Iniciativas realçam influência da cultura africana no Brasil

CoralUSP e Centro Universitário Maria Antônia realizam projetos sobre a herança negra

O Curso “O Negro na História da Arte”, que será realizado no Centro Universitário Maria Antonia, e a iniciativa conjunta do CoralUSP com o grupo Ilú Obá de Min marcam o início do semestre letivo na USP com destaque para as influências da cultura negra no Brasil.

O curso “O Negro na História da Arte” será ministrado por Renata Bittencourt, doutora em História da Arte, que dedica sua carreira acadêmica ao tema. Sua pesquisa de mestrado foi centrada na obra “Baiana”, do acervo do Museu Paulista (atualmente em exposição na Pinacoteca). Seu trabalho reflete sobre o retrato de uma mulher negra, feito no século XIX, sobre o qual pouco se sabe; não tem autoria conhecida ou mesmo uma denominação oficial.

Apresentação do Coral USP, que participará de novo projeto com o grupo de canto Ilú Obá de Min (foto: Divulgação/CORALUSP)
Apresentação do CoralUSP, que participará de novo projeto com o grupo de canto Ilú Obá de Min (foto: Divulgação/CoralUSP)

“Quis analisar como a mulher negra aparece na arte, e como não aparece”, diz Renata. O retrato é uma raridade; a maior parte das representações de negros na arte no Brasil, no século XIX e no princípio do século XX, apresenta não uma pessoa, mas um tipo: o trabalhador, a figura sofrida, ou mesmo a superação, mas dificilmente um indivíduo. De acordo com a pesquisadora, essa é uma tradução visual da diáspora africana forçada ao longo de séculos. “Isso fez com que o negro fosse quase sempre visto como o outro, o exótico”.

Esse será um dos temas abordados pelo curso, que se iniciou no dia 8 de março e prosseguirá pelas outras três segundas-feiras do mês. Será abordada a representação do negro na arte desde a Antiguidade até a produção contemporânea, com artistas negros que buscam se inserir nessa história, por meio de recriações de obras célebres e retratos de pessoas admiradas.

“As obras de artistas negros têm diversas perspectivas”, continua Renata; tratam da dor, mas também de seu cotidiano, de festas. “São marcadas pelo ônus da escravidão, mas também pela alegria de possuir uma cultura tão rica”.

Renata chama ainda a atenção para o fato de que o tema tem se tornado recorrente: ela própria já esteve em bancas de doutorado sobre o assunto, e a Pinacoteca atualmente conta com a exposição “Artistas Afrodescendentes no Acervo da Pinacoteca”. A mostra traz obras de artistas antigos e já consagrados como Mestre Valentim, e mais jovens como Rommulo Conceição, que dialoga mais com o cenário internacional.

Ao mesmo tempo que a diáspora africana levou por muito tempo a uma visão tipificada do negro, também contribuiu para a disseminação de sua cultura; na maior parte do mundo deu-se uma troca constante entre as culturas locais e a de origem africana, e sua valorização em muitas áreas. “Na música popular, por exemplo, a cultura negra é hoje a hegemônica”.

Tons e notas no CoralUSP

A música de origem cultural africana é um dos principais aspectos trabalhados pelo grupo Ilú Obá de Min, que iniciou um projeto conjunto com o CoralUSP. Beth Amin, uma das orientadoras de técnica vocal do Coral, já trabalhava havia algum tempo com o bloco de carnaval do grupo Ilú Obá, composto apenas de mulheres, que buscam enfrentar o preconceito e manter viva a cultura negra no Brasil.

Beth Amin afirmou que a inspiração para o projeto veio da situação do mundo atual, e a atingiu após eventos do ano passado como atentados terroristas e conflitos em diversas regiões do mundo. “Me ocorreu que está fazendo falta no mundo o feminino, não no aspecto sexista, mas arquetipicamente; as ideias de carinho, acolhimento, amor”, explica. Buscando realizar um grande projeto apenas com mulheres, entrou em contato com Mazé Cintra, diretora artística do Ilú Obá de Min, para que juntassem esforços; a ideia seria reunir 250 mulheres do Coral ao grupo, para apresentações em maio e junho.

A fundadora do grupo, Beth Beli, explica que “como o Ilú tem como principal missão o empoderamento da mulher, nada mais forte e prazeroso do que juntarmos a força das vozes e dos tambores, para levar o amor e esse olhar feminino ao lidar com as dificuldades, para as pessoas e para a nossa cidade”. Serão apresentados cantos do candomblé dedicados aos orixás femininos, e sambas sobre mulheres negras importantes no Brasil, como Elza Soares.

Os ritmos em geral utilizados pelo grupo são aqueles herdados da Nigéria, que tiveram forte influência na cultura negra brasileira. A música se distingue pelo uso de diferentes tipos de percussão; mais voltada para o ritmo do que para o vocal, dificilmente utiliza frases complicadas ou abertura de vozes. O projeto busca interessadas, que podem se inscrever pelo site www.coralusp.prceu.usp.br ou pelo telefone (11) 3091-3930. Os ensaios acontecerão entre os meses de abril e maio.

 

Por Felipe Marquezini