Panela de pressão: antes e depois

Cozinhar ainda não é minha atividade favorita ou a minha primeira opção se tenho escolha, mas desde que ganhei intimidade com a panela de pressão passei a ver a situação de outra forma

 

por Isabel Teles

Arte: Camila Paim

 

Mais ou menos no terceiro mês daquilo que se convencionou chamar de quarentena, eu comecei a criar marcos para me situar no tempo. Assim, dividi o período de isolamento em uma série de “antes e depois”. Antes e depois da queda de alguns ministros, da retomada das aulas, do reencontro com a família, e por aí vai.

Pode parecer trivial, mas considero o mais marcante dos acontecimentos da pandemia o dia em que eu usei uma panela de pressão. Foi numa segunda-feira, 22 de junho de 2020, que eu cozinhei feijão sozinha pela primeira vez em 24 anos — sete deles morando sozinha. 

O antes e depois da panela de pressão mudou tudo.

Não me incomoda admitir que prefiro ficar longe do fogão. Antes, eu achava chique e moderno anunciar meu desgosto pela cozinha. Eu me sentia quebrando estereótipos de gênero e me livrando de uma série de opressões. Cozinhar ainda não é minha atividade favorita ou a minha primeira opção se tenho escolha, mas desde que ganhei intimidade com panela de pressão passei a ver a situação de outra forma. 

Muitas pessoas têm medo da panela de pressão. Eu não. Comigo, a situação era uma mistura de preguiça e falta de necessidade. Já havia acompanhado o preparo inúmeras vezes, sabia o que era preciso fazer, mas nunca tinha me arriscado sozinha porque não tinha um motivo que justificasse todo o trabalho. 

Eu sou do tipo que toma decisões importantes sem fazer muito alarde. Com a panela de pressão foi assim. 

Cresci comendo arroz e feijão todos os dias. Quando percebi que estava há semanas sem comer o que eu gosto — já que com a impossibilidade de visitas da minha mãe, as porções congeladas haviam acabado — e que era inviável, e ruim, continuar pedindo delivery, decidi que faria feijão. 

O processo é, na realidade, bastante simples. Apesar das histórias de explosão de panelas e de feijão espalhado por toda a cozinha, há pouco que possa dar errado. Com isso em mente, numa manhã, lavei a panela de pressão, que estava um tanto empoeirada no fundo do armário, fritei alho e cebola, juntei o feijão e a água e esperei. 

15 minutos até a panela pegar pressão e mais meia hora para a receita ficar pronta. 

Abrir a panela no final e conferir se tudo deu certo é a melhor parte. A sensação é realmente de conquista. Da primeira vez, o orgulho foi tanto que liguei para a minha mãe e postei fotos nas redes sociais. Mesmo sem fazer tanta festa, continuo empolgada com o resultado toda vez que abro a panela.

Aprendi alguns truques e ganhei habilidade ao longo das semanas. Hoje, posso dizer que faço um bom feijão. Mais do que isso, sou uma exímia operadora da panela de pressão. Não foi algo planejado para mudar a minha vida, mas de certa forma mudou. 

Antes, eu “me virava” na cozinha, com algumas limitações e sem pensar muito no assunto. Depois da panela de pressão, sinto que finalmente posso dizer que sei cozinhar. Há algo de mágico em transformar alimentos, uma mistura de sabedoria e cuidado que eu finalmente começo a conhecer. 

Ainda assim, cozinhar é mais uma atividade doméstica invisível e subvalorizada, apesar de absolutamente essencial. Talvez por isso, eu tenha tentado me afastar da função por anos. Mas a quarentena mudou tudo, e o reencontro foi inevitável.

Pode ser fruto de uma sensibilidade provocada pela pandemia ou qualquer outra coisa, mas dominar a panela de pressão passou a representar confiança, força e independência — questões sobre as quais jamais imaginei refletir enquanto fazia o almoço.

Ainda bem que naquela segunda-feira eu decidi comer feijão.