Cidade (universitária) alerta!

Arte: Enzo Hokama / JC

por Clarisse Macedo e Felipe Velames

– Bom dia, seu Sérgio.

A pauta estava determinada: entender um pouco mais sobre o dia a dia dos porteiros e seguranças da USP. A busca por fontes começou logo no início do dia, através de um encontro com os trabalhadores matutinos. A missão esbarrou em um primeiro obstáculo: o pedido de anonimato. As histórias eram boas, aceitamos.

Seu Sérgio* é o porteiro da manhã, mais velho, com sotaque do Sul, paranaense, que começou a conversa contando sobre sua rotina.

– Acordo 4h, se não eu perco o ônibus das 4h30, para chegar aqui às 6h e ficar até às 15h.

Ainda no assunto transporte público, o trabalhador complementou sobre os finais de semana, em que o tempo de espera pelos ônibus é maior.

– Ontem mesmo, passei pelo ponto e fiquei pensando que aquelas pessoas passariam pelo menos 45 minutos esperando…

Indagamos sobre a época da greve, se a rotina dele havia mudado de alguma forma – em especial com os piquetes, quando os estudantes dormiam na USP.

– Teve um dia que entrei e tinha um piazinho dormindo no banco. Passei duas horas depois e ele estava na mesma posição. Cheguei perto e consegui ver o peito dele subindo e descendo. Aí fiquei aliviado. Ele só acordou cinco horas depois – contou seu Sérgio. – Na época dos piquetes, eu fiz muita amizade, mas tinha hora que sentia falta do departamento mais movimentado.

Sérgio nos revelou que também já foi grevista:

Antes de ser porteiro, eu era metalúrgico. A gente se reunia em greve… os metalúrgicos têm muita força. Os alunos também! Então a greve não é importante só para vocês, alunos, mas para nós, terceirizados, porque se a USP melhora para vocês, melhora para nós. Que nem aquele ditado: uma andorinha só não faz verão.

O assunto sobre a vida do Sérgio antes de porteiro continuou e ele começou a recordar sua juventude e seus sonhos:

Lembrei de quando eu era piazinho – comentou Sérgio. Eu fui em uma festa e bebi todas. Meu pai naquela época ainda tocava, e eu aproveitei a noite e passei o dia dormindo.

Seu Sérgio contou que seu grande sonho é finalmente entrar na graduação em Direito.

– Já trabalhei de porteiro em um cursinho pré vestibular. Estudei muito e acho que pela minha nota eu teria ido para a segunda fase de Direito no Mackenzie. Mas nunca mais voltei lá.

Essa primeira entrevista – ou conversa – foi interrompida pelo fim do horário de almoço do porteiro. Se não fosse por isso, ficaríamos horas escutando as histórias do seu Sérgio.

A interrupção foi a deixa para a busca de novas fontes que aceitariam nos contar sobre suas vidas e rotinas. Com um “boa tarde” no corredor, encontramos. Luan*, porteiro noturno de um dos departamentos da Universidade, tem 30 anos e barba volumosa. O diálogo se iniciou da maneira habitual: ele explicou que entra às 15h, mas que só a partir das 19h começam a chegar estudantes e professores para as aulas noturnas, quando ele os recepciona:

– O dia a dia chega a ser tedioso, porque não tem muito o que fazer.

Deu uma coçada na barba e contou que, durante a greve, sua rotina não foi alterada pelos estudantes, porque ele continuou com suas funções de recepcionar as pessoas que passavam por lá.

Depois, conversamos com Matheus*, que ocupa um cargo diferente: o jovem de 20 anos, adepto das gírias mesmo no diálogo mais rápido, é segurança noturno. 

Por esse motivo, Matheus faz um horário diferente dos outros: das 18h às 6h da manhã. Durante esse período de fluxo reduzido de pessoas, ele consegue passar a madrugada na Universidade e observar coisas que poucos veem:

 – Precisamos estar o tempo todo em alerta, até mesmo finais de semanas,  em qualquer horário do dia, porque tem os moradores do Crusp e também outros visitantes. Temos que estar aqui para proteger essas pessoas. 

 Ele também aproveitou para dar seus relatos sobre os problemas dos transportes públicos. Agradeceu por possuir um transporte próprio, porque os ônibus da madrugada passam com menor frequência – o que é ruim para os trabalhadores –, e voltam só no horário de pico da manhã.

Perguntamos se a USP de madrugada é um universo diferente. Ele disse que a Cidade Universitária à noite é como qualquer outra cidade à noite. O risco da ocorrência de furtos e assaltos, por exemplo, existe tanto quanto em outros lugares. 

– Ah, mano… o mais diferente da USP são as festas. Nesses dias, nossa atenção é redobrada. Precisamos ficar atentos para que não ocorra nada grave. Nunca presenciei nenhuma overdose, por exemplo, só vi pessoas passando mal e as aconselhei ir para casa.

Descobrimos que esse cuidado paternal com os estudantes não é à toa; Matheus tem filhos. Apesar disso, ele comentou que, às vezes, os alunos deixam de cumprimentá-lo porque acham que ele é bravo.

Uma vez encerrada a conversa e com os circulares já cheios pelo horário de pico, percebemos que era hora de ir. Nos despedimos com o tradicional cumprimento:

– Boa noite, Matheus.

* Os nomes usados são fictícios por escolha das fontes.