Divulgação científica em tempos de pandemia

Profissionais da comunicação comentam sobre a aproximação da ciência da população e quais são os principais desafios da divulgação científica no Brasil

 

por Júlia Carvalho

Sabine Righetti em apresentação sobre boas práticas em pesquisa científica. Foto: Isaias Teixeira/Unicamp Imagens

 

Na pandemia, tornou-se comum ver pesquisadores e cientistas presentes nos meios de comunicação. Seja dando entrevistas em programas na televisão aberta ou participando de comerciais contra as fake news, pessoas relacionadas à ciência ganharam um espaço incomum no dia a dia das pessoas. Apesar da visibilidade que temas ligados à pesquisa conquistaram em meio à pandemia, a divulgação científica ainda enfrenta muitas dificuldades no Brasil.

Luciana Miranda Costa, comunicadora social com doutorado em Ciências, entende a ciência como fundamental no cotidiano da população: “A ciência permite que nós possamos olhar a realidade de uma outra maneira, fazer previsões e tomar decisões, planejar nossas próprias vidas”. Ela comenta que, por as pessoas geralmente não estarem inseridas no processo de geração de conhecimento, não há um acesso tão imediato a esse conteúdo e um entendimento claro da função da ciência.

Pesquisadora de Comunicação e Ciência, Luciana explica que essa é justamente uma das razões pelas quais a divulgação científica deve ser estimulada. “Essa ponte é extremamente importante porque, através da comunicação, a gente consegue levar às pessoas informações e conhecimento que elas próprias, a partir de suas realidades locais e de suas trajetórias pessoais, vão utilizar e aplicar”, reforça. Para ela, com a compreensão e aproximação da população é possível que a ciência desempenhe seu papel de transformação dos aspectos sociais, econômicos e ambientais.

Luciana Costa, comunicadora social e pesquisadora de divulgação científica. Foto: Arquivo Pessoal/Luciana Miranda Costa

 

Sabine Righetti, jornalista especializada em ciência, segue a mesma linha de raciocínio de Luciana, entendendo que, apesar da ciência fazer parte da vida das pessoas, é preciso que haja um esforço para que se aproxime o desenvolvimento científico da população. “A comunicação da ciência com a sociedade deve ser parte da própria atividade científica. Ou seja, ela deve compreender mais do que se ter uma pergunta para ser respondida, realizar uma metodologia com experimentação e chegar a resultados. Existe uma etapa adicional a esse protocolo científico: depois da publicação desses resultados, eles devem ser comunicados à sociedade, não apenas aos cientistas daquela área”, afirma.

Ela pontua que há, também, um papel social que deve ser cumprido ao se realizar a divulgação científica. “Falando especificamente do Brasil, 90% da ciência brasileira é feita em universidades públicas. Isso acontece em vários lugares do mundo, mas no Brasil é muito forte. Além das pessoas precisarem ter acesso à informação científica porque ela está em tudo o que nos diz respeito na sociedade moderna, em nosso país, a sociedade é quem mantém a atividade científica funcionando”, explica.

Assim como Luciana, Sabine ressalta que a partir desse acesso à informação científica, as pessoas são capazes de tomar melhores decisões, sejam elas individuais ou coletivas. Porém, segundo a jornalista, democratizar a comunicação da ciência demanda dedicação: “Isso não significa colocar um artigo científico na internet, mas de fato disseminar aquele artigo científico para quem não é cientista”. Entretanto é nesse ponto que os desafios começam a aparecer.

Para Luciana, a divulgação científica encontra vários obstáculos até que consiga se efetivar e chegar de forma mais aplicada às pessoas. “Isso tem a ver com dificuldades que a própria ciência enfrenta, uma incompreensão de muitas pessoas relacionada aos processos científicos – que são mais demorados, precisam ser checados e cujos resultados também são verificados constantemente”. Outro ponto colocado é a questão financeira e de financiamento de pesquisas: “A alocação de recursos pela ciência também é uma dificuldade enfrentada por muitas áreas, que em determinados momentos históricos e em determinadas sociedades não são consideradas áreas prioritárias para financiamento, que muitas vezes é público”.

