Continuam os debates sobre catracas

Barreiras físicas e invisíveis estimulam a discussão sobre o limite entre público e privado

Instaladas em cerca de 10 institutos da USP, as catracas são responsáveis por controlar a entrada e saída dos frequentadores dos espaços mediante apresentação da carteirinha da USP ou, em alguns casos, de cadastro de documento com os funcionários da segurança. Outros lugares nos campi não são controlados por catracas, mas exigem a identificação antes da entrada de pessoas. Seja de uma forma ou de outra, o controle de entrada na universidade pública não é consenso.

A polêmica fica em torno da exigência de segurança em uma universidade que já registrou diversas ocorrências policiais e o comprometimento do caráter público da USP. Por um lado, por controlar o fluxo de pessoas, as catracas podem garantir certa segurança nos ambientes, por outro e pelo mesmo motivo, ela restringe os frequentadores dos espaços e até os afasta.

Foto: Liz Dórea
Foto: Liz Dórea
FEA

O caso mais recente de instalação de catracas nos campi é na Faculdade de Economia, Administração e Ciências Contábeis. Desde 2011,  quando um aluno foi assaltado e morto no estacionamento da unidade, a questão é discutida mas nunca se chegou a um consenso. Furtos e roubos dentro dos prédios da faculdade também são motivos para pautar a instalação de catracas no espaço. “O controle de acesso contribui para a segurança das pessoas e do patrimônio”, afirmou a diretoria em resposta ao Jornal do Campus.

Para o funcionário da segurança, Evandro, a instalação de catracas é positiva, “Eu acho bom. Entra muita gente esquisita aqui à noite e assim vai dar para controlar.” Outros integrantes da comunidade da FEA pensam de outra maneira. Para Renato Herdeiro, estudante de Economia, a instalação das catracas não leva em consideração as manifestações dos alunos.  “Não concordo com a forma com a qual todo o processo de articulação da pauta vem sendo conduzido, permeado por ausência de diálogo por parte da diretoria com os alunos, que já se mostraram contrários à iniciativa diversas vezes, seja por meio de plebiscitos ou de manifestações”. Em 2012, ocorreu uma votação na FEA na qual a instalação de catracas passou não em números absolutos, mas sim pela aprovação majoritária de professores e funcionários, enquanto os alunos foram contrários. Esse ano, a polêmica voltou à tona em uma assembleia sobre as contas da unidade. Neste evento, alunos opinaram que a colocação de catracas, que já custou R$ 83 mil à faculdade, não deveria ser prioridade no orçamento. Renato também não concorda “com a falta de transparência com a qual a compra das catracas foi efetuada, ainda mais em meio ao cenário de crise orçamentária tão incisivo na nossa universidade nos últimos anos.”

Hoje, as catracas na FEA estão em fase de instalação. Na entrada principal, pela Av. Prof. Luciano Gualberto, seis delas foram colocadas em 2015, sob protesto dos alunos e sem aviso prévio, mas ainda estão fora de funcionamento. O projeto ainda prevê que sejam colocadas catracas nos fundos da faculdade, na entrada próxima ao prédio FEA3, e que a entrada pelo prédio FEA 5 (a mais próxima da vivência dos alunos) permanecerá fechada. Contudo, a diretoria da faculdade informa que não há previsão para a conclusão das instalações: “A USP ainda está estudando o desenvolvimento de software para a identificação dos usuários.”

Outros espaços

Diversos institutos da USP também foram locais de polêmica acerca de catracas. Em 2013, após tentativa de estupro em um banheiro da Escola Politécnica, a unidade pensou em ter mais rigor no controle de acesso. Hoje, para entrar nos prédios de engenharia na Cidade Universitária é preciso identificar-se com apresentação de carteirinha da USP ou RG (para visitantes). No Instituto de Geociências, catracas foram instaladas no ano passado com uma série de outras medidas de restrição de acesso ao espaço, como o fechamento do vão do prédio com vidro. Os alunos do IGc responderam negativamente à essa medida, criando páginas no Facebook e eventos no instituto.

