Petrobras, uma das cartas mais importantes nas eleições de 2022

Entre lucros recordes e a pecha de vilã da inflação brasileira, entenda a história e a influência que a maior empresa de capital misto do Brasil exerce na disputa eleitoral mais tensa desde a redemocratização

por Jorge Fofano Junior e Juliana Alves 

Arte: Beatriz Hermínio / Fotos: Agência Brasil

Em 3 de fevereiro de 2022, a Petrobras atingiu R$442 bilhões de valor de mercado. Considerada uma empresa estratégica, não só para a economia do país, mas também para investimentos na cadeia industrial e pesquisa no Brasil. 

A empresa ganhou destaque em 2022 devido a elevação dos preços nos postos de gasolinas e, consequentemente, o aumento da inflação nos alimentos, um dos motivos para 33 milhões de brasileiros passarem fome todos os dias. Nesse sentido, especialistas analisam qual é o papel da Petrobras para as eleições de 2022.

História

Fundada durante o regime Varguista, a Petrobras já tinha como um dos principais objetivos levar desenvolvimento ao país com investimentos em pesquisa. Porém, em 1997, uma das maiores empresas petrolíferas do mundo, presente em 19 países, deixou de ser estatal e passou a ser de capital misto. Embora o governo seja o acionista principal, há a participação de acionistas minoritários.

Segundo Daniela Costanzo, doutoranda em Ciências Políticas pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP, houve dois momentos relevantes de investimento na Petrobras na história recente. O primeiro, foi durante a ditadura militar, seguindo o Plano Nacional de Desenvolvimento. Neste período, foi descoberta a Bacia de Campos, o que permitiu que a Petrobras continuasse investindo em pesquisas.

O segundo momento de investimento notável foi em 2007, durante o governo Lula, quando foi descoberto o chamado pré-sal, importante reserva de petróleo e gás natural em águas profundas, com enorme potencial de exploração e geração de lucros para a empresa. Foram cerca de 14 bilhões de barris de óleo e gás acumulados. Localizada entre Cabo Frio (RJ) e Florianópolis (SC), a região responde atualmente por cerca de 30% de toda a produção nacional e ainda há muito potencial a desenvolver.

A empresa também esteve no centro de eventos emblemáticos da política brasileira. Por exemplo, o “Petrolão”, uma das ramificações da operação “lava jato”, comandada no então juíz, Sérgio Moro, resultou em 10 ações penais que tramitam na 13ª Vara Federal de Curitiba, com vários diretores das mais importantes empreiteiras do Brasil e da Petrobras presos desde novembro de 2014. Nessa operação emblemática relacionada à Petrobras, políticos e empresários foram envolvidos em cobrança de propina das empreiteiras, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e superfaturamentos de obras contratadas para abastecer os cofres de partidos, funcionários da estatal e políticos. A presidente da época, Dilma Rousseff, e Lula foram acusados de estarem envolvidos em esquemas de corrupção.

A gestão da Petrobras durante o governo Dilma foi marcada pelo intervencionismo. Em 2015, a inflação atingiu 10,67%, nesse contexto houve controle de preços da companhia – o que  impediu que as oscilações do mercado internacional fossem repassadas ao mercado interno.  e pressionou ainda mais a inflação. Segundo cálculos do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), as perdas acumuladas pela Petrobras no primeiro mandato de Dilma passaram de R$70 bilhões.

Após o impeachment da Dilma, Michel Temer mudou a política e permitiu repasses diários da oscilação do mercado externo para os preços dos combustíveis no mercado interno. Por um lado, a empresa conseguiu se recuperar financeiramente. Por outro lado, gerou a greve de caminhoneiros em maio de 2018, que atingiu a economia brasileira. A fim de evitar novas paralisações, o governo estabeleceu temporariamente subsídios no preço dos combustíveis para os caminhoneiros.

O presidente Jair Bolsonaro defende uma gestão liberal na economia, com a intenção de privatizar a Petrobras. Ele manteve a política de Temer de repassar os valores nas bombas conforme a oscilação no mercado internacional. Mas diferente do seu antecessor, com a finalidade de evitar uma nova greve dos caminhoneiros, o presidente seguiu com políticas de assistência como linha de crédito aos caminhoneiros e “pix caminhoneiro” de R$ 1000.

Imagem: Agência Senado

De olho nas Eleições de 2022

Conforme as pesquisas eleitorais, Lula e Bolsonaro são os candidatos que possuem as maiores porcentagens de intenções de votos. Além disso, o tema “Petrobras” chama mais atenção dos eleitores, pois é um assunto que ganhou mais espaço midiático. Na televisão ou no celular os brasileiros olham que os preços dos alimentos estão elevados por causa do aumento da gasolina, segundo a avaliação de Daniela Costanzo. Nesse sentido, saber o que cada candidato pensa sobre a Petrobras é importante para o eleitor. 

O presidente Jair Bolsonaro defende a ideia de investigar a Petrobras, por exemplo, com a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a fim de apurar os lucros da companhia e integrantes do alto escalão da empresa. 

Em relação aos recentes aumentos dos preços combustíveis, o presidente considera desnecessário os recentes aumentos dos preços de combustíveis e afirma que a Petrobras deveria rever a política de preços. Para a doutorando em Ciências Políticas, o presidente faz um jogo duplo. “Ele finge que a questão não é com ele que resolveria isso, porque assim ele não se torna responsável pela situação inflacionária no país”. 

Os exemplos que a pesquisadora cita são as trocas dos presidentes da Petrobras. A cada 10 meses, em média, Bolsonaro escolhe outra pessoa para o cargo. Outro reflexo, da “cortina de fumaça”, de acordo com Daniela, é a PEC dos Combustíveis. A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Combustíveis, prevê o reconhecimento do estado de emergência em 2022 no país e um pacote de R$ 41,25 bilhões em auxílios. Muitos especialistas em Direito relataram que a PEC infringe a Legislação Eleitoral, que proíbe a criação de novos benefícios sociais em ano de eleição, como o Vale Caminhoneiro de R$1000 reais. Na visão de Daniela, a PEC é uma medida para angariar votos nas eleições, não só para o Bolsonaro como para parlamentares.

Enquanto Bolsonaro tem como objetivo privatizar a Petrobras, Lula enxerga que a Petrobras deve ser soberana e “abrasileirar” o preço dos combustíveis, mas não defende a estatização.

“Lula nunca pregou estatização da Petrobras, o que pode acontecer é uma intervenção maior na Petrobras, como aconteceu quando a Dilma Rousseff interferiu no preço do etanol em 2014. Essa medida fez o mercado reagir, porque alguns investidores tinham investido nesse setor, mas esse tipo de reação é momentanea”, comenta Daniela.

Oplano de governo do candidato petista aponta que os ganhos do pré-sal não podem se esvair por uma política de preços internacionalizada e dolarizada. No documento, há a sugestão de uma nova política de preços dos combustíveis e do gás, que considere os custos nacionais e que seja adequada à ampliação dos investimentos em refino e distribuição e à redução da carestia. 

O dilema de uma empresa de capital misto

No primeiro trimestre de 2022, a Petrobrás reportou em seu balanço corporativo um lucro histórico: R$44,5 bilhões líquidos, cifra 4300% maior do que a registrada no mesmo período em 2021. O lucro da petroleira é inédito entre as empresas de capital aberto listadas na B3, a bolsa de valores oficial do Brasil, impondo nova demonstração de força da empresa que possui o maior peso em volume de negociações do mercado financeiro doméstico.

O economista e professor Paulo Roberto Feldman da Faculdade de Economia e Administração da USP credencia o papel de destaque histórico da Petrobrás na Bolsa a dois fatores básicos: “a Petrobras é a maior empresa na prospecção de petróleo em águas submarinas do mundo e apresenta um modelo de governança muito sólido”. 

Além desses fatores, o “segredo” do notável desempenho da empresa no primeiro trimestre deste ano está em uma equação que promove disciplinarização dos custos e maximiza receita a partir de um cenário internacional ultimamente favorável.

Do lado dos custos, a empresa têm mantido uma estratégia de baixo endividamento, decorrente da política que atrela o preço dos combustíveis derivados do petróleo (gás, diesel e gasolina) ao preço em dólar do barril, da manutenção de uma elevada taxa de atratividade, que concentra investimentos em projetos financeiramente, e da venda de ativos como refinarias e polos industriais; o plano das gestões dos últimos presidentes da empresa põe como objetivo o desinvestimento de todas as unidades de refino fora do eixo Rio-São Paulo.

Do lado da receita, a Petrobras se beneficia diretamente da valorização do barril tipo brent (classificação de petróleo cru amplamente vendido pela petroleira), que chegou a 115% entre maio de 2021 e 2022 em decorrência do estrangulamento da oferta da commodity — efeitos persistentes da pandemia na cadeia produtiva global e sanções sobre o petróleo da Rússia têm concorrido para maior escassez do produto nas rotas comerciais internacionais, tornando o seu preço, consequentemente, maior. 

Porém, se por um lado a manutenção do preço do barril em patamares elevados é boa notícia para o modelo de negócio da Petrobrás e aos seus acionistas, os reajustes colocados aos combustíveis derivados do petróleo geram dor de cabeça à população brasileira, que sofre com a pior crise inflacionária desde a promulgação do Plano Real. 

Para o professor Paulo Feldman, a política de Preço de Paridade Internacional (PPI) praticada pela empresa não pode ser culpabilizada pelo desarranjo econômico do país: “se a empresa não pagar o preço internacional, ninguém vai querer vender aqui no Brasil”.  Ainda segundo Paulo, a ausência de vendedores implicaria um quadro de desabastecimento de diesel. Em um país hegemonicamente rodoviário como o Brasil, a falta de combustível utilizado por veículos pesados poderia significar uma profunda recessão econômica.

A influência que a política internacional de preços da Petrobras tem sobre a economia brasileira se vincula ao fato do país não ser autosuficiente na produção de gasolina e diesel, ainda que o seja quanto ao petróleo desde 2015. As refinarias, desenvolvidas na década de 1970, não receberam tecnologia para processar o petróleo médio oriundo do pré-sal e, para processarem o petróleo doméstico, precisam compor uma mistura com derivados importados, sempre negociados no preço dolarizado internacional. Segundo a Petrobras, o Brasil importa 28% de diesel e 15% de gasolina. 

Para Paulo Feldman, a falta de tecnologia das refinarias brasileiras, que poderiam tornar o Brasil menos exposto à variações internacionais do preço de petróleo, revela o conto da desindustrialização em curso há uma década no país e contra a qual a presidenta Dilma Rousseff tentou, sem sucesso, empregar uma política de fortalecimento dos setores de base do país a partir do subsídio dos custos de produção.

Como explica o professor, com a chegada do governo Michel Temer a visão desenvolvimentista que caracterizava os governos petistas foi deixada de lado e um foco pró-mercado passou a ditar os rumos das empresas do portfólio da União. 

À medida que foi perdendo seu caráter puramente estatal nos últimos anos, a Petrobras afunda aos poucos em um dilema existencial: cumprir os interesses sociais aos quais se subordina o governo brasileiro, sócio majoritário da empresa, ou honrar os compromissos de mercado atestados pelo seu modelo atual de governança.

  Imagem: Agência Petrobras/Divulgação

Acionistas e a busca incessante por dividendos

O início da pandemia de coronavírus suprimiu imediatamente a demanda de petróleo, com uma queda de 20% em relação ao consumido globalmente em 2019. Porém, o rápido desenvolvimento de vacinas e políticas de estímulo monetário levaram o mercado da commodity a se recuperar muito mais cedo do que cravaram as previsões iniciais.

Com recursos novamente em caixa, empresas do ramo petroleiro como a ExxonMobil, BP, Shell e e a Petrobrás tiveram condições para reinvestir em suas capacidades operacionais e retomar o ritmo pré-pandêmico de produção de petróleo, E, apesar da demanda pela commodity já ter praticamente se recuperado da queda, antes mesmo da invasão russa na Ucrânia em fevereiro deste ano, a oferta não seguiu o mesmo passo.

Mas o que explica esse desequilíbrio? A resposta está em uma palavra: dividendos. Os dividendos são uma parcela do lucro apurado em uma Sociedade Anônima (S.A.) – como é o caso das grandes companhias de petróleo – distribuída aos acionistas majoritários e minoritários Assim, enquanto o petróleo estiver transitando em máximas históricas, maior também será a receita e os dividendos pagos aos acionistas. 

Ao garantir retornos aos acionistas através do pagamento de dividendos, as empresas estão olhando para o seu valuation. O termo se refere ao processo de “mensuração de valor” comum no mercado financeiro e é feito partir de métricas como capital em caixa e taxas de desconto, que consideram os riscos de se investir na corporação em detrimento de produtos menos arriscados, como renda fixa ou poupança. Valuations elevados tendem a aumentar a relação “preço/lucro” (P/L) dos papéis negociados em bolsa e a procura deles por novos investidores. 

Como reflexo desse processo, as ações da Petrobras (PETR4) valorizaram cerca de 150% nos últimos 5 anos, apesar da supressão econômica desempenhada pela pandemia. 

“Esse modelo que prioriza a alocação de capital excedente aos acionsitas, ao invés de disponibilizá-la para projetos incipientes, apartando o valor da empresa à sua capacidade produtiva real, tem implicações graves no longo prazo”, diz o professor Paulo Feldman. 

Além de comprometer a capacidade de investir em soluções duradouras, questão particularmente importante para empresas que precisarão se afastar da exploração de combustíveis fósseis em razão da crise climática, o modelo rentista desvincula o lucro da função tradicionalmente empresarial de gerar empregos. “Os acionistas deveriam estar preocupados com a sustentabilidade do negócio a longo-prazo, mas isso aparenta não estar ocorrendo”, conclui.