Experiências com o ensino à distância

Estudantes, professores e psicólogos contam sobre a experiência com o ensino remoto nesse segundo semestre

 

por Camila Paim

Arte: Isabel Teles

Um dos maiores obstáculos que a pandemia tem apresentado é a mudança na forma de assistir a aulas. Na graduação e na pós-graduação, alunos se queixam do cansaço de ficar horas na frente do computador e de terem mais dificuldade para aprender e absorver as informações. Do outro lado da tela, professores batalham para diversificar os formatos de aula, de forma que consigam tanto atrair a atenção, mas também gerar participação. Em tempos de “EAD”, desligar a câmera, o microfone e a atenção é muito mais fácil.

Ainda em abril, o Conselho Nacional de Educação (CNE) recomendou às universidades que adotassem o ensino remoto e que isso fosse levado em conta na carga horária. A USP foi uma das universidades que rapidamente decidiu seguir com seu semestre, enquanto as universidades federais, por exemplo, preferiram seguir com um planejamento diferente. 

Dando continuidade  às aulas do semestre corrente por meio das plataformas de ensino que achassem apropriadas e sem uma estrutura definida, notava-se grande divergência nas formas de dar aula. Enquanto alguns professores adotaram plataformas como o Moodle USP (e-Aulas e e-Disciplinas), Google Classroom ou Microsoft Teams, outros variavam entre chamadas de vídeo por Zoom ou Meet, ou até mesmo a disponibilização de aulas gravadas, pelo Youtube ou outros canais. 

“A adaptação das aulas ao modelo à distância pode ser separada em dois momentos: antes e depois das férias de julho,” aponta Nathanael Rolim, estudante de Relações Internacionais no IRI-USP.  “Antes das férias, tanto os alunos quanto os professores foram pegos de surpresa pela necessidade de adaptação a um modelo de ensino com o qual quase ninguém da comunidade USP estava acostumado.”

Luana Villares, estudante de Economia da FEA-USP, afirma gostar das aulas EAD, mas concorda que o mais desgastante é ficar na frente do computador e ressalta a importância da adequação das aulas para o novo formato. “Muitos professores não adaptaram o curso e tentaram fazer igual o presencial.” As aulas síncronas expositivas têm sido criticadas principalmente por esse formato, que acaba tendendo a um monólogo do professor. “Eu acredito que as aulas gravadas/assíncronas sejam melhores, principalmente porque os alunos podem assisti-las quando quiserem, e caso precisem de um descanso, é possível pausar e retomar o vídeo em qualquer momento”, justifica Nathanael.

Foto: Marina Reis

 

Segundo o psicólogo clínico e escolar, Gustavo Vasconcelos, a maior parte das queixas do ensino remoto se concentram no excessivo tempo em frente às telas e na sobrecarga de tarefas. “Por mais que seja uma geração que nasceu com a tecnologia, muitos pacientes se queixam da  limitação de poder tocar o outro, das dificuldades com o contato”, relata. 

Quando questionados sobre essa maior carga de trabalho, ambos os estudantes concordaram. Nathanael, conta que sentiu uma diferença com relação à cobrança entre o primeiro e o segundo semestre “os professores passaram [no segundo semestre] a pedir bem mais atividades e leituras – às vezes até mais do que pediriam no modelo presencial – e isso tem afetado bastante o nosso tempo disponível para outras atividades, inclusive para descansar.” 

Luana também sente que, ficando sempre em casa, tem menor incentivo para fazer alguma atividade de lazer. “A combinação dos fatores preenche muito a minha agenda de um jeito que não gostaria se não tivesse em quarentena porque eu não teria tempo para mim, mas agora tem sido bom para me ocupar mais.”

Fábio Rocha, professor do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (CENA-USP), percebe que conseguiu adaptar-se bem ao modelo online, gravando vídeos demonstrativos de experimentos, com a ajuda de alunos e técnicos de laboratórios.  “O principal problema que eu acho é a questão da participação, ela ainda é muito pequena. Nas aulas presenciais a gente tem como fomentar isso, fazer perguntas e esperar que respondam. Nas aulas online, ficamos praticamente falando sozinho.” 

Na mesma linha, a professora Helena Rinaldi Rosa, do Instituto de Psicologia (IP-USP) e coordenadora do projeto de extensão Plantão de Acolhimento Psicológico (PAP), queixa-se que no ensino remoto “não há uma interação de qualidade e não se compara com a minha experiência com o debate presencial.”

Sobre a participação, Luana e Nathanael concordam também que a sua participação tem sido baixa nas aulas. A primeira comenta que nas aulas presenciais costumava participar e debater com a sala, mas que agora não tem vontade. “Na maioria das aulas todo mundo está com a câmera fechada. É mais cômodo não abrir e não fica um clima muito confortável para discutir. O ambiente é diferente mesmo,” comenta Luana.

Outro ponto levantado por Nathanael é a concentração nas aulas. Ele conta que sente mais dificuldade de concentração quando elas são síncronas, e às vezes se encontra “divagando, completamente perdido no assunto.” Na mesma linha, Luana aponta: “É muito fácil dispersar, começo a ver uma coisa e quando vejo perdi algo que o professor falou e tenho que ficar mais tempo pra entender.”

Helena conta que a maior partes de seus alunos preferem as aulas assíncronas, que segundo eles permite melhor assimilação do conteúdo e dá mais privacidade para assistir a aula. As aulas síncronas, tanto para alunos e professores exige muita concentração. Ela explica que “isso é muito difícil, por conta da atenção que tem que estar centrada no monitor com um mundo todo em nossa volta que nos estimula o tempo inteiro” 

Gustavo conta, observando pacientes que estão em idade escolar e universitária, que existem muito mais estímulos no ambiente virtual do que na escola presencial. A facilidade em abrir uma outra aba e assistir a um vídeo ou jogo em simultâneo. “Em outros casos, não se mostrar na câmera e dormir. Isso é algo que está acontecendo muito, tanto na universidade como na escola.” 

Quanto aos efeitos da ausência do presencial, Gustavo comenta que tem visto muitas pessoas com ansiedade e “com dificuldades para lidar com esse grande “outro” que é a tecnologia, todos os relacionamentos à distância. Tudo isso não era novidade, mas hoje triplicou, quadruplicou” e finaliza dizendo que “Acho que o que nos resta é ter esperança de que as coisas vão seguir e poder lidar com isso de uma forma de maneira menos corrosiva.”

Por enquanto, a USP ainda não mencionou novas mudanças no calendário, com previsão para o retorno das aulas presenciais em 4 de janeiro de 2021. Essas aulas ocorreriam para reposição das disciplinas dos dois semestres de 2020 que não conseguiram ser realizadas à distância.