Quando a política vira arte

Intervenções urbanas de alunos investem em caráter político e impõem uma nova linguagem de protesto na universidade
No ato do dia 9 de junho, pouco antes do confronto com a PM, aluna carrega alvo como protesto à presença policial no campus (foto: Guilherme Minotti/arte: Vandson Lima)
No ato do dia 9 de junho, pouco antes do confronto com a PM, aluna carrega alvo como protesto à presença policial no campus (foto: Guilherme Minotti/arte: Vandson Lima)

Alunos com coroas amarelas, alvos ambulantes, tanques rosas e pessoas com cabeças de computador e braços de teclados. O que todas essas cenas anormais tem em comum? São todas intervenções artísticas, que tem como objetivo justamente atrair o olhar para temas importantes. No caso destas citadas, o foco é a manifestação pelas pautas da greve da USP.

As intervenções artísticas feitas pelos alunos dos cursos de Artes, da Escola de Comunicações e Artes (ECA), foi uma construção conjunta, conta Ludmila Facella, estudante de segundo ano de Artes Cênicas. Desde a primeira reunião, o grupo já tinha cerca de 60 pessoas, dos mais diversos cursos da USP, dando idéias e planejando como as intervenções seriam feitas. “Optamos por caprichar mais na parte visual do que na falas. Foram intervenções mais plásticas do que cênicas”, diz Ludmila. O grupo teve o apoio do Maracatu, banda da FAU, formando uma espécie de carnaval, com alas que representavam pautas da greve.

Uma das criações mais chamativas e conhecidas é o tanque de guerra rosa, que vem circulando pela USP desde o começo da greve. Com um canhão de papelão, um monitor e vários acessórios tecnológicos – desde buzinas até impressoras, saídas de som e projeto para ser conectado via satélite -, o tanque é uma representação tanto da repressão da PM quanto uma crítica ao programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo (UNIVESP). Paulo Fávero, estudante de quinto ano das Artes Plásticas e um dos construtores do tanque, explica que o carrinho assume dois papéis no meio do movimento: hora com os PMs, representando a repressão dos estudantes, e hora com os estudantes, significando a arma simbólica contra as armas reais. Aliás, a cor do tanque é uma das simbologias mais significativas. “A escolha do rosa foi para contrapor com a brutalidade, a rigidez dos tanques de guerra de verdade. Nossa arma é simbólica, não é de forças letais”, explica Paulo.

Atualmente, o tanque está sendo reformado para voltar a participar das intervenções ainda essa semana. Durante o confronto com a polícia na terça-feira do dia 09, o tanque artístico foi literalmente atropelado pela tropa de choque.

Outra intervenção bem conhecida são as vídeo-criaturas. Trata-se de pessoas que andam pelo campus com monitores de computador na cabeça e teclados nos braços. A crítica é contra a UNIVESP, sendo que as criaturas dialogam com os transeuntes de maneira divertida explicando como é ser um aluno formado por ensino à distância.

Há também a ala de crítica às eleições para reitor: pessoas com coroas representavam o “poder monárquico” da reitora, formando um quadrado em que seguravam uma faixa interditando o centro, no qual havia uma pessoa, também de coroa, segurando uma urna de votação e repetindo frases como “Não se preocupem, vamos reprimir tudo, mesmo! Vamos acabar com essa palhaçada de greve!”. A crítica é ao fato do reitor não ser escolhido por eleições diretas e sim pelo governador. Ludmila acredita que a forma como essa crítica é feita vale mais do que manifestações que acusem diretamente a repressão ou a maneira como a reitoria vem agindo. “Ao invés de apontar o dedo para dizer que o que eles estão fazendo é errado, a gente coloca no ato alguém falando justamente o discurso deles, brincando com isso, (…) e isso acaba mostrando o absurdo desse discurso. Assim, as pessoas interagem mais”.

Dentro das alas da intervenção, havia um grupo disperso chamado, entre si, de “Comissão Simpatia”. Seu objetivo era levar o motivo das intervenções às pessoas que estariam nas ruas e principalmente às que ficariam presas no trânsito no dia em que houve a manifestação do dia 09. Além dos panfletos, a ala escreve bilhetes e até cartas inteiras à mão, explicando os motivos do manifesto. A originalidade está justamente em mensagens escritas, que explicariam coisas que as outras intervenções podiam deixar abertas. “Não somos contra o ensino a distância, por exemplo”, explica ela, “E isso podia ser interpretado com as vídeo-criaturas. As cartas escritas à mão são mais pessoais”.

Além dos alunos de Artes, havia também as intervenções dos alunos do Ceupes (Centro Acadêmico de Ciências Sociais). Eles usavam chapéus vermelhos altos, parecidos com frades. A critica é associar a eleição para reitor com a maneira como os papas são escolhidos, por uma conclave restrita de cardeais. “é uma discussão de poder dentro da universidade. Os cardeais são os professores titulares que estão no conselho universitário”, diz Thiago Aviar, do terceiro ano das ciências sociais e diretor do Ceupes.