A verdade está escrita em chinês

por Lucas Tôrres Dias

Foto: Valentina Moreira/JC

A crônica geralmente surge a partir do cotidiano. Esta crônica não é exceção, apesar de não vir de um momento, de não existir uma situação, um instante, de não haver uma cena que cause o desenrolar da história. Esta crônica fala sobre tudo, inclusive o que é cotidiano. Inclusive o que não é. Se está difícil para mim explicar e se está ainda mais complicado para você entender, é justamente por aí que começa o meu ponto.

O poder das palavras é extremamente limitado. A verbalização é um recurso bem rudimentar de comunicação e é com frequência que conversas soam aéreas para mim, distantes, quase inalcançáveis. Conversar parece ser um ato simples, mas acho que nós é que perdemos a capacidade de enxergar a complexidade e a loucura disso tudo.

Não lembro de quando eu, com meus nem-um-ano de vida, olhei para um copo cheio e falei “água”, ou olhei para os degraus de uma pequena escada e contei até exclamar “três!”. Minha mãe conta que foi assim, mas vai saber o que passava na minha cabeça para ver sentido nisso.

O que quero dizer é que para mim parece que a maioria das pessoas age como se a linguagem fosse mais ou menos o limite de tudo, como se as palavras mais ou menos pudessem expressar tudo o que queremos dizer. Afinal, se existe algo sem conceito, por que não criamos um para isso ainda? Faz sentido, mas me parece errado.

Você, leitor, talvez esteja pensando “compreendo, meu caro Lucas, mas é trivial isso que você diz!”. Não, não é trivial. Longe de ser trivial. Qualquer coisa menos trivial. Muito sobre isso é nublado, mas para mim já é claro que essa questão é diferente. A falta de potência das palavras e a loucura da comunicação existem. Fato. Isso são coisas que não são suficientemente comentadas para a proporção que isso implica. Fato. Mas não existe um interdito sobre isso, digo, se eu falar ninguém se ofende, ninguém se incomoda, ninguém nada!

Seria diferente se eu escrevesse o seguinte: meu hamster morreu. Um amigo meu se matou. Você nasceu do sexo dos seus pais. É ruim de ouvir. Já quando eu digo que interagir com outro ser humano é um absurdo e que me comunicar parece por vezes impossível, a maioria das reações é de concordância, “sim, sim, é verdade, isso é bem sabido”, mas é tal como se eu contasse que vi um pé de abobrinha e achei bonitinho. Isso não é um pé de abobrinha!

Enquanto escrevia a crônica, sabia que existia algum pensador que já havia teorizado o meu ponto aqui. Descobri que era Jacques Lacan. Assisti a uma palestra sobre ele e, assombrado com a quantidade de sentido que aquilo fazia, passei dez dias sem tocar nesse texto. Era conteúdo demais para uma crônica. Vou deixar que a metalinguagem de eu não saber como encaixar o pensamento de Lacan nesse texto expresse o que quero dizer. Não falemos mais sobre Lacan.

Acho engraçado que o ato supremo de poder das palavras é de negar a si mesmas, talvez porque a própria linguagem reconheça que por vezes seus conceitos pouco podem contribuir com a comunicação.

O que significa descrever algo como impossível, incompreensível, inatingível? Por que chamamos um evento fantástico de inacreditável? Nada disso são conceitos por si só, mas sim palavras que dizem “olha, isso aqui é tão… tão… sabe as coisas que você acredita? Então, isso não é desse tipo”. A frase mais poderosa que a linguagem pode produzir é “não existem palavras para descrever isso”. Um tanto irônico, mas de maneira alguma coincidental.

Tenho um grande problema com escrever textos jornalísticos pela falta de adjetivos e advérbios. Alguém, alguma vez, foi inventar que eles eram “dispensáveis” para o jornalismo. Poxa, tudo bem que é para ser “objetivo”, “imparcial”, mas vamos concordar que ler um artigo é como bater a cabeça na parede?

Acho que alguns conceitos são intrinsecamente complexos (“complexo” é um conceito intrinsecamente complexo, por exemplo).

Pensar sobre isso é tão maluco que esse próprio texto não é nada senão um agrupamento de conceitozinhos que, juntos, gritam: minha existência é insuficiente e limitada, olha como minha forma é ridícula!

Se ao fim desse texto você entendeu o que eu quero dizer, ótimo. Se não entendeu, talvez seja esse o meu ponto.