ECA recebe primeira oficina de Bumba meu boi do Maranhão

Com destaque para mulheres negras, ação aproximou academia de manifestação popular considerada Patrimônio Cultural da Humanidade

por Damaris Lopes e Guilherme Castro

Participantes são instigados a realizarem movimentos comuns da manifestação. Foto: Luiza Fernandes

“Uma comoção geral por perceber que estamos abrindo espaço para outros saberes ocuparem a Universidade”. A fala de Andréia Nhur, professora do Departamento de Artes Cênicas (DAC) e do Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas da Escola de Comunicação e Artes da USP, sintetiza a importância da primeira oficina de cultura popular do Bumba meu boi da Floresta, manifestação cultural do Maranhão, que aconteceu em dois horários no dia 31 de maio no Teatro Laboratório do DAC.

Ministrada por Nadir Cruz e Talyene Melônio, o evento foi uma parceria da mestranda Luiza Fernandes, documentarista e jornalista formada pela ECA em 2016, com o projeto Cantar, Dançar, Batucar, dirigido pela professora Andréia.

“A ideia é dar espaço para saberes populares que foram excluídos do ensino superior no Brasil, trazendo mestres e mestras de manifestações tradicionais brasileiras”, afirma a docente Andréia. Os especialistas apresentaram para os inscritos das oficinas suas experiências, ensinando noções que dominam, como a dança e o entendimento da música e da tradicionalidade regional.

O convite às mestras foi feito por Luiza, que as chamou para participar da sua banca de mestrado e aproveitou a presença das maranhenses em São Paulo para articular um evento junto à professora. A ex-ecana também é integrante do grupo de Bumba Meu Boi desde que realizou uma disciplina optativa sobre o tema com a professora Andréia, durante a graduação.

O interesse pelo tema também inspirou a pesquisa de mestrado da jornalista. Para ela, a universidade pública tem papel fundamental na promoção de saberes, como os que estão contidos no Bumba Meu Boi da Floresta. “O boi integra diversos conhecimentos, como a dança , música, bordado, costura, gestão e administração. É realmente uma escola”, aponta Luiza.

O que é o Bumba meu boi do Maranhão?

Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, o Bumba meu boi do Maranhão é um complexo cultural formado por uma enorme variedade de estilos musicais, grupos brincantes — que realizam a festa, que também pode ser chamada de “brincadeira” — e uma conexão regional que une fé, festa e arte. É uma apresentação festiva regional fundamentada na devoção aos santos juninos, às personagens de religiões de matriz africana e outras figuras da cosmologia local do estado, embora não se enquadre como uma produção religiosa.

A multiplicidade da festa, que varia a depender da região em que foi concebida, aparece com mais evidência na forma dos sotaques, que são as especificidades rítmicas dos grupos brincantes. Ainda que existam diversos sotaques, cada qual com uma característica, os que mais com- põem grupos são cinco: sotaques de baixada, matraca, zabumba, costa-de-mão e orquestra. O Boi da Floresta de Mestre Apolônio, responsável pela oficina, faz parte do sotaque da baixada. O sotaque é definido pelo estilo de fazer a festa, seja por meio dos instrumentos (tambores ou matracas? Caixotes ou pandeiros?), toadas ou modo de cantar ou de bater as mãos, por exemplo.

Na Oficina, os elementos culturais da festa são amplamente referenciados. Foto: Luiza Fernandes

O Bumba meu boi do Maranhão também exerce uma posição de catalisador econômico e cultural dentro das comunidades onde está inserido, impactando o modo de vida dos lugares. No barracão do Boi da Floresta — espaço onde se concentra a organização das atividades — por exemplo, há um incentivo à prática do bordado, da costura, da produção manual e têxtil. Os brincantes experientes ensinam os inexperientes e, em casos de dificuldade financeira, peças de Bumba meu boi antigas são vendidas para museus e afins.

Sob novos olhares

Em 2017, a USP aderiu oficialmente à política de cotas raciais e internamente os docentes vêm buscando revisar ementas, bibliografias e conteúdos com o intuito de incluir olhares que fujam do padronizado na Universidade: masculino, branco e europeu.

“Mas, para além da teoria, a universidade precisa valorizar atividades práticas que tragam pessoas negras em posição de liderança e destaque”, aponta a professora Andréia. “Se não houver troca de conhecimento, vai ficar cada um na sua caixa”, acrescenta Nadir. Para ela, a importância da academia nesse encontro de saberes é intercalar a manifestação popular ao conhecimento teórico, aproximando os acadêmicos da prática, o que gera uma troca necessária para a manutenção de ambas as funções.

O Bumba meu boi, no sentido da oficina (e da teoria-prática), não pode ser separado da música. Nadir Cruz diz que o processo criativo da brincadeira é um musical completo: seja nas toadas — ritmos e sons característicos da manifestação cultural — seja na produção das letras das canções, no acalanto da comunidade, ou na construção popular coletiva da festa.

Em razão disso, a mestra traz uma exposição histórica sobre o que é o Bumba meu boi antes da execução do projeto, para que esses elementos fiquem claros aos participantes antes de qualquer atividade prática. Ela também especifica a importância das comunidades negras e indígenas na produção desse saber popular.

“Pelo retorno que eu tive dos participantes dessa e de outras oficinas que a gente fez, essa relação com pessoas pretas em posição de liderança impacta mais do que você colocar um título dentro de uma ementa de bibliografia”, argumenta a professora Andréia.