Maioria das atléticas não tem modalidades voltadas para o grupo; opções esportivas para Pessoas com Deficiência (PCD) oferecidas pela USP ainda são escassas
por Mateus Cerqueira e Rafael Canetti
A maioria das atléticas da Universidade de São Paulo (USP) não contam com modalidades voltadas para estudantes com deficiência, ou modalidades que podem ser adaptadas para esse grupo. Nas modalidades ofertadas diretamente pela USP, o cenário é parecido: poucas alternativas para comunidade de Pessoas com Deficiência (PCD), além de curso fechado por falta de docentes.
É isso o que apurou o Jornal do Campus (JC) após entrar em contato com 22 atléticas a fim de observar como a inclusão de pessoas com deficiência é tratada por esses grupos esportivos.
Desse total, 19 atléticas afirmam não ter modalidades esportivas voltadas para estudantes PcDs. Quando questionadas se os times contavam com universitários PCDs, apenas as atléticas XI de Agosto (FDUSP) e Faudusp (FAU) afirmaram ter em seu quadro estudantes com alguma deficiência.
Negaram ter esportes adaptados ou voltados para estudantes com deficiência as atléticas Oswald de Andrade (FFLCH), Gleb Wataghin (IF/IAG/IPEN/IEE), Rui Barbosa (EEFE), XV de Outubro (FEUSP), Enfermagem (EE), Luiz Queiroz (ESALQ), Fofito (FOFITO), IX de fevereiro (FSP), XII de fevereiro (ICBIÓ), Matemática (IME), XXV de fevereiro (Odonto), Politécnica (POLI), Busilis (Psico), Ana Rosa Kucinski (Química), Guimarães Rosa (RI), IX de setembro (Vet), XXV de janeiro (Odonto), a atlética Oswaldo Cruz (Med) e Visconde de Cairu (FEA).
Somente a Ecatlética (ECA) afirmou contar com modalidades mais inclusivas para PcDs – xadrez e E-sports.
A negativa dos grupos esportivos foi acompanhada de justificativas. Algumas delas: “nunca nos foi apresentada essa demanda”, “o CEPE não nos fornece estrutura”, “é a primeira vez que alguém nos apresenta uma demanda assim” e “somos uma atlética muito pequena”.
Para Juliana Altino, estudante de pedagogia na Faculdade de Educação (FE) e representante do Coletivo PCD na USP, a situação é uma amostra do constante descaso que a comunidade de PCDs enfrenta na USP.
“As atléticas podem ser um claro exemplo do que enfrentamos nos diferentes ambientes e contextos da USP, já que as pessoas não nos enxergam como alguém com potencial”, afirma Juliana. “Dentro do esporte universitário da USP – que já é elitizado por natureza –, aí que eles não nos veem mesmo”.
Juliana tem paraparesia espática (deficiência física que tira boa parte de sua autonomia em andar), o que justifica o uso da cadeira de rodas pela uspiana. Ela afirma que as atléticas poderiam ser a principal porta de entrada para prática esportiva de PCDs na USP, mas são só uma das várias organizações estudantis que negligenciam a inclusão do grupo.
Minoria invisibilizada
“Esses dias vi um vídeo de uma menina falando que nós, PCDs, temos um superpoder, um seguidor perguntou que poder seria esse, e ela respondeu: a invisibilidade”, ironiza a estudante.
O grupo de estudantes com alguma deficiência na USP é relativamente pequeno – 192 estudantes PCDs com matrícula ativa, conforme o Serviço de Assistência à Gestão de Dados (SAGD), com o número podendo ser maior já que nem todos os estudantes declararam a sua deficiência via portal Júpiter –, o que para Juliana não justifica o argumento das associações acadêmicas esportivas sobre a ausência de adaptação ou criação de modalidades esportivas voltadas para PCDs. “Falta vontade das atléticas”.
Esses dias vi um vídeo de uma menina falando que nós, PCDs, temos um superpoder, um seguidor perguntou que poder seria esse, e ela respondeu: a invisibilidade”
Juliana Altino, representante do coletivo PCD na USP
Igor Martins Costa, estudante de arquitetura e atleta de handebol pela FAU-USP que tem hemiplegia (paralisia de metade do corpo), afirma que para superar o capacitismo nas atléticas – preconceito que subestima a capacidade de PCDs em executar algo –, vale criar canais de diálogo com esse grupo.
“Acredito que elas possam incluir um departamento dedicado a isso, um ambiente em que PCDs possam trazer sugestões e questões para que assim, as necessidades que surgirem sejam ouvidas e atendidas”.
Para ele, isso já seria um avanço, “pois garantiria um trabalho em conjunto com todos os outros departamentos das atléticas, fomentando a inclusão dos estudantes PCDs”.
Além das atléticas
Visando saber como é a relação da comunidade de PCDs com o esporte universitário além das atléticas, o JC acompanhou de perto a dinâmica de um dos cursos ofertados no CEPEUSP: o Futebol para pessoas com Deficiência Intelectual (DI).
Em uma quadra do CEPEUSP, adolescentes e adultos jogam futebol, em nível e desafios motores semelhantes, e com diferentes diagnósticos e personalidades. Do lado de fora da quadra, estão familiares, no geral mães, reunidas em um banco, enquanto conversam e observam a atividade.
A professora Carolina Magalhães coordena a atividade e usa o esporte como forma de reconhecer seus alunos: “Cada um tem uma característica em campo, é um reflexo da sua personalidade, alguns tendem ser fisicamente mais ativos, correm de encontro a bola, outros são mais observadores, esperam mais a bola”.
Carolina explica que a turma apresenta muito conhecimento sobre o futebol, aprende mais com eles do que ao contrário. Para ela, os desafios do curso não estão no processo de adaptação, mas sim em questões comuns a qualquer projeto de esporte universitário, ou seja, a disponibilidade de espaço, horário, material e profissionais adequados.
Existem outros dois programas esportivos dentro do CEPE para PCDs: a Capoeira para pessoas com DI e o projeto Remo Meu Rumo, comunidade voltada para prática de remo e canoagem adaptada para adolescentes com deficiência física.
No entanto, familiares alegam sentir falta de uma maior comunicação com a universidade: “A USP não divulga bem suas atividades, todos que estão aqui são próximos a algum conhecido que já vinha e informou da atividade”, diz Márcia.
Lilian complementa que os esportes já existem e são praticados na faculdade, “mas só três são adaptados, quando na realidade todas as atividades deveriam ser”.
Marcia e Lilian são amigas e se conheceram na Natação Inclusiva, antigo projeto da Escola de Educação Física e Esporte (EEFE) da USP. Cerca de cem pessoas com deficiência estavam praticando a natação em diversas turmas de 2018 a 2020. Mas, com a pandemia e a aposentadoria da docente responsável, o projeto foi suspenso, deixando a unidade sem nenhum outro curso.
Uma das possibilidades para ampliar o acesso esportivo a PCDs é um reforço nas atividades de extensão. “É necessário que toda a sociedade se aproprie deste local, que se beneficiem dos espaços e possam colaborar com a formação dos nossos estudantes, aplicando técnicas de estudo da sala e compartilhando vivências”, afirma Otávio Furtado, pesquisador de Educação Física Adaptada e ex-coordenador da Natação Inclusiva.
Ele prossegue comentando do seu desejo: “Tenho a ideia de iniciar uma atividade física, mas que os PCDs possam definir os objetivos. Pode ser esportiva, criativa, ser expressiva, enfim é algo a ser definido inclusive com os participantes.”