Visibilidade trans: o debate que falta para o esporte na USP ser mais inclusivo

Atletas trans se sentem acolhidos nas atléticas, mas reconhecem que a discussão sobre gênero ainda é insuficiente 

Por Bárbara Bigas e Ingrid Gonzaga

Ao entrar na USP, Nathan Alvon, estudante de Ciências Sociais, reencontrou-se com o esporte. “Eu fiquei dos 12 aos 18 anos sem praticar futsal. Não queria jogar com as meninas, não me sentia menina e os meninos não queriam jogar comigo”. Hoje, ele integra o time de futsal masculino da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH). Nathan se sente acolhido nos treinos, mas ressalta a falta de esforços para atrair atletas transexuais para as equipes: “Se a pessoa já tiver interesse, ela entra em contato e será aceita, mas não chamam essa pessoa para a modalidade. Fazem uma chamada geral.”

Sheillinha do Vôlei. Foto: Matheus Roushinol
Atena Onça, à direita. Foto: Matheus Roushinol

Leonardo Bastos Tintino, ou Sheillinha do Vôlei, é uma pessoa não-binária e ex-atleta de vôlei do Instituto de Geociências (IGc). Ela relata já ter se sentido desconfortável com a divisão por gênero dentro dos esportes. A resposta que recebia, no entanto, a aliviava: ela poderia jogar no time que a deixasse mais confortável. “Sinto que, pelo menos em atléticas pequenas, existe respeito”, afirma.

Estudante do Instituto de Matemática e Estatística (IME), Atena Onça passou pela transição de gênero durante a pandemia. Ao voltar para as atividades presenciais, começou a jogar no time de futebol de campo feminino: “O ambiente é mil vezes melhor. O time é mais acolhedor e as meninas se ajudam. Nas competições da USP, participei de todos os esportes que quis”, comenta.

Se há acolhimento em campo e nos treinos, o cenário muda quando se fala em regulamentos esportivos. Modalidades individuais, como atletismo ou natação, ainda utilizam o sexo biológico para dividir suas equipe, diferentemente dos esportes de quadra, em que o atleta pode jogar no time com o qual se identifica. 

Vice-presidente da Liga Atlética Acadêmica da USP (LAAUSP), Ana Luisa de Andrade afirma que o órgão não tem poder coercitivo. “A discussão sobre pessoas trans deve existir por parte da LAAUSP, de cobrar as atléticas, mas também depende do engajamento delas e do que elas querem fazer.” Na dimensão do esporte na USP, são as atléticas que criam, votam e aprovam os regulamentos.

Em âmbito nacional, também não há unanimidade. “Não existe regulamento nem regras específicas”, aponta o presidente da Confederação Brasileira do Desporto Universitário (CBDU), Luciano Cabral. “Recentemente foi criada uma comissão para estudar como deveríamos nos portar. Competições que são de caráter participativo ou que não selecionam para campeonatos internacionais, regulamos de maneira própria, deixando [a participação] liberada.” Os demais torneios seguem as determinações da Federação Internacional.

Apesar da ainda pouca visibilidade, na Universidade a questão parece ter pequenas evoluções. Os parágrafos que exigiam comprovação de identidade de gênero para participação no BichUSP, torneio voltado aos ingressantes, foram excluídos em 2024. Nos jogos deste ano, 12 inscritos eram trans – e tiveram apenas que inserir seus nomes sociais. Para Alma, mulher trans que preferiu se identificar apenas pelo nome, jogadora e diretora de modalidade de handebol do Instituto de Relações Internacionais (IRI), o caminho, no entanto, ainda é longo e falta espaço para debate: “Na USP, está todo mundo meio perdido quando o assunto é pessoas trans no esporte. Ninguém sabe o que fazer e como acolher. É uma questão pouco discutida.”