De Kafka a Jogos Vorazes, as leituras dos alunos da USP

Enquete do JC com 95 estudantes mostra interesse por livros fora da obrigação universitária; romance e fantasia são os preferidos

Por Gabriele Mello, Laisa Dias e Lívia Lemos

Os alunos da USP lêem fora da sala de aula? O que consomem? Para investigar o perfil de leitura desse público, o JC coletou, por formulário online, a opinião de 95 estudantes de diversos institutos da Universidade de São Paulo. Três em quatro dizem ter o hábito de ler livros não relacionados à graduação. Entre eles, o gênero romance (26%) ocupa o primeiro lugar na lista de preferência, seguido por fantasia (21%) e terror/suspense (12%).

Gráficos: Nathalie Rodrigues/JC – Fonte: Enquete digital com 95 respondentes/JC

A presente enquete é um cômputo de informações que não representam estatisticamente a universidade como um todo, sendo apenas um retrato de uma parcela da comunidade USP. A apuração também indica que a área dos estudantes influencia na seleção de uma obra para ler. Gabriela Toquetti, estudante de Letras Modernas da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), comenta que a última obra lida foi A Cantora Careca, do autor Eugène Ionesco, indicação da disciplina de Teatro Francês. Fabiana Carelli, docente de Letras Clássicas e Vernáculas, destaca que essa preferência por obras que são recomendadas em sala de aula têm relação com as áreas de estudo do instituto: “Nas Ciências Humanas, eles estão se formando em áreas que são da intelectualidade. Logo, desenvolvem um certo desinteresse pela literatura de entretenimento, priorizando as formas da alta literatura e filosofia, considerados livros de alto valor estético.”

Em contrapartida, estudantes das ciências exatas e biológicas parecem enxergar na leitura uma maneira de distração e lazer. Foi o que revelou a maioria das respostas dos alunos da Escola Politécnica (EP), que optam por livros como os da saga Jogos Vorazes e Diário de um Banana. “Nessas áreas, há menos preconceito com a ‘baixa literatura’. Os estudantes buscam os livros como entretenimento, enquanto a alta literatura não é tão valorizada por causa da complexidade do pensamento”, salienta Fabiana.

A indicação de amigos e familiares e as resenhas encontradas nas redes sociais também são fatores que influenciam o hábito de leitura dos universitários. Os booktokers – influenciadores de leitura que recebem essa nomenclatura quando produzem conteúdo para o TikTok – popularizaram no mundo digital a leitura de alguns gêneros, como o romance, a fantasia e as fanfics (abreviação de fanfiction, que pode ser traduzido como ficção de fã, em que contos são criados por aficcionados com inspiração em produções ou pessoas públicas). Tais gêneros são encarados como “baixa literatura” por serem classificados como cultura de entretenimento, sofrendo um estigma por aqueles que consideram apenas obras clássicas e acadêmicas como essenciais para o desenvolvimento do pensamento crítico.

Essa tentativa de desvalorização de um gênero literário em relação ao outro não é de agora. De acordo com a professora, sempre existiu uma rixa entre a alta literatura e a cultura de entretenimento: “Na virada dos anos 1950, os romances de Jorge Amado eram vistos como entretenimento e, por isso, literatura menor. Quando fiz meu mestrado na década de 1990, escolhi por rebeldia estudar esse autor na universidade para provar que o entretenimento também tem uma função importante na sociedade. Hoje, Jorge Amado é um clássico.” 

Falar que a relação entre leitura e leitores é recheada de orgulho e preconceito pode soar clichê. No entanto, assim como ressalta Fabiana, o preconceito com algumas obras é algo comum. Apesar disso, a pesquisadora pontua que a escolha de um gênero não diminui o outro. Pelo contrário, ela defende que a leitura tem que ser estimulada em todos os sentidos: “Seja Hannah Arendt, seja Harry Potter, explorar diferentes gêneros traz uma ampliação das diferentes narrativas que compõem o mundo.”

Atualmente a professora é uma das coordenadoras do Genan, Grupo de Estudos e Pesquisas em Literatura Narrativa e Medicina, que tem como objetivo promover a leitura e discussão de clássicos no cotidiano dos profissionais da saúde: “É importante que profissionais de diversas especialidades se relacionem com a arte e literatura. Nosso objetivo é mostrar sentido em ler as obras clássicas e que as diferentes formas da narrativa veiculam um sentido existencial”, afirma Fabiana.