Por dentro dos portões da USP

Nomeada a melhor universidade da América Latina, a Universidade de São Paulo possui diversas facetas além de ensino e pesquisa. Os diferentes setores da comunidade pontuam aspectos positivos e dificuldades enfrentadas

por Carolina Borin Garcia e Larissa Leal

Foto: Lara Paiva/JC

A USP foi eleita em 2022 a melhor universidade da América Latina. O ranking foi desenvolvido pela Times Higher Education levando em consideração cinco áreas: ensino, pesquisa, influência, perspectiva internacional e impacto na indústria.

Mas afinal, o que isso representa e de que modo a comunidade dentro dos muros da universidade vivencia isso? Com 42 unidades de ensino e pesquisa distribuídas na capital paulista, onde fica sua sede, e no interior do estado, a USP tem uma comunidade universitária formada não só por alunos de graduação, pós-graduação e docentes. Para o funcionamento de uma estrutura dessas proporções, são necessários diversos outros profissionais, como os motoristas dos circulares, os encarregados da limpeza, porteiros e outros inúmeros funcionários e prestadores de serviços. 

Por isso, pensar a vivência da Universidade inclui pensar as experiências dos outros setores da comunidade. Thaise, funcionária há dez anos na Comissão de Relações Internacionais e graduada em Letras pela FFLCH, ressalta: “A Universidade é composta pelos alunos. Ela não existe sem corpo discente, também não existe sem o corpo docente. Assim como a Universidade depende dos funcionários para manter sua estrutura.”

O que é a USP?

Fundada em 1934, a USP tinha o propósito de formar uma elite paulista mais instruída após a derrota na Revolução Constitucionalista de 1932, que tentava impedir Getúlio Vargas de continuar à frente do Estado. Desde então, surgiram movimentos que lutavam para que a USP fosse mais plural e que pessoas de outras classes sociais tivessem a possibilidade de frequentar a instituição e receber educação pública de qualidade. 

A implementação de cotas para pretos, pardos e indígenas (PPI) em 2018 é um exemplo desse avanço.  É importante ressaltar que a perspectiva de ingressar no Ensino Superior ainda é para poucos no Brasil. Segundo dados do Censo de Educação Superior divulgado pelo IBGE em novembro, apenas 1 em cada 5 jovens de 18 a 24 anos estão no Ensino Superior, mesmo que 42% deles  tenham concluído o ensino médio. Há ainda 19% que não frequentam a universidade nem terminaram o ensino médio. 

A estudante de Direito, Júlia Bicev, ressalta que a USP é um ambiente elitizado e excludente. “Sobretudo com a população de classes mais baixas, tanto no âmbito social (vide entrada tardia pelos alunos via SISU) quanto econômico (bolsas são valores irrisórios se comparados com o custo de vida na cidade de SP)”. As bolsas de auxílio concedidas pela Universidade são de no máximo R$ 500,00. Ainda assim, como pontua, Mayara, estudante de Educação Física, “são importantes [as bolsas-auxílio] para que as pessoas permaneçam na Universidade.”

Porta de entrada

Para aqueles que podem  sonhar com o ensino superior, é necessário atravessar mais barreiras para entrar na USP, como passar pelos processos e provas. Apesar das cotas e da possibilidade de entrada com a nota do Enem, a faculdade continua sendo um local elitizado, o que faz com que, em alguns casos, haja a reprodução de preconceitos. Fabrício, estudante de Física, comenta: “É ruim passar por isso [racismo]. Achei que todo mundo aqui sabia bastante das coisas, mas ao contrário. É triste.”

Marcele, estudante de Astronomia. Foto: Helen/JC

A estudante Marcele comenta que a transição entre a escola ou cursinho para a Universidade é abrupta, pois não há um acompanhamento  da USP  nessa fase. “Acho que podia ter um pouco mais de atuação, de forma a ajudar os alunos psicologicamente para passar esse momento de transição entre a escola e a universidade”. Ela ingressou em 2017 na USP e, mais recentemente, em 2019, passou a cursar Astronomia.

Por dentro dos muros

A USP tem muitas áreas comuns em que o contato com a natureza é significativo e que  propiciam encontros. Walber Teixeira, funcionário da biblioteca da Escola de Comunicações e Artes (ECA) e de outras bibliotecas da USP desde 2009, menciona que a proximidade com a natureza é uma das coisas de que mais gosta, desde a época da graduação na USP e também enquanto ex-morador do Crusp. “Quando eu morava no Crusp (Conjunto Residencial da USP), gostava de ficar sentado, curtindo as árvores, ouvindo os passarinhos.”

Miguel, estudante da Escola Politécnica. Foto: Lara Paiva/JC

“O ambiente é muito legal, tem muita natureza, dá uma animação para fazer seu curso. Além do mais, a convivência com as pessoas. Acho que tem muita questão de se sentir apoiado pelas pessoas ao redor, principalmente, no presencial”, comenta Miguel, estudante de Engenharia Naval da Escola Politécnica. Já Juan, estudante de Educação Física, ressalta  que o contato com o esporte, muito presente na Universidade, é bastante significativo: “Até para a EEFE [Escola de Educação Física e Esporte] isso é muito bom, tem algumas pessoas que começam estagiando como técnicos universitários e seguindo depois essa carreira.”

