“É uma prática de intimidação e de silenciamento”, diz Conrado Hübner sobre ação de Aras

O professor da Faculdade de Direito da USP e colunista da Folha de S.Paulo conversou com o Jornal do Campus sobre a queixa-crime; entenda o caso 

por Patrick Fuentes

Foto: Flicker/Roberto Jayme/Universidade de São Paulo

A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) aceitou a queixa-crime do procurador-geral da República, Augusto Aras, contra Conrado Hübner Mendes, colunista da Folha de S. Paulo. Segundo Aras, os comentários feitos por Mendes ferem sua honra e se enquadram nos crimes de calúnia, difamação e injúria. O colunista afirma que a petição é uma tentativa de silenciamento e que pode abrir um precedente negativo para críticos do governo.

A queixa-crime feita pelo procurador-geral da República ao TRF-1 afirma que o texto da Folha “Aras é a antessala de Bolsonaro no Tribunal Penal Internacional”, de autoria de Hübner, e os comentários feitos pelo colunista em suas redes sociais são caluniosos, difamatórios e ferem sua honra. Na coluna, Conrado afirma que Aras blinda Bolsonaro das consequências de suas falas e ações, ativamente impedindo que investigações sobre as ações do presidente e membros do executivo sejam realizadas. 

Reprodução: Twitter/JotaInfo

A tentativa de denunciar o colunista acontece desde agosto do ano passado, quando o Procurador tentou através da 12ª Vara instaurar inquérito contra ele. No entanto, a queixa-crime foi recusada pela  juíza Pollyana Kelly Maciel, que afirmou que, por mais que se tratassem de comentários ácidos à figura do procurador, eles não constituíram nenhum dano à sua pessoa e eram naturais pela visibilidade do seu cargo.  

A interpretação do juiz federal Marllon Sousa no relatório do inquérito considera que: Embora o debate político seja sempre bem-vindo e necessário, as expressões usadas pelo querelado podem, em tese, configurar o delito de calúnia, pois atribuíram ao querelante a prática de fato definido como crime, mais especificamente o descrito no art. 319 do CP (prevaricação).

“Claro que essa é uma prática de intimidação e de silenciamento, de má compreensão do lugar de uma autoridade pública e da liberdade de expressão para com os cidadãos em geral que o critiquem”, disse Hübner, em entrevista ao JC. O colunista afirma que a petição é um indicador do comportamento autoritário pelo qual as esferas ligadas ao presidente Jair Bolsonaro vem passando. 

Aras se pronunciou sobre o caso afirmando que aceita com naturalidade eventuais críticas feitas a eles e que os comentários de Conrado não se encaixam nessa definição, pois: “Observa-se o nítido propósito de caluniar, injuriar e difamar o querelante [Aras] imputando-lhe atos e posturas inverídicos e ultrajantes, de sorte a menoscabar sua honra e imagem e atingir a própria noção de independência do cargo de Procurador-Geral da República”

O procurador Augusto Aras durante cerimônia no Palácio do Planalto. Foto: Andressa Anholete/Getty Images/Reprodução

Liberdade de expressão e precedentes 

A liberdade de expressão tornou-se um tema debatido desde que Bolsonaro assumiu o poder, por usá-la como justificativa para suas falas polêmicas. Um exemplo disso são as falas do presidente questionando o funcionamento das urnas eletrônicas e suas afirmações que não aceitará uma possível derrota se não houver voto impresso no pleito de 2022. 

Para Aras, as falas são uma “retórica política” e estão dentro do direito de expressão do presidente, posicionamento que vai de encontro com o de membros do MPF (Ministério Público Federal) de que pedem que elas sejam investigadas.

Para Hübner, que também é professor de Direito Constitucional na USP, a adoção dessa liberdade pelo executivo é problemático, pois se trata de uma bandeira meramente retórica. “É uma liberdade fora da sociedade, uma liberdade fora da comunidade política, que se imagina sem limites e se irresponsável com as consequências que causam” afirma o colunista. 

Segundo o colunista, o fato de autoridades poderem processar seus críticos abre um precedente perigoso, inaceitável e que não deve ser normalizado. No entanto, considera que somente a decisão final irá determinar se o precedente aberto será positivo ou negativo. 

“Se ela for uma decisão que opte por proteger e preservar a liberdade de crítica será um precedente positivo que eventualmente sinaliza para outras autoridades que essa ação não será bem sucedida”, conclui Conrado.