Demissões e terceirização geram maré de incertezas para navios da USP

Funcionários desligados por falta de concurso público cobram rescisão

Por Clarisse Macedo, Mariana Krunfli e Maria Trombini

Navios do IO possibilitam práticas que vão desde análises biológicas até o teste de equipamentos [Imagem: Francisco Vicentin/IO-USP]

Maré agitada para os lados do Instituto Oceanográfico (IO). Resultado de um processo de sindicância que se estende por 10 anos, a ressaca culminou na decisão da Reitoria de finalizar as relações de serviços com a  tripulação das quatro embarcações da instituição, abrindo uma onda de disputas entre o Sindicato dos Trabalhadores da USP (Sintusp) e a Universidade.

O ponto central é o fato de que esses funcionários foram contratados pela USP sem a realização de concursos públicos. Quando a sindicância começou, em 2009, a procuradoria geral da USP ficou responsável pela checagem dos processos de recrutamento e seleção realizados desde 1988 pela empresa SMI – Serviços de Administração S/C. A empresa realizou essas contratações, sem prévia aprovação de concurso público, e a Procuradoria concluiu que os servidores estavam em situação irregular. O processo administrativo que finalizaria a prestação de serviços daqueles contratados há quase 40 anos teve início, e os funcionários foram notificados pela primeira vez no fim do ano passado. 

Em maio deste ano, assistentes administrativos do IO anunciaram que o desligamento ocorreria e, segundo Neli Paschoarelli, diretora do Sintusp, os funcionários receberam uma intimação sobre o desembarque social, que deveria acontecer imediatamente. Não haveria valor a ser recebido como rescisão, já que os desligamentos eram resultado de processo. Os primeiros protestos reivindicavam a manutenção dos cargos, mas segundo Reinaldo Souza, diretor do Sintusp, à medida que a situação evoluiu, a maioria abandonou as primeiras petições e decidiu exigir pagamentos de verbas rescisórias e por danos morais.

Após deixar embarcações do Instituto Oceanográfico, marinheiros denunciam a USP ao Ministério Público do Trabalho [Imagem: Sintusp]

Por enquanto, as embarcações seguem ancoradas – duas no porto de Santos, uma em Ubatuba e outra em Cananéia. Em nota, a Reitoria justificou a decisão como uma medida necessária em razão do pedido de informações da Marinha do Brasil e também disse que a continuidade desses contratos poderia acarretar penalidades para a Universidade – desde responsabilidade civil até aquela prevista na lei de improbidade administrativa.

Enquanto isso, o IO contratou por seis meses a empresa Brasil Atlântico Treinamento Infraestrutura e Serviços Marítimos LTDA pelo valor total de quase nove milhões de reais, de acordo com documento publicado pela Reitoria. O custo mensal para a USP será de R$ 1,469 milhão, quase três vezes o custo com a outra tripulação, que seria de R$ 650 mil.

No início de novembro, após realizarem o desembarque social, os marinheiros denunciaram a USP pela situação. O Ministério Público do Trabalho de Santos acatou a denúncia, garantindo o pagamento de salário até o fim do processo administrativo. O pagamento rescisório, porém, não foi previsto.

Funcionamento e importância das Embarcações

A USP tem dois navios que ficam em Santos, o Alpha Crucis e o Alpha Delphini. O IO ainda conta com duas bases, uma em Cananéia e uma em Ubatuba, que também possuem embarcações menores. O Alpha Crucis é o maior navio e foi adquirido através do Programa de Equipamentos Multiusuários (EMU), uma das modalidades do Programa de Apoio à Infraestrutura de Pesquisa no Estado de São Paulo, mantido pela FAPESP desde 1995.

“Tem o cozinheiro, o pessoal que cuida das máquinas, o capitão do navio, o imediato e o pessoal que ajuda a navegar. Precisa de muita gente para conseguir fazer um navio daquele tamanho rodar”, explica Ana Clara Mariani, aluna de mestrado do IO, sobre a tripulação do Alpha Crucis.

A estudante, que está na USP desde 2016, destaca a importância das embarcações para sua formação, ao possibilitar práticas que vão desde análises biológicas até o uso de equipamentos. Ana afirma que chegou a passar 16 dias embarcada no navio, que não tem sinal de internet. “Foi bem importante para aprendizado e para ter uma experiência de campo. Os professores são excelentes nesses quesitos, e a gente consegue colocar a mão na massa mesmo”, destaca Ana.

Olga Tiemi Sato é doutora em Oceanografia Física e docente do Instituto Oceanográfico. Sobre a relação dos navios com as atividades de graduação, ela explica: “Algumas disciplinas têm atividades nas bases do Instituto, em Ubatuba e Cananéia. Elas contam principalmente com o apoio da embarcação Veliger II ou Alpha Delphini, a depender da distância da costa e da complexidade dos equipamentos necessários para a realização da tarefa”. 

A maior das embarcações, o Alpha Crucis, dedica-se prioritariamente a projetos de pesquisa que vão a águas abertas. O navio é equipado com instrumentos de análise e de navegação modernos, voltados para as diversas áreas de estudo da oceanografia: química, física, geológica e biológica. 

Geralmente, os estudantes de graduação ou pós-graduação têm contato com o Alpha Crucis por meio da participação nesses projetos de pesquisa. A professora Olga explica: “A equipe de pesquisa ocupa de 18 a 20 das 40 vagas totais. Elas são preenchidas pelo pesquisador-chefe, por engenheiros e por pesquisadores auxiliares do laboratório que farão os experimentos. Depois, caso restem vagas, elas são abertas aos alunos”.