Parlamentarismo europeu em vertigem

Países europeus enfrentam dificuldades inéditas para formarem governos e impedirem o avanço da extrema-direita

Por Giovanna Stael e João Pedro Malar

Crédito: Pixabay

Recentemente, os países parlamentaristas espalhados ao redor do mundo, mas concentrados no continente europeu, vêm lidando com problemas referentes exatamente à formação de governo. Em entrevista ao JC, Kai Enno Lehmann, professor do IRI-USP, explica que essa dificuldade provém do declínio e fragmentação dos partidos antigos e ao surgimento de partidos populista. 

“Historicamente, temos países com maior e menor estabilidade política. O que chama atenção no momento é a abrangência, o número de países passando por isso. Um exemplo é o Reino Unido, onde não havia tanta instabilidade política e agora temos um governo sem maioria no parlamento.”

Os problemas envolvem não apenas o período pós-eleição, marcado por dificuldades na formação de coalizões ou apoios a governos minoritários, mas também todo o período de governo, com a grande instabilidade que os ameaça. 

Lehmann analisa que, além de travar a governamentalidade dos países, o fato de os chefes de governo não conseguirem colocar em prática os programas para os quais foram eleitos “aumenta a insatisfação da população. Torna-se um ciclo vicioso de governos que não conseguem mudar o cenário político efetivamente, contribuindo para a fragmentação do sistema.” Ou seja, a crise na formação de governos contribui para um cenário de cada vez mais fragilidade das instituições. 

Um país exemplar é a Espanha, que terá, em novembro de 2019, a sua quarta eleição em quatro anos, exatamente pela dificuldade de aprovação de primeiros-ministros e a queda de governantes. O resultado de 2015 foi inconclusivo e não formou nenhuma maioria viável. O de 2016 permitiu que Mariano Rajoy assumisse o cargo máximo do país, mas foi derrubado por um voto de confiança em 2018. Em seu lugar Pedro Sánchez, do Partido Socialista, que, entretanto, não obteve maioria neste ano e se viu obrigado a convocar novas eleições.

Sánchez é o primeiro-ministro interino do país, caso semelhante da Bélgica, que desde as eleições de maio de 2019 está sem comando oficial. O país tem uma tradicional dificuldade em formar governos devido a divisões entre os partidos do lado francófono e do lado flamengo, mas a situação piorou com o crescimento de partidos de extrema-direita, críticos da União Europeia (os chamados eurocéticos) e xenófobos. As negociações para formar coalizões tiveram pouco sucesso até agora.

A Suécia, por exemplo, conseguiu sair de uma crise com a continuidade do social-democrata Stefan Löfven, aprovado no Parlamento após três tentativas frustradas de formação governo (uma do próprio Löfven) e o apoio de partidos centristas, para evitar a chegada da extrema-direita no poder. Esse cenário, porém, não se repete em todos os países do mundo. Em Israel, por exemplo, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu convocou novas eleições após falhar em formar um governo com as eleições de abril de 2019. O novo pleito, porém, alterou pouco os resultados de abril, e nenhum governo foi formado até agora.

Essas dificuldades envolvem fatores regionais, culturais e econômicos específicos de cada país, mas também possuem elementos comuns, em especial o surgimento de novos partidos, uma insatisfação da população com sistemas tradicionais e um crescimento da extrema-direita. 

Para Tanguy Baghdadi, professor de política internacional, esse cenário advém da crise de 2008,que gerou uma sociedade polarizada e reduziu “a capacidade de montar coalizões”. No contexto pós-crise, houve um crescimento do nacionalismo, em especial com a extrema-direita, que “oferece soluções simples para problemas complexos”.

Baghdadi observa, porém, que “dessa vez essa polarização não se dá entre partidos de extremos na política, mas entre a extrema-direita e um centro liberal em relação à visão democrática”. O Parlamentarismo é um modelo de governo que expõe de forma mais rápida e pública as polarizações e crises políticas advindas exatamente dessa polarização, com a dificuldade em formar governos que excluam a extrema-direita, mas ache um meio termo.

Diante desse cenário, o professor observa que, para evitar a chegada da extrema-direita ao poder — cenário que ocorreu na Áustria entre 2017 e 2019 —, há a demanda por “soluções institucionais” que atendam aos anseios da população enfrentando o cenário de polarização e surgimento do multipartidarismo. Entretanto, “resta saber se essas soluções serão boas ou não”.

Linha do tempo dos principais países parlamentaristas da Europa