A suspensão dos concursos fere o quadro de docentes da USP

Sem novas contratações até dezembro de 2021, a comunidade universitária sofre com a falta de professores e dificuldades na carreira acadêmica

 

por Guilherme P. P. Bolzan

Foto: Guilherme P. P. Bolzan

No dia 5 de julho deste ano, a resolução 7.955 foi publicada e entrou em vigor. Através dela, a Reitoria da USP altera e suspende a realização de diversos concursos de docentes até dezembro de 2021. As etapas de avaliação e concursos que não foram suspensos, deverão ser realizados de forma adaptada para evitar o contágio da covid-19.

A medida se deu por diversas razões. Como a realização das provas e processos de avaliação normalmente requerem a presença de muitas pessoas, o risco de transmissão é alto. Porém, outra razão importante é a Lei Complementar 173, de 27 de maio, publicada pelo governo federal. A lei estabelece medidas de contenção de gastos para atenuar o impacto econômico e orçamentário do período de isolamento social e quarentena.

Seu texto suspende a concessão de aumentos para funcionários públicos, além da expansão de serviços de diversas áreas. Dessa forma, a resolução 7.955 seria a maneira da Universidade corresponder com a lei e implementar a contenção de gastos. 

São três tipos de concursos afetados. Os concursos de ingresso, em que um candidato busca uma vaga de professor doutor ou professor titular, são regidos pelo artigo 4 da resolução: “Fica suspensa de 28 de maio de 2020 a 31 de dezembro de 2021 a realização de concursos públicos para o provimento dos cargos de professor doutor e de professor titular.”

Os concursos de livre-docência são aqueles em que um professor avança em sua carreira acadêmica, recebendo o título de livre-docente e ganhando um aumento salarial, mas não necessariamente ingressa em um novo cargo. Estes ainda podem ser realizados, mas de forma adaptada. A resolução prevê que algumas provas possam ser realizadas “por meio de sistemas de videoconferência e outros meios eletrônicos de participação a distância”. Outras provas, que requerem participação presencial, deverão ser realizadas com a presença do mínimo necessário de pessoas e adotando as medidas de distanciamento e prevenção de contágio de covid-19. As regras específicos para realização dos concursos ficam a cargo da Congregação de cada unidade, podendo ocorrer variações nos procedimentos de avaliação.

Após a aprovação de um candidato pela comissão julgadora, ele recebe o título correspondente ao concurso prestado, que é, em seguida, homologado pela Universidade. Se um professor é aprovado em um concurso de livre-docência, mas ainda não teve seu título homologado até a resolução entrar em vigor, essa segunda etapa ainda assim deve ser realizada. Porém, nos concursos de ingresso de novos docentes, mesmo que o candidato seja aprovado, ele só poderá assinar seu contrato e iniciar seus trabalhos após o fim da suspensão.

O exemplo da ECA

Na ECA, a situação não é diferente. Segundo Rosa Maria Sampaio, da Assistência Acadêmica da unidade, nove concursos de ingresso foram suspensos. Destes, seis eram para contratação de professores doutores e 3 para professores titulares. A sua retomada só poderá ser feita em 2022, quando novas contratações voltarem a ser permitidas.

Sobre os concursos em andamento, “A Congregação em reunião de 24 de junho aprovou a realização dos concursos de livre-docência nos termos da Resolução 7.955 e, desta forma, foi retomada a realização dos concursos cujas inscrições haviam sido realizadas no período de 2 a 16 de março.”  Para prevenção da contaminação, nas etapas presenciais, comparecem apenas “um docente da ECA membro da comissão julgadora, geralmente o presidente; o candidato e o funcionário do setor de concursos”, além da adoção das tradicionais medidas de prevenção. Segundo ela, nas etapas virtuais, até o momento não foram registradas dificuldades técnicas ou interrupções na avaliação.

Acrescenta ainda, que concursos de contratação de professores temporários ainda estão acontecendo. Eles foram permitidos por uma resolução posterior da Reitoria. “São emergenciais. No caso, na ECA, temos em andamento um concurso desta natureza. Serão realizadas duas provas, totalmente por videoconferência.”

