Bolsistas PUB relatam sobrecarga de atividades na Escola de Aplicação da FEUSP

Trabalho após o período e responsabilidades de docente são queixas dos estudantes

por Letícia Naome

Bolsista PUB em atividade na Escola de Aplicação interage com aluna do ensino fundamental I.
Foto: Letícia Naome/JC

Os bolsistas PUB – também conhecidos como “Pubs” – que atuam na Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da USP (FEUSP) relataram ao Jornal do Campus ter excesso de atividades após o período estabelecido pelo edital e responsabilidades de professor.

As funções, voltadas a alunos do quarto e quinto ano do fundamental, ocorrem no Clube da Leitura e Escrita – uma espécie de reforço em escrita e interpretação de texto – e na Educação Especial – para estudantes com deficiência.

O objetivo das bolsas PUB é o engajamento dos graduandos com a pesquisa universitária ou projetos associados a atividades na USP. A Escola de Aplicação, por exemplo, uma instituição pública para a comunidade interna e externa da Universidade, se caracteriza por ser uma instância que aperfeiçoa a formação do docente e complementa o ensino, pesquisa e extensão universitária.

O JC ouviu dois bolsistas PUB, que pediram para não serem identificados por temor de represálias. Segundo eles, a questão prática da docência estava acontecendo com menos acompanhamento do que precisavam. Conforme um Pub relata, quando começou a trabalhar com três alunos na Educação Especial, recebeu as orientações de outra bolsista, ao invés da professora responsável.

“Ela [outra bolsista] já trabalhava com esses dois, três alunos antes. Tudo o que aprendi foi herança dela e pesquisa [própria]. Foi um trabalho individual de querer prover melhor para esses alunos que, no fundo, eram os que mais precisavam.”

Ana Paula Zerbato, professora da FEUSP na área de Educação Especial e coordenadora dos projetos PUB da Escola de Aplicação, explica que a orientação da Educação Especial é realizada pelas professoras das turmas porque elas estão mais próximas dos alunos com deficiência.

“Quando o bolsista é direcionado para turma onde há um estudante com deficiência, irá atuar em conjunto com a professora da sala de aula”. No caso citado, o bolsista atuava com alunos que tinham deficiência. Porém, para um deles não havia um diagnóstico tão claro e a docente responsável pouco orientou sobre isso.

Não só no início, mas durante o resto do período, eles contaram que os professores não os acompanhavam quando iam realizar a atividade prática, o que, segundo um deles, deveria ocorrer. 

A professora Fabiana Andréa Dias Jacobik, que atuou até o fim de 2022 como a responsável pelo Clube da Leitura e Escrita com alunos do quinto ano, afirma que o procedimento é cabível. “Cada bolsista e professora estão em grupos diferentes. Essa atividade passou pela mão da professora antes e ela a liberou. O bolsista pode fazer relatos à docente sobre a atividade”. Fabiana é uma das profissionais com a qual os bolsistas tinham diálogo.

Além disso, ela explica que eles são divididos em duplas, para não haver sobrecarga de trabalho, ressaltando que, se em outras modalidades de bolsas houve esse descuido e falta de orientação, desconhece.

Um dos bolsistas acredita que as responsabilidades extrapolam o que é previsto na contratação o que, somado às obrigações individuais, os leva à exaustão. 

“Nos é passada a responsabilidade de elaborar as atividades para serem aplicadas em sala de aula; ministrar as aulas; além do trabalho exaustivo de correção dessas atividades em paralelo às obrigações individuais.”

Além disso, os Pubs disseram que há sobrecarga de trabalho após o período estipulado.

“Frequentemente temos muita coisa para corrigir fora de sala de aula. E o tempo que o projeto previa para fazer nosso planejamento de aula – e isso incluía também a correção de atividades – era em um período de uma aula durante a semana. O que é insuficiente.”

Sobre esse ponto, pelo menos a respeito da atuação da professora Fabiana, ela conta que as 10 horas estabelecidas pelo edital eram divididas do seguinte modo: 6 horas ficavam para as atividades com os alunos e 4 horas para o planejamento ou reuniões com os professores.

O estudante reconhece que, na carreira de um professor, trazer trabalho para casa, com os planejamentos das aulas e correções, é algo da profissão. Porém, isso não é previsto no edital e os bolsistas não têm vínculo empregatício para realizar atividades fora do período da bolsa.

Professores ou não?

O modo como os bolsistas são tratados também é contraditório. Segundo os relatos, eles são apresentados como professores, atuam de certa forma como docentes – lembrando que o objetivo das atividades práticas em questão é a experiência prática – mas não são vistos como tal pelos alunos.

“Por mais que seja um grupo menor, estamos lidando com alunos que não enxergam o bolsista como o professor titular. Então, não temos o poder de organizar a disciplina deles, de sentar e ouvir. Tem todo um trabalho extra.” 

Para eles, por um lado, há toda essa “liberdade” de conduzir as aulas sem algum docente por perto, como se já fossem professores, criando atividades didáticas de forma autônoma – apesar de haver a supervisão, como explicou a professora Fabiana –, mas não os titulares.

Defasagem

Fabiana detalha que, no contexto de falta de professores, houve a redistribuição das aulas e demais frentes de trabalho entre poucos professores, o que acabava sobrecarregando a todos.

Um bolsista fala que, por conta disso, em alguns casos eles assumiam aula com 40 alunos. “Já cobri aula pelo menos em 3 situações diferentes, todas no ano passado, em casos que não havia outro professor que pudesse cobrir a janela de aulas. A professora colocava eu e uma outra colega que já estávamos há mais tempo no PUB.”

Isso não deveria ter ocorrido, pois o objetivo da bolsa PUB, diz a professora, não é cobrir “a necessidade de professores, e sim compor uma ideia de currículo escolar e suprir as necessidades das crianças”.

Já Ana enfatiza que a escola, por conta da defasagem, não deixou de se preocupar com a organização para manter as aulas, assim como o acompanhamento das atividades dos bolsistas. “Até porque entendemos que estudantes bolsistas e estagiários estão em processo formativo. Não houve, em meu conhecimento, a condução do trabalho como se o bolsista fosse um substituto ou um professor”.

A expectativa é de que a situação melhore após a recente contratação de 19 novos docentes. Está ocorrendo, inclusive, uma reformulação na escola em relação às bolsas para alunos com a introdução da bolsa PROAID – voltada para a formação em línguas na universidade e parecida com a PUB – na escola, no valor de R$ 1.000, com uma carga de 20 horas, para estudantes de graduação.