Além disso, a pesquisadora comenta sobre mais um problema encontrado nesse processo: “A ciência se faz concretamente e se desenvolve em ambientes muito específicos, como no caso das universidades e de instituições científicas. Isso gera, naturalmente, um isolamento que acaba tendo duas consequências: uma delas é a não visibilidade dos processos – tornando as pessoas alheias ao que acontece nesses locais – e, a segunda, é que os próprios pesquisadores acabam também tendo uma produção muito direcionada a determinados grupos”.

Sabine também entende esse isolamento da comunidade científica como uma das grandes adversidades a serem superadas. “No Brasil, a gente não entende que a comunicação com a sociedade é parte da atividade científica. Isso significa que os cientistas são treinados e se espera que eles façam diversas coisas, mas não divulgação científica”, critica. 

Sabine Righetti, jornalista, acredita que os cientistas ganharam espaço na imprensa durante a pandemia. Foto: Instituto Serrapilheira

 

A jornalista conta, ainda, que um cientista pode chegar a cargos máximos da ciência e conseguir financiamentos para pesquisa sem nunca ter se preocupado com a maneira que seus trabalhos chegam para a sociedade. “Para piorar, alguns cientistas que aparecem muito na imprensa, que fazem muita divulgação, são mal vistos pelos colegas, justamente porque isso não é esperado deles, como se eles tivessem querendo aparecer demais. Essa é uma dificuldade estrutural muito grande”, completa.

Nesse sentido, a pandemia deu visibilidade não só para aqueles cientistas que já costumavam se envolver na divulgação científica e estavam mais presentes na mídia, como para nomes desconhecidos para a população no geral. “A pandemia teve um papel fundamental de chamar a atenção para a necessidade da pesquisa científica, como ela é importante, como seus resultados são relevantes, e como isso é indispensável para encontrar soluções que vão reverberar tanto no dia a dia das pessoas como a na área econômica e no bem-estar da sociedade”, defende Luciana.

Segundo a pesquisadora, “as ações que contribuíram para a aproximação da ciência, sem dúvida, estiveram diretamente atreladas a uma parceria da mídia e dos institutos que trabalham com saúde”. Ela ainda afirma que “a pandemia joga luz nos problemas que já existiam e, ao mesmo tempo, indica soluções a partir da ciência – e naturalmente a divulgação científica teve um papel fundamental nesse contexto”.

Sabine também acredita que esse período contribui para aproximar a ciência das pessoas, mas coloca em dúvida se esse movimento será duradouro. “De fato os cientistas ganharam voz, mas isso vai ficar? A comunicação da ciência mudou? Acho que não. O que aconteceu foi que a pandemia evidenciou a ciência e os cientistas reagiram com força e se tornaram vozes importantes, mas a gente não teve uma mudança estrutural. A gente não tem estratégias das instituições de pesquisa pensando em como fazer essa comunicação, a gente não teve nenhuma grande ação com os jornalistas”, analisa.

A jornalista entende que, apesar de uma maior visibilidade à ciência, não houve uma transformação efetiva. “O que a gente está observando é um negacionismo científico e corte atrás de corte de dinheiro para ciência em plena pandemia. Se não houver uma mudança estrutural, a gente vai perder esses espaços que os cientistas ganharam na sociedade”, finaliza.

Para divulgar ciência

Luciana Miranda é professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e também foi coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunicação, Divulgação Científica, Saúde e Meio Ambiente, na Intercom. Desenvolve projetos de pesquisa e extensão com o apoio de agências como CNPq e Capes. Na área de Comunicação, suas pesquisas e projetos, alguns dos quais premiados, tem dado ênfase para as temáticas Estudos em Rádio, Comunicação e Meio Ambiente, Divulgação Científica e Comunicação Institucional.

Com o objetivo de contribuir para a divulgação científica no Brasil, Sabine Righetti, jornalista especializada em ciência, pesquisadora e professora doutora da Unicamp na área de comunicação de ciência, junto com a biomédica Ana Paula Morales, criou a Agência Bori. O projeto se trata de uma plataforma capaz de conecta a ciência nacional inédita à imprensa de todo o país, tornando a ciência mais acessível para a população. Confira este vídeo que explica um pouco mais sobre a iniciativa: