Adriana: a conselheira dos psicólogos

Entre guloseimas e bate-papos, como a amizade com a vendedora do trailer branco se tornou uma tradição para os alunos do Instituto de Psicologia

por Duda Ventura

Foto: Helena/JC

O relógio marca alguns minutos antes do meio-dia. É um dia frio e pequenas gotas de chuva caem sobre o amplo corredor sem teto que corta o Instituto de Psicologia na Universidade de São Paulo. O cheiro de café inunda os prédios ao redor se misturando com o cheiro de grama molhada. Uma grande fila de pessoas se forma em frente a um trailer branco com flores coloridas pintadas — é de onde vem o cheiro de café. Nenhuma das pessoas parece incomodada por estar na fila, ou pela chuva: paradas, conversas em duplas ou trios pipocam. 

Os futuros psicólogos já estiveram ali antes. Quando chega a vez de cada um na fila, cumprimentam as três pessoas dentro do estabelecimento móvel. “Bom dia!”, “Lembra do que te disse ontem? Aconteceu mesmo!”, “Quero um pão na chapa, por favor”. De dentro para fora, mãos ágeis trabalham para atender a todos com rapidez e ainda responder aos assuntos que lhes são direcionados. 

Tânia, conhecida como Taninha pelas salas de aula do instituto, trabalha há 30 anos nesse ponto. Ela herdou da mãe a tarefa de atender os alunos nos intervalos de aula. Há dez anos, entretanto, recorreu a uma colega para pedir ajuda: o trabalho era muito, e uma companhia seria útil. Foi quando Adriana apareceu pela primeira vez ali. 

Recém divorciada e sentindo os primeiros sinais de uma depressão que se aproximava, Adriana foi escolhida para preparar a salada servida no almoço do trailer. Na época, sua filha mais nova, Rafaela, tinha apenas um ano de idade. 

As cores pintadas no trailer colorem o instituto marcado por prédios brancos e vermelhos. Foto: Helena/JC

Antes de trabalhar ali, Adriana já fora recepcionista, vendedora de cosméticos e propagandista de livros — sendo este último, o emprego de que ela mais gostava. Nascida numa família de sete irmãos, ela começou a trabalhar ainda com dez anos de idade para ajudar a pagar as contas de casa. Desde então, nunca mais parou.

Mesmo não se considerando uma leitora, Drica fez questão de que suas filhas, Andressa, Ana Carolina e Rafaela, se tornassem, e sempre trazia livros para casa. Quando sobra um tempinho entre turnos, o universo da cultura, o coração de Adriana bate mais forte pelos filmes e séries que aproveita para assistir em casa com sua família, especialmente com a neta, Luisa.

Os pedidos continuam saindo entre conversas paralelas, desde pequenos salgados fritos até refeições completas. Em sua mão direita, aquela mais usada para receber os pagamentos e preparar os pratos, Adriana exibe para o mundo o desenho de uma pimenta tatuada no pulso. Foi na época em que entrou para a equipe de Tânia que as tatuagens foram pintadas em sua pele: recém-solteira, Adriana queria a liberdade em todas as suas formas, desejo esse que foi simbolizado por uma borboleta também tatuada em seu corpo. 

Dez anos depois, esse espírito livre encontra companhia em suas amigas de infância: é com Ale, Rafa, Nina e Natália que ela aproveita seus finais de semana fora do trabalho. Seja em uma roda de samba, uma balada temática dos anos 1980, ou um café da tarde, o grupo se mantém unido há anos. 

O carinho mais profundo, contudo, se direciona aos alunos que por ali passam e conversam com elas. Os calouros de psicologia contam que se encontrarem para comer no trailer já é uma tradição, bem como as conversas com Adriana. Os professores também tem a dupla de vendedoras como colegas, e foram eles os responsáveis por ajudá-las financeiramente quando a universidade fechou suas portas na pandemia. Frequentemente, alunos já formados voltam para contar à amiga do corredor tudo o que passaram desde a graduação, e os que ainda ocupam as cadeiras do instituto dizem ter em Adriana uma conselheira: “Ficando aqui o dia inteiro, acabo sabendo o que se passa na cabeça do pessoal”. O diploma parece pequeno perto dos conhecimentos de uma vida inteira. 

A tarde cai e a hora do fechamento do trailer chega. No dia seguinte, Adriana terá que estar lá às 7h para abrir novamente as possibilidades culinárias dos alunos de psicologia, bem como abrir os olhos deles para suas possibilidades de vida com conversas e dicas sobre seus problemas. Assim, ela fecha as portas, checa se as borboletas coloridas em seus brincos ainda estão lá, e se despede momentaneamente de seu segundo lar.