A culpa é das estrelas: como a evolução dos mapas estelares mudou nosso entendimento sobre universo

Diversas civilizações, ao longo dos séculos, observaram o céu tentando mapear as estrelas — trabalho incompleto até hoje

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por Patrick Fuentes

Reprodução: Wikipédia

A função dos mapas estelares, também conhecidos como cartas celestes, é bem simples, determinar as posições das estrelas e constelações — ou estrelas fixas — no céu noturno. Com essa referência, é possível mapear as posições dos corpos móveis — os planetas, a Lua e, eventualmente, cometas — em relação a elas. 

Devido à natureza relativamente fixa das estrelas, os mapas eram utilizados para registrar a passagem de tempo e as estações do ano, para determinar os ciclos de plantação e colheita. Também eram essenciais para a navegação marinha.

Outra função desses mapas era registrar as tradições orais dos povos antigos, variando de acordo com a cultura local. O zodíaco como conhecemos é um fruto disso, baseado nas constelações da Babilônia “importadas” para a Grécia, onde foram modificadas e difundidas para condizer com a mitologia helenística. O resultado  são os doze signos astrológicos atuais.

Aliás, é da própria Babilônia o registro mais antigo sobre o comportamento estelar que se tem registro, o MUL.APIN, datado por volta de 1000 a.C, que lista 66 estrelas e constelações, assim como informações sobre o posicionamento delas. Contudo, apesar de registrar informações sobre as estrelas e dar indícios sobre como os babilônios faziam seus mapas estelares, o artefato não é um mapa nos moldes conhecidos.

O MUL.APIN é um artefato mais antigo de informações astronômicas e mitológicas sobre as estrelas. Reprodução: Wikipédia

Escrito nas estrelas

Em entrevista, o professor Roberto Dell’Aglio Costa, do Departamento de Astronomia do IAG (Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas) da USP,  conta que o primeiro mapa estelar, no sentido puramente astronômico, é do astrônomo grego Hiparco de Nicéia, no século 135 a.C, que registrou 850 estrelas. 

“O objetivo do mapa era exatamente identificar as estrelas no céu grego, mas durante a confecção desse mapa, ele viu que as estrelas tinham brilhos diferentes, algumas mais brilhantes, outras mais fracas e, então, inventou um esquema classificatório para essas estrelas”, disse o professor. 

O sistema de classificação de luminosidade era dividido em seis categorias, sendo as mais brilhantes de primeira magnitude, enquanto as estrelas mais fracas, de sexta magnitude. Costa explica que o modelo de classificação é similar ao atual, cuja diferença leva em consideração o uso de telescópios e as bases da física moderna.

Além das contribuições para a astronomia, Hiparco de Nicéia é considerado o criador da trigonometria Reprodução: Meteorología en red

As contribuições de Hiparco à astronomia não se limitaram ao seu trabalho de cartógrafo das estrelas, tendo descoberto a precessão dos equinócios, movimento de um corpo celeste como o que a Terra realiza em torno de seu eixo, assim como o ângulo do movimento das estrelas “fixas”. 

O professor conta que apesar da rotação do eixo ser lenta — aproximadamente de 25.780 anos — sua influência somada ao movimento natural da Via Láctea, torna o processo de mapeamento dos céus algo contínuo. 

“A evolução dos mapas estelares não termina nunca, porque as estrelas lentamente se movem, girando em torno da galáxia. Qualquer mapa estelar, por mais que seja idealmente preciso, daqui uma ou duas décadas, com essa movimentação, terá que ser refeito”, explica.

Estrela! Ilumina meu céu

Mesmo sendo um registro de constelações “fixas” nos céus, os mapas estelares permitiram que astrônomos pudessem observar e registrar dados sobre outros eventos que dividiam a noite com esses astros: as estrelas errantes. Elas nada mais são do que os corpos — planetas, satélites e cometas — que se movem em relação ao fundo das estrelas, isto é, o espaço entre elas.

O professor conta que dessas observações saíram uma das descobertas mais importantes da astronomia moderna. Segundo ele, no início do século 16, o astrônomo alemão Tycho Brahe utilizou o sistema de mapas para registrar o movimento da órbita de Marte. 

Seus dados sobre o planeta foram reaproveitados após sua morte por seu assistente Johannes Kepler, que os utilizou para confirmar que os planetas giravam em torno do Sol, em uma órbita elíptica. 

Não demoraria muito para que o planeta pudesse ser observado através de um telescópio, já que, em 1610, alguns anos após o falecimento de Tycho, Galileu Galilei, uma das figuras mais importante da astronomia, iria ser a primeira pessoa a ver o planeta vermelho em maiores detalhes, graças à invenção do telescópio. 

Costa afirma que até o século 16, o estudo e mapeamento de corpos celestes era feito através de instrumentos de mira, usados para medir a distância vertical de um ponto em relação ao horizonte, mas que os telescópios ópticos criados por Galileu permitiram uma nova forma de se mapear os céus. 

Ao tirar a limitação da visão humana do processo de mapeamento das estrelas, foram descobertas a existência de astros, como é o caso das estrelas binárias, da constelação de Ursa Maior, observadas pela primeira vez por Galileu, em 1617. 

Dessa forma, os mapas deixaram de ser somente sobre a posição das estrelas, mas também sobre suas distâncias e também passou a ser um registro de suas naturezas, uma vez que o instrumento permitia uma melhor  análise de propriedades dos astros, como formato e brilho.

Ao infinito e além

Com a invenção dos satélites artificiais, os mapas estelares modernos ficaram mais precisos e os dados para fazê-los são obtidos fora da órbita terrestre, uma vez que “tudo que a gente olha no espaço a partir daqui é através da atmosfera e ela tem turbulências, dependendo das condições meteorológicas, nunca sendo uma imagem perfeita”, explica o professor.

O mais famoso e um dos mais importantes desses satélites é o Telescópio Espacial Hubble, desenvolvido pela Nasa e que está em funcionamento desde 1990. Diferente de um telescópio normal, o Hubble observa e registra o universo através da variação dos comprimentos diferentes de onda do espectro da luz, como a luz visível, os raios gama, os raios-X e o infravermelho.

Em 2022, os dados coletados pelo satélite Gaia, telescópio desenvolvido pela Agência Espacial Europeia (ESA), foram utilizados para produzir o maior mapa da Via Láctea até o momento, contabilizando cerca de 1,8 bilhões de estrelas. De acordo com Costa, esse é um trabalho histórico, pois o registro possui uma alta precisão das distâncias calculadas entre os corpos. 

Com cerca de 1.8 Bilhões de estrelas catalogadas, o mapa feito pelo satélite Gaia é o maior mapa estelar feito pelo homem. Reprodução: ESA (Agência espacial Europeia)

Para o professor, esse tipo de catalogação facilita o estudo do cosmos, pois permite que pesquisadores consigam identificar com mais facilidade estrelas que possivelmente possuem exoplanetas em suas órbitas. 

“Há uma geração atrás, no final dos anos 1990, eu só conhecia dois planetas em torno de outras estrelas, Tatooine e Vulcan”, brinca o professor ao se referir aos planetas fictícios das franquias de Star Wars e Star Trek, respectivamente. 

“Agora, há catalogados mais ou menos 5.200 planetas descobertos em torno de outras estrelas. Na nossa galáxia, existem entre 200 e 400 bilhões de estrelas e tudo indica que praticamente todas elas têm planetas, que devem chegar perto dos trilhões, uma quantidade imensa de descobertas a ser feita em torno de planetas e graças aos mapas celestes”, conclui.