Gubi, o matemágico

Com interesse em diversas áreas nas ciências e nas artes, professor era a sensação do IME

por Ivan Moraes Conterno

Montagem a partir de foto do arquivo pessoal de Wellington Zangari

Antes da pandemia, os alunos que ingressassem no Instituto de Matemática e Estatística da USP logo seriam apresentados a um um sujeito alto de cabelos grisalhos e sua maleta vermelha. Um dos personagens mais carismáticos do campus do Butantã, Marco Dimas Gubitoso, ou simplesmente Gubi, que apresentava seus números de mágica durante a semana de recepção dos calouros, era professor do Departamento de Ciência da Computação.

Amante de videogames e da literatura de ficção científica, costumava recomendar jogos da Nintendo para os amigos, seu livro de cabeceira era O Guia do Mochileiro das Galáxias e, sendo assim, “quarenta e dois” era a sua resposta para tudo. Entretanto, os menos íntimos vão lembrar mesmo é do professor que ensinava matemática com seus números de mágica. “Nunca conheci alguém que não gostasse do Gubi”, diz o professor Junior Barrera, seu colega no IME.

Gubi se considerava mágico desde os 10 anos de idade. Embora já gostasse de assistir apresentações antes, nos circos que passavam por São Paulo, o interesse mais agudo surgiu quando visitou pela primeira vez o Salão da Criança no Ibirapuera, uma enorme exposição de brinquedos onde o pequeno Marco criou fascínio especial por artefatos para mágica. A partir de então, o garoto passou a frequentar lojas voltadas para essa arte e criar habilidades cada vez mais sofisticadas.

O sonho do jovem Gubi, no entanto, era seguir a profissão de cientista, tarefa que nunca abandonou desde que entrou no curso de Física da USP em 1977. Sua atividade com a mágica sempre foi amadora, no sentido mais apaixonado da palavra.

Assim que concluiu a graduação, seguiu pela mesma área no mestrado e, em seguida, começou a lecionar no curso de Ciência da Computação. Gubi ficou nacionalmente conhecido no mundo da informática por ter criado, em 1989, o primeiro antivírus brasileiro de computador. Chamado Leucócito, o programa foi amplamente difundido entre os usuários de MS-DOS, cujos computadores estavam sendo infectados com o vírus Ping Pong. Em 1992, o programador ingressou no doutorado sob orientação do professor Siang Wu Song e, três anos depois, participou da criação do Laboratório de Computação Paralela e Distribuída (LCPD) da USP.

Foi a partir de um programa desenvolvido pelo seu orientador que Gubi passou a estudar combinações numéricas com baralhos. Em 1996, durante uma aula no último ano do doutorado, o professor Siang mostrou uma mágica baseada no Grafo de Bruijn. O mágico codificava 32 cartas de um baralho incompleto preparado conforme a sequência de Bruijn e, cortando o baralho quantas vezes precisasse, distribuía cinco cartas para cinco participantes. O mágico precisaria perguntar apenas se a carta era vermelha ou preta para conseguir, em seguida, dizer o naipe e valor de cada uma delas. O aluno de doutorado ficou encantado com a mágica e não demorou muito para criar um programa de computador capaz de reproduzir a técnica. 

A partir de então, Gubi criou alguns números de mágica que tinham a matemática como princípio. O mais conhecido deles foi o Caminho de Santiago. Em 2004, essa técnica alcançou o terceiro lugar da categoria de invenções e aperfeiçoamentos no Congresso Brasileiro de Mágicos.

Quanto mais se sentiu seguro com suas habilidades, mais projetos o professor empreendeu para difundir a sua arte. Em 2007, Gubi resolveu se juntar ao Grupo de Estudos Mágicos Misdirection, onde testava suas novas performances. Foi aí que ele desenvolveu com maior afinco a sua pesquisa em torno da arte, e passou a visitar escolas para despertar o interesse dos alunos nas ciências através das suas apresentações. A convite de um aluno, passou a fazer também apresentações para arrecadar roupas e mantimentos para projetos sociais, fundando então os Mágicos Solidários com mais pessoas interessadas. Por fim, a vontade de explicar as propriedades matemáticas por trás das performances levou Gubi a lançar o curso de verão “Matemática e Mágica” na USP a partir de janeiro de 2015.

“Ele sempre fazia algum número de mágica para para os colegas ou para os alunos, independente de ter alguma ligação com o curso”, enfatiza o amigo Cláudio Décourt, reforçando que “ele era realmente um apaixonado por mágica”. No entanto, segundo o professor Alfredo Goldman, a mágica normalmente era um assunto extraclasse, diferentemente dos jogos de videogame, que eram bastante explorados nas disciplinas de Técnicas de Programação.

Gubi foi um pesquisador multidisciplinar, tendo se envolvido com dedicação semelhante assuntos relacionados a física, computação, etimologia, psicologia e mágica. Nos últimos anos, também participava de três grupos de estudos do Laboratório de Estudos Psicossociais (Interpsi). Nos últimos anos, o professor dedicou parte de seus esforços no Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão em Neuromatemática (Neuromat), onde ajudou a desenvolver um aplicativo para auxiliar no diagnóstico da doença de Parkinson chamado Goalkeeper Game.

“Ele nos brindou com uma série de conferências”, comenta Wellington Zangari, vice-coordenador do Intepsi. “uma era sobre física quântica, outras duas eram sobre personagens do mundo da mágica cuja contribuições foram importantes para o mundo da ciência”, acrescenta. Para Zangari, o professor Gubi nunca se colocava como coadjuvante nos grupos em que participava.

Marco Gubitoso faleceu em São Paulo no primeiro dia de fevereiro de 2022, aos 63 anos, depois de uma dura batalha contra um câncer cerebral. Ele estava em seu segundo casamento e deixou um filho, fruto do relacionamento com a primeira esposa.

Durante o período em que esteve doente, o professor recebeu uma série de palestras do grupo Misdirection em sua homenagem com vários nomes importantes no mundo da mágica. O dinheiro arrecadado com os ingressos dessas atividades serviram para financiar um de seus tratamentos médicos. Ainda nesse último período, o Interpsi dedicou uma de suas novas salas ao professor Gubi, no favo 5 das colmeias próximas ao Crusp, em frente à antiga sala do Cinusp. Lá funcionará a atividade de extensão “Laboratório do Impossível”, dedicada à arte da mágica. Na sala encontra-se o acervo reunido por Enio Finochi, maior historiador da mágica no Brasil falecido em 2012, e por Padre Quevedo, falecido em 2019.

Arquivo pessoal/Wellington Zangari

O material sobre mágica escrito pelo professor foi reunido pelos seus pares no mundo da mágica, que estão agora à procura de uma editora que possa lançá-lo em livro. Com prefácio de Cláudio Décourt, ex-presidente da International Playing Card Society, e revisão de Tato Fischer, conhecido por ter tocado piano com a banda Seco & Molhados entre 1972 e 1973, o livro contará com as lições apresentadas no curso “Matemática e Mágica”.