Defasagens e justificativas

A falta de professores, que obriga a contratação emergencial de professores temporários, não ocorre somente na ECA. Segundo o professor Rodrigo Ricupero, presidente da Adusp (Associação dos Docentes da USP), esse problema vem se desenvolvendo já há vários anos e em toda Universidade.

Na visão da Adusp, a suspensão dos concursos não se justifica pela pandemia ou pelas determinações da LC 173. Estes configuram apenas pretextos para Reitoria implementar e ampliar uma política de austeridade já há anos em desenvolvimento. “O nosso entendimento é que a Reitoria, por conta própria, está aplicando uma interpretação mais dura do que a lei complementar exige. Os concursos de ingresso são para substituição, o que não é vedado [pela LC], além de já existir verba destinada para isso”, afirma Ricupero. “A Universidade fez uma leitura que não corresponde aos fatos.  Houve uma queda na arrecadação, obviamente. Porém, tanto os concursos de livre-docência quanto os concursos de ingresso, na quantidade em que são feitos, são irrelevantes para Universidade. São valores, no universo do orçamento, que não justificariam a medida. É uma decisão tomada pela Reitoria”, enfatiza ele.

A consequência dessa política de corte de gastos é um agravamento na defasagem de professores — o que a suspensão dos concursos afeta diretamente. Confira no gráfico abaixo a queda no número de professores efetivos, entre 2014 e o ano passado:

Arte: Karina Tarasiuk

“A Reitoria está fazendo uma nova definição de financiamento, e está jogando para o corpo docente e para os funcionários, uma carga suplementar de trabalho. Ela aposta que o quadro, mesmo em menor número, vai segurar a Universidade. E, o que não segurar, paciência. A Universidade está aceitando essa perda.”

– Rodrigo Ricupero

A redução no número de professores efetivos não é a única alteração que se percebe no gráfico. O corpo de professores temporários, composto por pós-doutorandos em programas de ensino e por contratados com limite de dois anos no cargo, vem aumentando rapidamente. Ricupero afirma que essa substituição não é uma troca equivalente. “Perde-se um professor contratado, concursado e coloca no lugar um professor temporário, que vai ficar um ou dois anos, em regime precário, trabalhando em tempo parcial, ganhando 1.500 a 2.000 reais.”

Segundo ele, por mais competentes e dispostos que sejam esses professores, questões estruturais geram grandes dificuldades para sua estabilização na Universidade: “Eles têm muitas responsabilidades. Ao ministrar um curso, eles começam do zero, e quando estão começando a entendê-lo dois anos depois, adeus! [Seu contrato acaba e] vem outro professor no lugar.”

A defasagem vem aumentando rapidamente, deixando a Universidade em uma posição cada vez mais vulnerável. Isso se torna especialmente grave ao considerar que grande parte do corpo docente já passou da idade mínima para aposentadoria. Eles podem pedir aposentadoria a qualquer momento, e concursos não são abertos rápido o suficiente para compensar pelas perdas. Segundo o professor Rodrigo, até agora, neste ano, a USP perdeu 102 professores, e contratou apenas 72. A piora das condições de trabalho gerada pela própria precarização do ensino e da carreira, somente leva a mais aposentadorias e a mais saídas da do quadro. Isso por sua vez, agrava ainda mais o quadro, em um ciclo destrutivo.

Sem os professores efetivos, a Universidade pública perde seu principal diferencial: a pesquisa. A substituição de professores efetivos por temporários “começa a criar, na prática, uma categoria que não faz pesquisa, somente dá aulas.” Sem isso, ela deixa de alimentar a fonte de sua excelência: “O professor é um pesquisador e, muitas vezes, um pesquisador da sua disciplina. Ele está atualizado porque está pesquisando na área em que vai dar aula por muitos anos”, afirma Ricupero. Esse nível de comprometimento e dedicação é simplesmente impossível nos contratos de dois anos dos docentes temporários. Medidas como essa podem parecer pontuais, mas possuem um efeito cascata que, se não for interrompido, afunda consigo a pesquisa, o ensino e toda a Universidade.