Da esquerda para a direita: Juan, Mayara, Rayane, estudantes de Educação Física. Foto: Helen/JC

Contudo, problemas ainda são vivenciados pela comunidade uspiana no dia a dia, mesmo que a USP seja uma das melhores universidades da América Latina. Para os que vêm de fora de São Paulo ou precisam se deslocar por longas distâncias para chegar à Universidade, esses obstáculos são recorrentes. O Crusp, que recebe estudantes, em sua maioria, de outras cidades, sofreu com a falta de água e luz, e até mesmo internet, muito necessária com a chegada da pandemia e a migração para o ambiente remoto. 

Walber, funcionário da biblioteca da ECA-USP. Foto: Lara Paiva/JC

Além da adequação com uma nova cidade e rotina, os estudantes que conseguem o subsídio de morar dentro do campus perpassam por esses problemas. Walber relembra que quando vivia no Crusp já havia dificuldades: “Às vezes você tinha que sair no final de semana e  ir andando, mesmo que fosse longe”, se referindo à falta de transporte no campus

Para além do ensino, as pesquisas e projetos

A USP foi responsável por 20% da produção científica do país e a universidade com o maior número de publicações científicas

Ranking produzido pelo Centro de Estudos em Ciência e Tecnologia (CWTS, na sigla em inglês)

Para além do ensino, a USP tem uma dimensão significativa no campo da pesquisa. De acordo com ranking produzido pelo Centro de Estudos em Ciência e Tecnologia (CWTS, na sigla em inglês) da Universidade de Leiden, na Holanda, a Universidade ocupa o 12º lugar no mundo em produção de pesquisa, à frente de universidades como Oxford e Stanford. Nacionalmente, entre 2011 e 2016, a USP foi responsável por 20% da produção científica do país e a universidade com o maior número de publicações científicas.

Fabrício, estudante de Física. Foto: Lara Paiva/JC

Fabrício, estudante de Física, conta que uma das coisas que leva de positivo da sua vivência é o contato com a pesquisa. “Eu fiz estágio no projeto Radiotelescópio Bingo, e, mesmo por pouco tempo que tive contato com pesquisa, foi algo que vou fazer e que gostei muito.”

Mesmo com grandes oportunidades na área de pesquisa em todos os campos do conhecimento, muitos recursos da faculdade não são explorados pelos alunos por falta de divulgação, o que faz com que eles não fiquem sabendo das oportunidades. Marina, estudante de Letras, relata: “Descobri somente essa semana, durante a aula de um professor, que existe uma sessão do site da FFLCH onde os alunos podem acessar trabalhos renomados do mundo todo, pois a USP tem parceria com eles. O próprio professor informou que muitos alunos não sabem e por isso ele nos apresentou.”

A retomada do presencial 

Marco, dono de lanchonete da Letras, na FFLCH. Foto: Helen/JC

A USP nesse momento passa pelo processo de reinvenção e reocupação dos espaços após a pandemia. Marco, responsável pela administração da Lanchonete da Letras há mais de 10 anos, pontua: “A pandemia diminuiu muito o movimento, mas a gente conseguiu segurar todo o pessoal da equipe. Ainda assim, até agora, não voltou completamente ao normal. Com a pandemia, mudou muito.”

Thaise, funcionária do CRInt, conta que “ a impressão é que houve um distanciamento muito grande,que dificulta a relação apesar de facilitar outros aspectos”, conta. Essa realidade também impactou a dinâmica dos intercâmbios: “Mudou, principalmente, na quantidade de pessoas vindo. Essa vivência internacional deu uma enxugada na USP como um todo, mas parece que isso vem sendo retomado, mas não como antes.”

Thaise, funcionária do CrInt. Foto: Helen/JC

Maria Cristina comenta que a volta tem sido gradual. Ela é funcionária da USP desde 1997 e do Instituto de Relações Internacionais desde 2010. Com o retorno presencial e a chegada de novos estudantes, Maria Cristina reforça: “Isso aqui é público, isso aqui é nosso. Isso aqui é para todo mundo e o Brasil precisa disso agora: alunos, funcionários e professores, para fazer a Universidade voltar a ferver depois de 2 anos de pandemia.” Relembrando uma fala do avô, afirma: “Ele ia dizer que aqui é a biodiversidade do saber, uma biodiversidade que é para todos nós sim.”

“Isso aqui é público, isso aqui é nosso. Isso aqui é para todo mundo e o Brasil precisa disso agora: alunos, funcionários e professores, para fazer a Universidade voltar a ferver depois de 2 anos de pandemia.”

Maria Cristina, funcionária do Instituto de Relações Internacionais (IRI) da USP