Além dos prédios de salas de aula, outras unidades de ensino da universidade também têm o acesso restrito. As bibliotecas do campus têm procedimento padrão de entrada por catracas:  algumas exigem a apresentação da carteirinha, outras apenas contabilizam o número de pessoas que acessam o local. Da mesma forma, laboratórios de informática e ciência dos campi costumam ter controle de acesso, para proteção dos equipamentos. Para alguns alunos, esse tipo de controle afasta a ciência daqueles que não fazem parte da universidade. Filipe D’Elia, estudante da ECA, acredita que “a USP já é um ambiente super restrito e inacessível, acho que ela deveria ser mais aberta como forma de trazer mais retorno para a sociedade.”

Os centros de práticas esportivas, como o CEPE-USP e a Raia Olímpica na Cidade Universitária também têm controle de acesso em suas entradas e saídas. Ambos têm catracas que são liberadas ao encostar a carteirinha USP, para os que não a possuem é preciso fazer cadastro no sistema.

Espaço público?

Os críticos às catracas na USP costumam argumentar que o controle de acesso contradiz o caráter público da universidade. No dicionário, a palavra público significa 1. algo “que se refere ao povo em geral”; 2. “Relativo ao governo de um país; 3. “Manifesto, conhecido por todos”; 4. “A que todas as pessoas podem comparecer”.  A universidade, com catracas ou não, corresponde às definições 2 e 3, mas a 1 e 4 ficam comprometidas quando o acesso aos espaços ficam restritos à apresentação de carteirinha USP.

Marina Sadala, estudante da FAU, não concorda com as catracas da USP, “Porque é uma universidade pública, e muitas pessoas, mesmo que não estudem necessariamente na universidade, frequentam esse espaço, com diferentes objetivos.” Para ela, “bloquear o acesso por meio de catracas restringe a universidade e compromete seu caráter público.”

O professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas e pesquisador na área de mecanismos de controle social, Marcos Cesar Alvarez, conversou com a reportagem do JC sobre como as catracas podem afrontar ou não o espaço público. “A USP não pode ser tratada nem como um parque aberto indiscriminadamente ao público, nem como uma empresa privada em que só entram pessoas autorizadas. O desafio da comunidade universitária consiste em criar regras de uso do espaço, quando necessárias, e os mecanismos necessários para sua vigência.” Para ele, “em espaços como bibliotecas e laboratórios, o uso de catracas parece razoável, pois existem materiais e equipamentos que precisam ser preservados. Também não são lugares de circulação livre. Já imagino que em prédios, inclusive com valor histórico, como da Faculdade de Direito no Largo São Francisco, o uso de catracas poderia impedir o público te ter acesso ao interior do prédio, um espaço de interesse para visitas, além de local onde ocorrem debates diversos.”

Arte: Aline Naomi
Arte: Aline Naomi
Segurança?

A USP tem sofrido diversas ocorrências policiais nos últimos anos. Apenas em 2014, foram registrados 94 roubos, 6 sequestros e 214 prisões em flagrante só na Cidade Universitária. A quantidade de ocorrências como essas têm assustado os frequentadores do campus, por isso, muitas pessoas costumam defender a instalação de catracas na universidade. Para Guilherme Guerra, ex-estudante da USP, os torniquetes proporcionam “maior controle de quem está dentro do prédio e isso garante um certo conforto e segurança. Lembrando que as catracas não servem para barrar, e sim para saber quem está dentro do prédio é em qual momento”.

Porém, para os contrários às catracas, a segurança não pode ser argumento para restrição dos espaços. Renato Herdeiro admite se sentir mais seguro em um ambiente com catracas, mas ainda tem ressalvas. “O problema é não confundir essa sensação de segurança com uma que associe ameaças a pessoas exógenas ao ambiente que você frequenta. Certamente as catracas na FEA não impedirão, por exemplo, a ocorrência de furtos dentro da instituição.”

Para o professor Alvarez, a segurança nos campi exige uma solução mais complexa do que a simples instalação de catracas. “A violência sem dúvida é um problema e em espaços sociais como a USP, de uso bastante diferenciado (…), os desafios são ainda maiores e as soluções, complexas. Em espaços como empresas privadas, a simples colocação de catracas é uma saída frequente. Em nossas faculdades, seria preciso discutir caso a caso, tendo em vista os usos múltiplos, a segurança do patrimônio e também das pessoas, mas sem prejudicar o caráter público da instituição.”