Organização de megaeventos pode durar o ano inteiro e exige negociação em cenário de alta de preços e retomada depois da covid-19
Por Lorena Corona e Thaís Helena Moraes
“Já é jogos!”. Essa frase está na boca dos alunos de universidades públicas e privadas por todo o país durante boa parte dos feriados do ano. Com o objetivo de proporcionar uma experiência competitiva aos atletas universitários e, ao mesmo tempo, integrar estudantes de diversos cursos e faculdades, atléticas se unem para realizar os campeonatos universitários. Mas esse tipo de evento não se resume a dias de chuva, suor e cerveja – e um pouquinho de esporte. Nos bastidores, há um extenso planejamento que dura quase o ano inteiro – e que nos dois últimos anos tem ainda de lidar com a alta de preços e a reconstrução da cultura de jogos pós-pandemia.
Quando começa?
Na Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos (FZEA) da USP, é comum que as reuniões de organização dos jogos tenham início ainda no ano anterior, poucas semanas depois da realização de uma edição. É nesse momento em que são definidas as gestões organizadoras de cada campeonato. Guilherme Zerbetto, estudante de Zootecnia na FZEA e diretor de esportes da Associação Atlética Acadêmica Fernando Costa, explica que tudo depende do tamanho pretendido para os jogos: “Como somos uma atlética do interior, costumamos participar de campeonatos menores, e cada associação indica alguns de seus membros a serem votados para comissão executiva dos jogos, que inclui presidente, tesoureiro, secretário e outros.” Quando é hora de lidar com fornecedores, Guilherme explica que é preciso sortear alguma das atléticas participantes para assumir a responsabilidade pelos contratos.
Já no caso de campeonatos de maior porte, entram em cena as Ligas Atléticas Acadêmicas, que possuem CNPJ e atuam como mediadoras no contato com fornecedores, prefeituras e profissionais contratados para trabalhar durante os jogos. Essa é a organização que vale para jogos como o InterUSP (que envolve as atléticas de Medicina, Direito, Engenharia e outros seis cursos da USP) e também para o JUCA, os Jogos Universitários de Comunicações e Artes, que conta com a participação da ECA e é coordenado pela LAACA (Liga Atlética Acadêmica de Comunicação e Artes).
Quanto custa?
Mariana Moraes, presidente da Associação Atlética Acadêmica Lupe Cotrim – a ECAtlética –, participou da estruturação do JUCA em 2023 e explicou ao JC que o custo desses campeonatos é muito alto e exige um amplo planejamento por parte das atléticas. “Fazer um evento assim não é barato. Para fazer tudo dar certo, as atléticas precisam se comprometer a vender um certo número de ingressos, porque há uma taxa financeira mínima que precisa ser batida”, afirmou.
Para a maioria dos jogos, essa taxa envolve três grandes gastos: os contratos para realização das festas; os custos de transporte e locação de alojamentos; e, por fim, os contratos esportivos, que englobam o aluguel de quadras, piscinas e pistas, além do pagamento dos árbitros e fisioterapeutas. Enquanto os dois primeiros custos geralmente são cobertos pelo valor dos pacotes comercializados, o terceiro é responsável por diminuir consideravelmente as margens de lucro – isso quando não deixa as atléticas no vermelho.
Conforme explica Murilo Bono, estudante de Medicina e membro da Associação Atlética Acadêmica Oswaldo Cruz, os custos totais de um campeonato, mesmo divididos entre as atléticas participantes, podem variar de R$ 40 mil a R$ 100 mil para cada atlética. Ele acrescenta que, no caso de uma associação não conseguir arrecadar o valor mínimo com que se comprometeu, é necessário lançar mão de outras estratégias, como doações de ex-alunos ou redimensionar o orçamento.
Outras vezes, mesmo com um orçamento enxuto, a realização do evento fica inviável. Pela complexidade da organização e possibilidade de prejuízo, as atléticas podem desistir de sua participação ou até cancelar alguma edição do torneio. Esse foi o caso do CaipirUSP em 2023, do qual a FZEA participava, cancelado apenas 45 dias antes da data prevista para o campeonato.
Como acontece?
A escolha do local onde será realizado o campeonato não envolve apenas dinheiro. Segundo a presidente da ECAtlética, o principal ponto para a decisão é a infraestrutura oferecida pelo município. “Quando você vai fazer uma visita técnica para escolher a cidade, você tem um checklist de, por exemplo, ginásios que o município deve ter. No JUCA, nós temos handebol, futebol, futsal, natação, tênis de mesa, entre diversos outros esportes, então é necessário ter certeza que teremos pelo menos um ginásio para cada um deles ou um ginásio poliesportivo”, declarou. Quando não é possível reunir toda a infraestrutura necessária em uma única cidade, a estratégia é estar perto de outras que tenham esses equipamentos.
Mesmo quando um local possui todos os requisitos para sediar um campeonato, ainda é preciso negociar com prefeituras e secretarias do esporte – que nem sempre são receptivas. “Muitas cidades do interior são conservadoras e têm uma visão de que os jogos são baderna e causam desordem. Em 2003, o Intermed estava cotando um município que entrou com moção de repúdio por parte da Câmara de Vereadores para que o campeonato não acontecesse. Levou até ao impeachment do prefeito”, relata Murilo.
Quando já está tudo pronto para que o campeonato aconteça, Guilherme conta que a satisfação contagia gestão, atletas e torcedores. “É muito gostoso ver nossos atletas, que treinaram o ano todo esperando pelos campeonatos, darem tudo de si em quadra – e claro, vibrar com a torcida pela nossa própria faculdade. Mesmo com prejuízos ou desafios pelo caminho, acreditamos que os campeonatos são parte da experiência universitária, que só dão certo quando nos unimos para fazer acontecer”, explica o estudante. Depois do trabalho duro e um pouquinho de esporte, agora, sim: é hora da chuva, suor e cerveja.