamo, responsável pelo projeto do muro de vidro, solicitou que a reportagem entrasse em contato com a prefeitura de São Paulo, além de sugerir, como fonte a ser ouvida, um nome ligado à USP – que não respondeu às mensagens do JC. “Eles estão com todas as informações que você deseja”, disse Bergamo.

A Estrutec Engenharia decidiu deixar o projeto após duas reuniões. “A minha participação como engenheiro de estruturas desse muro foi mínima, por divergência com os fornecedores de materiais e executores”, afirmou Rogério da Silva, sócio-diretor da empresa, que preferiu não especificar as divergências.

A companhia que mais detalhou sua atuação foi a Geofix Fundações, chateada pela inconclusão da obra. “Fizemos todo o serviço de fundação e doamos com o maior prazer, aparentemente a doação foi completa”, disse o engenheiro Roberto Nahas, acrescentando que não vê falhas técnicas na obra e que foi assinado um contrato com a USP para fazer da doação “a mais oficial possível”.

“Ficamos chateados eventualmente por não estar tudo completo. É uma pena não estar tudo aberto, bonito, mas a gente entende também a burocracia de algo do Estado”, afirmou. “O espírito foi de participar, fazer algo bom para a cidade, interagir com a Universidade, com a cidade.”

Uma das maiores produtoras de aço do mundo, a ArcelorMittal confirmou doação de aço cortado e dobrado para as obras de fundação do muro de vidro. A empresa informou em nota que a contribuição foi realizada de acordo com as especificações técnicas e que “a entrega do material foi feita dentro do prazo solicitado, cumprindo todos os trâmites e políticas de compliance da empresa”.

A Cobrecom Fios e Cabos Elétricos não especificou valores investidos. Sua assessoria de comunicação deixou subentendido que houve doação em equipamentos, mas não pôde confirmar detalhes, pois os diretores da empresa não estariam na matriz dentro do prazo de fechamento desta reportagem, e “só eles é que podem responder sobre o tema”.

Todos os contatos com a Setin Incorporadora foram direcionados para o departamento de vendas da empresa, que não soube informar sobre o tema ou dizer quem poderia fazê-lo. As demais empresas envolvidas no projeto do muro não responderam aos contatos do Jornal do Campus ou não foram encontradas. Os nomes de todas elas podem ser conferidos na versão online do JC.

 


Prefeitura de São Paulo lava as mãos, mas promete dar uma força

Há pouco mais de dois anos, em julho de 2017, a prefeitura de São Paulo convocou uma pomposa entrevista coletiva para divulgar que faria um muro de vidro na USP. Orçado em R$ 15 milhões, valor todo coberto por doações da iniciativa privada, o projeto foi concebido e inaugurado em abril de 2018.

À época do anúncio realizado pelo então prefeito João Doria (PSDB), 13 empresas e/ou pessoas de diversos ramos foram divulgadas como as doadoras; em março de 2018, porém, a lista acumulava 45 nomes, que vão de pequenas e médias companhias até gigantes locais e multinacionais. Boa parte delas reconhece a participação na obra ou as doações à USP, mas em uníssono deixam claro que o muro de vidro ficou no passado.

Curiosamente, entre as que se afastam do controle do muro está a prefeitura de São Paulo. Hoje comandada por Bruno Covas (ex-vice-prefeito, assumiu com a candidatura – e eleição – de Doria como governador paulista), a intendência disse em nota ao Jornal do Campus que “a obra não é de responsabilidade do município”, mas ressaltou que se coloca à disposição da USP para prestar apoio técnico caso a Universidade julgue necessário.

“O muro de vidro foi viabilizado por meio de parcerias com a iniciativa privada, após entendimento entre a Prefeitura e a USP, que realizou chamamento público dos parceiros”, acrescentou o município. A proposta divulgada há dois anos apontava a Universidade como administradora do muro após a conclusão da obra, oficialmente entregue no início de 2018 – dois dias antes de Doria renunciar.


 


MP quer saber sobre morte de aves e improbidade

 Em meio às indefinições e divergências sobre o muro, quem voltou às atenções a ele foi o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), que investiga a mortandade de pássaros que trombam no vidro transparente – algo que não foi totalmente resolvido pelos adesivos em forma de pássaros pretos colados nas placas para afastar as aves.

Segundo contabilização da Ambiente Brasil, em um ano cerca de 60 pássaros de diversas espécies morreram ao se chocarem contra o muro – graças a isso, a parte final da obra foi paralisada por pedido do MP-SP.

Com mais de metade das instalações prontas e a proibição da derrubada do restante do muro de concreto, os procuradores chegaram a considerar que a reconstrução da antiga estrutura seria a forma mais pertinente de evitar a morte de aves.

O MP-SP confirma que há investigação em curso. Em nota enviada ao JC, o órgão afirmou que a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente apura as questões ambientais relacionadas à substituição do muro da raia olímpica e “acompanha, no âmbito de inquérito civil, a questão da mortandade de pássaros na região”.

A promotoria “recebe relatórios mensais da USP em que são apresentados números de acidentes envolvendo mortes de aves, além das medidas que estão sendo adotadas”, completou.

Também existe uma representação na área do Patrimônio Público que está sendo apurado pela promotora de Justiça Karyna Mori para investigar eventual improbidade administrativa em razão dos prejuízos causados com a instalação de vidros na raia da USP. 

Em documentos enviados ao MP-SP, a Universidade confirmou a contribuição de menos da metade das 45 empresas anunciadas pela prefeitura de São Paulo como doadoras e realizadoras da obra. Isso deve-se ao fato de algumas das companhias inicialmente divulgadas terem desistido de contribuir, como a Estrutec Engenharia; de outras não terem assinado contratos formais de doação, apesar de as concretizarem; e de terem doado à Fundação de Amparo, sem que a obra do muro fosse o destino específico do aporte.

As contribuições da iniciativa privada vieram através de fornecimento de serviços, equipamentos ou dinheiro. Na lista fornecida pela USP ao MP-SP, há empresas de pequeno porte, que contribuíram com menos de mil reais, mas também se envolveram na obra gigantes de seus setores, como a operadora de saúde Prevent Senior, a CBA/Votorantim e a transnacional do aço ArcelorMittal.


 

Esse texto foi originalmente publicado com o título “Órfão de CONCRETO e VIDRO”.