Veterano que fez seis graduações comenta a prova
No dia 27 de novembro, foi realizado mais um concurso da Fuvest (Fundação para o Vestibular), exame que dá acesso à Universidade de São Paulo (USP) e à Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. A atual edição do vestibular oferece 8.854 vagas – 8.734 para a Universidade e 120 para a Santa Casa -, disputadas por 136.736 candidatos. Segundo a fundação, a prova deste ano, que ocorreu em 104 locais do estado de São Paulo, teve uma abstenção de 9,2% (12.549 inscritos), diminuição frente ao índice de 2015, que foi de 9,8%.
No total, 21% das vagas (2.338) serão preenchidas por meio do Sisu (Sistema de Seleção Unificada), número 57% maior que em 2015, resultado da adesão parcial de 85 cursos da USP ao Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Isto reduziu o número de vagas oferecidas pela Fuvest, que em 2015 era 9.568, bem como o total de candidatos, 4,2% inferior ao vestibular passado. No concurso deste ano, todas as áreas do conhecimento tiveram queda no número de concorrentes, com o campo das ciências exatas sofrendo o maior enxugamento na quantidade de candidatos.
Acesso
Entre os aderentes, o tradicional curso da Faculdade de Direito (FD) do Largo de São Francisco é o segundo que disponibilizou mais vagas pelo Enem, atrás apenas de Letras: serão disputados 92 postos de acesso à graduação através do exame. Bárbara Martins, estudante de curso pré-vestibular que há três anos presta o exame da Fuvest, afirma que também realizou a prova nacional para cursar Direito na USP, mas sem muitas esperanças. Na Fuvest, diz ter sentido dificuldades principalmente nas disciplinas português, matemática e química. Como negra, sustenta que existem inúmeros passos a serem tomados para a democratização do acesso à USP.
Atualmente, por meio do Inclusp e do Pasusp, a Universidade concede 12% de bônus na nota da Fuvest a pessoas que cursaram ensino médio em escola pública, 15% a candidatos que fizeram tanto ensino fundamental quanto médio em escolas do tipo, e 5% adicionais, em ambos os casos, caso o concorrente faça parte do grupo PPI (Pretos, Pardos e Indígenas). Das 2.338 vagas para a Universidade oferecida via Sisu, 586 serão exclusivas para candidatos autodeclarados PPI e que cursaram ensino médio integralmente em escola pública.
“O que realmente acontece é que a USP não quer negros e pobres. Com o nível de dificuldade aumentando, o número de negros só vai diminuir”, argumenta Martins. “Acho que deveria existir um limite mínimo para estudantes negros e de baixa renda na USP.”
Também estudante de curso pré-vestibular, Carolina Mammana, candidata da Fuvest pela terceira vez, observa que pleiteia uma vaga no curso de Astronomia do Instituto de Astronomia e Geofísica (IAG) em função do prestígio que possui a Universidade. Ela também está prestando o Enem.
“Sou candidata pelo Enem, e sim, acho que ele está se aproximando da Fuvest”, pontua ela. “No entanto, na minha opinião, as questões não são exigentes no mesmo nível [da Fuvest].”
Pouca mudança
Eduardo Sampaio Gutierrez, mais conhecido como Dadão, tem seis graduações completas pela USP. Candidato da prova sete vezes, Dadão é especialista em fazer vestibular e contou ao JC um pouco sobre essa importante porta de entrada da Universidade.
Para ele, o problema do vestibular, que é uma barreira que restringe quem entra na universidade, é a má qualidade do ensino pelo qual o aluno passa antes de chegar à USP. “Isso acaba barrando boa parte dos alunos vindos de escola publica”, afirma.
Dadão observa que as matérias do vestibular mudaram muito pouco. “Em 50 anos não tiveram a criatividade para pensar em um modelo de educação melhor, mais adequado para a maior parte das pessoas”, declara. Formado no tradicional Colégio Rio Branco, de São Paulo, ele afirma que suas netas continuam fazendo tudo do jeito que ele fez. “Hoje, com a internet e o maior acesso à informação, as coisas mudaram, mas a educação continua a mesma coisa, com fórmulas iguais”. Segundo ele, a forma de avaliar poderia ser diferente, mas até as questões continuam parecidas. E, por isso, ele nem precisou estudar para os vestibulares que prestou.
Em 1968, ele prestou o vestibular pela primeira vez e foi aprovado em Física, mas optou por cursar a Escola de Engenharia de Mauá. “Fiz o primeiro e segundo ano de engenharia na Mauá e o terceiro, quarto e quinto na Poli, porque todo mundo da minha família era da USP e comentavam que eu fazia particular. Então, estudei de novo e entrei”, explica.
Quando terminou o curso, Dadão fez mestrado em Engenharia de Produção na UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) sem apresentar dissertação, casou-se e teve filhos. “Quando meu filho tinha 17 anos, tentei convencê-lo a fazer vestibular de treineiro e ele me falou ‘faz você, já que gosta tanto de vestibular’. Respondi: ‘se eu fizer, você faz?’. Ele concordou. Aí eu prestei e passei para História”, conta Dadão, que cursou bacharelado e licenciatura em sete anos.
No ano seguinte, ele percebeu que queria mesmo era cursar Direito. Tentou durante dois anos, mas não conseguiu. No ano seguinte, em 2004, ele prestou para Letras e passou cinco anos fazendo Bacharelado em Português e Espanhol e Licenciatura em Espanhol. “O curso de Espanhol é um dos mais interessantes em Letras. Em espanhol, você tem um maior número de literaturas, o que me interessava mais do que gramática. Além disso, o curso de inglês pressupunha que você já falava inglês, o de espanhol não, ele ensinava um pouco”, esclarece.
Depois de Letras, Dadão tentou duas vezes cursar Direito e conseguiu ser aprovado na segunda, em 2011. “Terminei agora, no ano passado, e não vou prestar nada esse ano”.
Desde 1994 saindo de casa todo dia à noite, ele prometeu à esposa que Direito seria seu último curso. “Passaram quatro meses, minha esposa disse: ‘Está na hora de você arranjar um curso. Aqui em casa você só reclama’. Quase me matriculei no vestibular esse ano para Editoração ou Turismo na ECA, que eu conseguiria entrar”.
Na opinião de Dadão, que tinha o costume de resolver a prova todos os anos quando as perguntas saíam no jornal, a Fuvest é um desafio para si mesmo. Apesar disso, ele destaca os privilégios que tem. “Eu sempre estudei em escola particular, minha família era de classe média, assim como a maior parte da USP”, diz. “E isso que é ruim na universidade pública. O ensino público é tão ruim que quase não tem ninguém de escola pública na Universidade”.