Com elu, aprendo a amar mais quem eu sou

por Ana Medeiros

Arte: Gabriela Lima/JC

2022, primeiro ano de faculdade presencial pós-pandemia. Muitos calouros chegam ao campus eufóricos para desbravar tudo o que a maior universidade da América Latina tem a oferecer. Veteranos matam a saudade ou descobrem como é a vida universitária fora das telas dos celulares e computadores. Para alguns, a sensação de pegar o seu primeiro circular ou fazer a sua primeira refeição no bandejão é única. Para outros, único é relembrar os momentos em festas, jogos e comemorações da atlética de sua unidade. A princípio, poucos vão para a USP na busca de encontrar algo ainda mais único, principalmente, para alguém que faz parte da comunidade LGBTQIA+: o amor.

Por falta de mais um integrante, Camila e Luana formaram uma dupla na sala de aula, enquanto o resto da turma se dividiu em trios para uma disciplina. As alunas de Ciências Biomédicas gostam de acreditar que o destino as juntou. Começaram a compartilhar interesses e logo uma amizade se fortaleceu. Com o aniversário de Camila chegando, Luana mandou, como presente, o link de promoção do livro “É assim que se perde a guerra do tempo”, sobre duas viajantes do tempo que se apaixonam.

Ao passar dos meses, a amizade começou a se confundir com sentimentos românticos. Luana, no fundo, sabia que não era apenas amizade, mas se recusava a aceitar. “Se eu aceitasse, teria que fazer alguma coisa. Então era melhor eu só achar que não ia rolar nada”. O frio na barriga ao pensar em tomar alguma atitude era fruto do medo da rejeição.

Foi a partir do encorajamento de seus amigos e em uma festa inspirada na Taylor Swift que Luana viu uma oportunidade de apostar em sua paixão platônica: “É agora ou nunca”, pensou, durante o caminho que fez dentro do metrô e do circular. Então, após cinco horas de festa e com músicas românticas da cantora de fundo, Camila disse “sim” a sua pergunta e o primeiro beijo finalmente aconteceu. Entre sorrisos, Luana relembra o quão incrível foi a sensação. 

Depois, as duas foram em mais festas da faculdade, até usando fantasias de casal de “ameaça comunista”, Luana de foice e Camila de martelo. O campus é um ambiente acolhedor para, enquanto mulheres LGBT, elas serem quem são.

Já a história de Naju e Victor, pessoas trans e alunos de Educomunicação, começou em 2021, durante a pandemia, quando os dois ainda nem pensavam em pegar o circular, comer no bandejão e participar de festas. Em vez disso, o que acontecia entre seu círculo social da universidade eram conversas e encontros virtuais para jogar League of Legends. 

Na época, a atlética da ECA organizou uma confraternização pela internet para os fãs do jogo. Naju não estava tão interessade no game, mas pensou que essa seria uma chance de conseguir conversar com Victor, seu calouro, e o convidou para participar — o que acabou não acontecendo, já que os dois confundiram a data do encontro. As investidas continuaram, sem muito sucesso, até que os dois pararam de conversar.

Meses se passaram e mais um evento virtual foi feito: o “match ecano”, que consistia em preencher um formulário contando seus gostos pessoais e, no dia e horário marcado, entrar no link do Google Meet e conhecer sua “alma gêmea”. Em resposta a uma publicação que Naju fez no seu Instagram, Victor disse que não participaria da brincadeira se elu também não fosse participar. E assim foi. Eles não chegaram a conhecer seus “matches”, mas voltaram a se falar. Falaram sobre o curso de educação, questões raciais — elu é uma pessoa negra, e ele, uma pessoa amarela — e sobre eles mesmos. Com pontos em comum, eles poderiam ser o “match” um do outro. 

Mas, de novo, os dois pararam de conversar. Victor não respondeu mais às mensagens de Naju, que passou mais alguns meses superando o que elu achou que fosse falta de interesse. Mais tarde, elu soube por ele que o interesse era tanto que, contrariando as expectativas, ficou ansioso e, não sabendo lidar com seus sentimentos, preferiu se afastar. 

Entre essas idas e vindas, foi depois da confissão de Victor, em outubro de 2021, que os dois não se separaram mais. Naquele ano, enquanto um morava no interior de São Paulo e o outro no ABC paulista, foi pela internet que o casal conversou e entendeu suas semelhanças e diferenças. Hoje, a internet não é mais o principal local de contato deles, e sim a universidade e o apartamento onde moram juntos, perto do campus Butantã.

Para Naju, é bonita a forma que elu e seu namorado encontraram de se amar e lutar contra constantes barreiras que aparecem na vida de pessoas transsexuais e racializadas, mesmo na USP. “É muito difícil ser uma pessoa trans, viver e assumir um relacionamento com ele, mas também é um dos meus maiores motivos de alegria”, conta. “Com ele, eu aprendo a amar mais quem eu sou”.