Derrubadas, grades da Prainha representam conflitos entre estudantes e USP

A ação realizada durante a greve dos estudantes é um marco na disputa sobre a ocupação e as regras do espaço de vivência da ECA

Por Elaine Borges, Gabriel Eid e Guilherme Castro Souza

Caíram. No dia 21 de setembro de 2023, seis anos e nove meses após sua instalação, parte das grades que limitavam a entrada na “Prainha”, espaço de convivência da Escola de Comunicações e Artes (ECA) foram derrubadas por estudantes durante a Quinta i Breja (QiB), tradicional evento do alunado da unidade. A ação ocorreu em meio à greve de estudantes que se espalhou pelas faculdades da USP. 

A Prainha é o espaço ao ar livre localizado atrás do prédio principal da ECA, apossado por gerações de alunos, funcionários e professores como espaço de vivência e de manifestações culturais, artísticas e políticas. Uma importante expressão destas características foi o Canil, ocupação circular e aberta à bandas e apresentações diversas. Inaugurado em 2006, foi demolido pela Reitoria em 2012. 

Originalmente, o espaço era aberto. Entre 21 de dezembro de 2016 e 2 de janeiro de 2017, as grades foram construídas pela Reitoria, cercando todo o perímetro da Prainha. De acordo com a Assessoria de Imprensa da USP, a instalação foi motivada por problemas de segurança no local. No final de 2015, o ex-aluno Benício Leão Filho foi morto após ser espancado por um grupo de pessoas durante a QiB. 

Os estudantes argumentam que o gradil, além de restringir um espaço universitário, torna-o mais inseguro ao dificultar a evacuação no caso de emergências – o acesso controlado era feito por uma única porta de vidro pelo prédio central. Quanto aos episódios de violência, Júlia Orioste, aluna de artes cênicas e pertencente ao Centro Acadêmico Lupe Cotrim (Calc) da ECA, afirma que, durante eventos como a Quinta i Breja, membros da Comissão Anti Opressão estão presentes no local para garantir a segurança das pessoas, juntos a dois bombeiros e quatro seguranças. 

A Diretoria da ECA afirmou, por meio de texto escrito em resposta às perguntas enviadas pelo JC,  que tenta buscar o diálogo com as entidades estudantis, “de modo a chegar a uma solução consensual sobre o uso daquele espaço, que contemple a comunidade acadêmica como um todo”. 

Em 2019, a Congregação da ECA criou um Grupo de Trabalho para tratar das condições de segurança na Prainha. No último dia 29 de novembro, a Congregação aprovou, por unanimidade, uma moção de repúdio quanto ao barulho excessivo durante eventos no local, pedindo providências à USP. 

A instalação das grades, segundo a Reitoria da USP, também visava conter o comércio ilegal de ambulantes. A reportagem do JC conversou com um vendedor de bebidas e um vendedor de pastéis que não quiseram se identificar. Segundo eles, após a derrubada, puderam voltar a vender nos locais em que estiveram presentes durante mais de 20 anos: “Antigamente a Prainha da ECA ficava muito mais cheia do que hoje, não tem comparação”, afirmou um deles. 

Disputa de versões

Após a queda, ficou a dúvida sobre quem assumiria a responsabilidade pelo acontecido: a Reitoria ou a Diretoria da ECA. Em termos legais, uma das organizações teria que apresentar uma denúncia formal a respeito do ocorrido. Caso contrário, seria acusada de prevaricação diante do dano ao patrimônio público. Consultada, a Diretoria da ECA disse que a atribuição foge de seu escopo. A Reitoria, por sua vez, afirmou que a construção das grades foi responsabilidade do órgão, mas que a decisão sobre seu futuro é da Diretoria da ECA.

Para Júlia Orioste, não pode ser chamada de patrimônio público uma estrutura que impede a liberdade de ir e vir do estudante que deseja utilizar seu espaço de vivência como bem entender. “Ainda mais considerando o horário limite de entrada e saída do prédio, algo mais absurdo ainda”, afirma a estudante, se referindo a proibição de entrada na Prainha após às 21h30. 

Derrubada, arte e política

Além dos eventos sociais e atos políticos, uma das maneiras que os discentes encontraram para ocupar o espaço estudantil é a arte. Dois alunos – identificados por seus nomes artísticos –, Shao Khan, graduando em Artes Visuais, e AL, estudante de arquitetura, tomaram a iniciativa de reciclar o material das grades derrubadas e transformá-lo numa escultura: A Rebentação das Ondas da Prainha. 

A obra, que até o momento da publicação desta edição do JC se encontra em frente à entrada do Centro Acadêmico Lupe Cotrim, representa, segundo os artistas, um testemunho da forma como as grades foram removidas. De acordo com os autores, com um formato que simula a rebentação de ondas numa praia, o metal retorcido em estado quase bruto remete ao momento de “fúria lúcida”, como descreve AL, que levou à destruição da estrutura. 

Para eles, o controle da entrada e da saída da vivência estudantil da ECA por meio das grades se relaciona a um quadro maior de disputa entre estudantes e a administração da universidade.