Sucesso no TikTok, aluna mostra resistência de periféricos na USP

Estudante do IME viraliza ao gravar sua realidade, que se divide entre a Universidade e a favela de Pedreirinha, em Mauá

Por Cecília O. Freitas e Mariana Rossi

Paredes cor-de-rosa com pôsteres de filme, cama arrumada, uma estante com livros, maquiagens e canetas coloridas: foi em seu quarto, cenário propício para uma festa do pijama em clima de “papo de garotas”, onde Luana Nascimento recebeu a equipe do Jornal do Campus. Faz sentido, afinal é exatamente esse tom de proximidade que ela traz para os seus 430,6 mil seguidores no TikTok. Na plataforma, ela mostra um pouco do seu cotidiano em casa com a família, na Universidade e no estágio. Os temas que ela aborda em seus vídeos, porém, são menos românticos.

Luana, ou @luhclaro nas redes sociais, tem 23 anos. Ela foi criada na favela de Pedreirinha, em Mauá, região metropolitana de São Paulo, e é a primeira da família a ingressar no ensino superior. A aluna de Estatística na Universidade de São Paulo (USP) já produzia conteúdo para o TikTok mostrando a vivência na moradia estudantil, até que em dezembro de 2023 um de seus vídeos viralizou. Ela conta que este, na verdade, era um desabafo: “Filmei a favela do alto da minha laje para mostrar a vida de uma pessoa periférica que estuda na USP”, descreve. ”Era natal e eu e minha mãe não tínhamos o que comer em casa. Ficamos muito mal e eu não aceito essa situação de desigualdade.” 

O TikTok foi uma virada de chave na vida da estudante. Com vários vídeos de sucesso na plataforma, ela passou a chamar atenção de marcas, jornais e personalidades locais, que se sensibilizaram com sua história. Com a possibilidade de monetizar seu trabalho online, ela separa um dia da semana para gravar seus vídeos: “É bem difícil conciliar. Estou me desdobrando em várias para lidar com a faculdade integral, com um estágio e com meu outro trabalho na internet”.

O principal objetivo dela é alcançar as pessoas, especialmente os jovens que vivem uma realidade próxima à sua: “As pessoas precisam muito saber desse lugar”. Dentro e fora dos portões da USP, ela já tem a oportunidade de conversar com outros estudantes periféricos que a conhecem pela internet. “Essas pessoas falam para mim que se sentem incentivadas a tentar, a continuar. Elas sentem que é o lugar delas.’’

Permanência ou resistência?

O vestibular é apenas o primeiro obstáculo que um estudante periférico enfrenta na universidade pública. O maior deles, Luana bem sabe, é a permanência. A falta dessas políticas públicas, inclusive, já tinha feito a estudante desistir da Unicamp. Nem mesmo a ajuda de colegas foi suficiente para que ela superasse a desigualdade. A dificuldade do curso, a falta de transporte acessível para voltar para casa e a dificuldade de conseguir fazer compras para suas necessidades básicas fizeram Luana abrir mão do sonho.

Sobre essas situações, Luana relembra, com tristeza, de sua amiga Larissa Figueiredo, uma das pessoas de quem recebeu apoio em Campinas. Em 2023, a estudante faleceu ao contrair leptospirose depois que a casa dela sofreu com uma inundação. “Ela morreu de uma forma muito ruim, reivindicando o que ela mais acreditava, que era a luta por melhores condições e saneamento básico. Ela morreu por falta disso”. A voz de Luana continua doce, mas seu discurso revela uma consciência política muito forte: “Se vê na prática o que o sistema faz com a gente. Se não fosse ela, eu não teria resistido. É nós por nós”.

Quando Luana entrou na USP, as barreiras continuaram: pandemia da Covid-19, a falta de um computador e uma internet boa quase a fizeram desistir novamente. No presencial, o problema foi conseguir uma vaga no Conjunto Residencial da USP (Crusp). Enquanto o termo de moradia não saía, a estudante conseguiu um espaço no bloco F. “Só que quando eu cheguei, não tinha nada. Nem cama, nem colchão, só um guarda-roupa quebrado”, lembra. O quarto também estava mofado e, quando chovia, a água entrava pela janela. 

Ela conta que foi um perrengue atrás do outro: uma cama infestada de cupins que desabou com Luana em cima, fome pela falta de jantar no bandejão aos finais de semana, saídas de toalha no corredor para armar o disjuntor que caía durante o banho e até um princípio de pneumonia por dormir no chão em pleno frio de maio. 

Prestes a desistir, recebeu a resposta que precisava: tinha conseguido uma bolsa de pesquisa do Programa Unificado de Bolsas (PUB). “Se não fosse por isso, eu não teria permanecido”, avalia a estudante, hoje apaixonada por pesquisa acadêmica. A guinada prosseguiu com uma vaga no bloco B – que ela descreve como “um palácio” – e, pouco depois, o sucesso no TikTok. 

As políticas de permanência também avançaram. Em 2023, a bolsa de pesquisa foi reajustada para R$ 700 e os moradores do Crusp passaram a receber um auxílio financeiro de R$ 300. Apesar das melhorias, e das conquistas de Luana, ela não esquece de sua história e é firme em pontuar todos os obstáculos que ainda existem para os alunos periféricos, seja as más condições em alguns blocos do Crusp, como também estagiar e fazer um curso integral ao mesmo tempo.

“Ser uma estudante periférica na USP é um desafio. Se pudesse falar em uma palavra, é resistência. Você tem que resistir muito, ser muito resiliente para aguentar tudo”, reflete Luana, “porque mais difícil do que você entrar é permanecer”.