Esse jornal não chegará a Brasília

Por Amanda Capuano

É fim de 2019. Se essa edição do JC chegasse a Jair Bolsonaro, provavelmente ganharíamos do presidente um tweet reprovador de presente de Natal. Enquanto escrevo este editorial, em algum lugar dessa mesma faculdade, acadêmicos estudam o avanço da direita no mundo. Se lesse esse jornal, o capitão se deleitaria com os resultados: há 30 anos, nesse mesmo novembro, a simbólica queda do Muro de Berlim anunciou o que seria o início do fim da Guerra Fria, peleja  ideológico entre Estados Unidos e a extinta União Soviética – o auge da disputa entre Capitalismo e Comunismo, esquerda e direita. Três décadas depois, a extrema direita conquista cada vez mais cadeiras nos parlamentos europeus, liderada por figuras populares que vociferam discursos carregados de ódio e medo – comunismo, judeus, globalismo, imigração, ideologia de gênero… escolha um inimigo em comum, culpe-o por todos os males do mundo e ganhe o apoio popular. 

Charge: Lígia de Castro

Nas mãos de Abraham Weintraub, é provável que esse jornal virasse combustível para uma de suas viagens. Há alguns dias, o ministro da educação se referiu à universidade pública como “um antro de plantações de maconha” – não que seja de todo mentira, desde 2010, a USP foi casa de 70 pesquisas sobre a cannabis, seus efeitos e substratos. O que Weintraub talvez não saiba, ou escolha não revelar, é que em algum lugar desse campus, enquanto estudantes fecham esse jornal em computadores defasados, pesquisadores tentam encontrar na planta proibida um tratamento que aplaque as dores de quem já não vê outra esperança.

Do outro lado da Cidade Universitária, enquanto a ministra Damares convoca coletivas silenciosas e discute o rosa ou azul do enxoval, mais de 300 pesquisas sobre gênero e sexualidade aguardam a atenção dos governantes – Por que os homens não amam as mulheres? Talvez nem Eva Blay tenha a resposta, mas como sabiamente pontuou, “quando nós, pessoas das comunidades excluídas, fazemos pesquisas e descrevemos os problemas, quem está fazendo política deveria usar desse instrumento para elaborar políticas públicas.”

Mas esse jornal não chegará a Bolsonaro. Ele sequer chega aos câmpus do interior, quem dirá a Brasília; nem tão pouco as pesquisas chegarão aos ministros. E se chegassem, que diferença faria? Na cruzada anti-ciência do século 21, queimariam todas na fogueira.