Apesar do bolsonarismo, a democracia persiste

Atos golpistas dos últimos dias evidenciaram o completo descompromisso de Bolsonaro e de seus apoiadores com a democracia brasileira

por Victória Pacheco

Arte: Matheus Nistal/Fotos: Agência Brasil e Fotos Públicas

O domingo do segundo turno das eleições e os dias que se seguiram foram marcados por atos antidemocráticos que não poderiam simbolizar melhor as aspirações autoritárias e golpistas de Bolsonaro e de seus correligionários desvairados. Os questionamentos às urnas eletrônicas – cantilena bolsonarista repetida à exaustão nos últimos meses –, a ação ilegal da Polícia Rodoviária Federal (PRF) para dificultar a votação e, por fim, os bloqueios de rodovias após a vitória do candidato Luiz Inácio Lula da Silva se combinaram para explicitar, para quem ainda tinha dúvidas, que bolsonarismo e democracia são incompatíveis, se não antagônicos. 

Após quatro anos de numerosos arroubos autoritários, que colocaram em risco  a democracia brasileira e suas instituições, era de se esperar que Bolsonaro atrapalharia o processo eleitoral e não reconheceria sua derrota devidamente. Ainda assim, foi estarrecedor, para milhares de brasileiros, vivenciar, no último domingo, uma tentativa de manipulação das eleições em plena luz do dia. Desrespeitando ordens do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que havia proibido operações relacionadas a transportes no dia do segundo turno, a PRF realizou centenas de abordagens a ônibus, concentradas nos estados do Nordeste, região onde Lula tem proporcionalmente mais eleitores.

No dia 2 de novembro, o Ministério Público pediu a abertura de inquérito para investigar as condutas do diretor da PRF, Silvinei Vasques que, como era de se esperar, guarda vínculos com a família de Bolsonaro. Ele foi nomeado diretor-geral pelo presidente em abril de 2021, depois de se aproximar do senador Flávio Bolsonaro. Tão espantoso quanto esse episódio têm sido os atos golpistas – e, convenhamos, patéticos – que se alastraram pelo país após a confirmação da derrota de Bolsonaro nas urnas e renderam cenas como a do “patriota do caminhão”, bolsonarista que ficou pendurado em um veículo para tentar impedi-lo de furar o bloqueio. 

Os grupos bolsonaristas que, desde a semana passada, passaram a obstruir rodovias em diversos estados, clamando por um golpe militar e a prisão do candidato vencedor, têm dificultado o transporte de alimentos, combustíveis, remédios e até mesmo oxigênio hospitalar. Após três dias de protestos, Bolsonaro, enfim, pediu o fim dos bloqueios (não sem antes fazer um aceno aos manifestantes, dizendo que estava “tão chateado” quanto eles). Vale lembrar, também, que o candidato demorou mais de 40 horas para se manifestar sobre o resultado das urnas, algo inaudito na história da democracia no país.

Todas essas situações grotescas que sucederam o resultado do pleito eleitoral provam que, para grande parte dos apoiadores de Bolsonaro, tudo vale para mantê-lo no poder. Mesmo que isso signifique contestar um sistema eleitoral internacionalmente reconhecido por sua eficácia. Mesmo que isso signifique desmerecer o “basta” gritado por mais de 60 milhões de brasileiros que elegeram Lula e instaurar o caos em um país já cansado de tanta instabilidade. Mas, apesar de tudo isso, a democracia persiste: apesar das aventuras autoritárias de um arrivista com sede de poder, que agora retorna à sua inescapável e inconteste pequenez.