Do Salão Nobre à Aula Aberta: Lula volta depois de 20 anos a uma USP que tenta ser diferente

O que o período expressivo do petista longe de uma das maiores universidades do país diz sobre a própria USP

por Matheus Nistal

Foto: Ricardo Stuckert/Fotos Públicas

Foi com uma calorosa recepção que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva chegou à USP durante a noite de 15 de agosto. Na aula aberta com participação de professores, alunos, funcionários, figuras públicas e candidatos, ele recebeu homenagens e apoio de uma multidão no vão livre do prédio de História e Geografia. Esse foi o último evento público de pré-campanha do agora candidato à presidência da república favorito para levar o pleito decisivo deste ano. 

No palco, entre depoimentos e discursos, foi possível constatar uma divergência entre os organizadores. Há quanto tempo Lula não visitava a USP? Houve quem dissesse 20, 22, 24 e, nos bastidores, quem argumentava 30 anos. O próprio candidato comentou o fato ao dizer que havia algo errado ou estranho com o distanciamento, já que é o ex-presidente que mais visitou universidades na história do país, segundo o próprio. 

A maioria dos estudantes que acabaram de ingressar na universidade diretamente do ensino médio não estavam vivos quando, em março de 2000, Lula compareceu à cerimônia em que o geógrafo Aziz Ab’Saber recebeu o título de professor emérito no Salão Nobre da própria Faculdade de Filosofia, Letras, e Ciências Humanas. Assim, o questionamento do ex-presidente é relevante. Por que Lula passou mais de 20 anos longe da USP e o que mudou agora?

É importante fazer algumas considerações preliminares. Com certeza a agenda concorrida do líder petista impediu algumas vezes o reencontro. Outra consideração é que a Universidade de São Paulo tem um perfil bastante hermético com quem é convidado ou homenageado, fator histórico que remonta à sua fundação messiânica. Também é notável que muitas das visitas de Lula às universidades foram em celebrações de títulos honoris causa e inaugurações de instituições federais enquanto era presidente. Afinal, foi em seu mandato que o REUNI – projeto de expansão das universidades federais – foi inicialmente implementado. 

A USP ser uma universidade estadual torna natural que o então chefe da nação não fosse figura tão presente nos eventos uspianos. Mas é possível encontrar diversos registros de visitas do petista em universidades como a UERJ. A estadual carioca é um bom contraexemplo na tentativa de explicar a ausência petista. 

Em 2000, mesmo ano que Lula entrou no Salão Nobre da FFLCH, as universidades cariocas UERJ e UENF começaram a regulamentar o sistema de ações afirmativas com critérios raciais. Assim, em 2003, 40% dos ingressos se autodeclararam negros e pardos. Na Universidade de São Paulo, 15 anos depois, foram aprovadas cotas para pretos, pardos e indígenas em uma proporção de menos de 13,7% das vagas. 

Mesmo sem observar datas e números, é discurso corrente e factual que a nossa universidade se mantém uma das mais elitizadas do país. A USP demorou para aprovar as cotas e hoje, timidamente, começa a diversificar seu corpo discente. O elitismo e o messianismo uspiano foram fatores desse afastamento, e a aula aberta da FFLCH pode ser um indício de mudança.

Alunos que não fazem parte da elite paulista certamente foram mais impactados por programas sociais dos governos petistas e possivelmente nutrem mais simpatia ao primeiro presidente operário do país. É natural políticos evitarem locais em que poderiam ser vaiados ou mal recebidos, o que deixou de ser um cenário provável nos últimos anos na USP. Tanto pela diversidade que as ações afirmativas trazem quanto pelo próprio cenário político brasileiro, que obriga que intelectuais redijam enormes cartas pela democracia em contraposição aos impulsos autoritários de Jair Bolsonaro. 

Assim, a conjuntura política no Brasil e no estado de São Paulo compõem outro fator determinante. Desde 1995, o PSDB ganhou todas as eleições majoritárias paulistas. Grandes inimigos dos petistas desde a democratização, os partidos polarizaram as eleições e debates políticos até 2014. É de se esperar que a USP, que tem os reitores escolhidos pelo governo estadual em lista tríplice, não fosse um território tão convidativo para Lula. 

Quando os tucanos, liderados por Aécio Neves, questionaram o resultado que elegeu a presidenta Dilma Rousseff, um pacto republicano foi quebrado e acabou por enfraquecer os psdbistas. Nas eleições nacionais seguintes, a polarização passou a ser entre os petistas e o bolsonarismo. Assim, mesmo ganhando o governo paulista em 2018 com João Dória, nota-se que o pulso firme que os tucanos tinham na política do estado vai se afrouxando.

Um dos sinais é a mudança de partido de Geraldo Alckmin. Ausente na aula aberta, o vice-governador do tucano Mário Covas em 2000, hoje é vice na chapa petista. O apelidado picolé de chuchu foi responsável por governos que criminalizaram a juventude preta, os estudantes e os professores. 

Como na política partidária-institucional a direção do vento é o que determina o destino do navio, o ex-governador hoje é símbolo de uma chapa ampla que preza pela diversidade e pela democracia. Essa mesma mudança de ventos também levou o corpo institucional da USP, através da FFLCH, a realizar o convite para a aula aberta, e, a Lula, aceitar.