Pouco visíveis, grupos não-cristãos buscam respeito na USP

À luz de uma nova pesquisa realizada pela Prip, o JC busca entender se  as minorias religiosas se sentem acolhidas na universidade

Por Guilherme Valle e Thaís Helena Moraes

Às quintas feiras, pontualmente ao meio-dia, quem passa pela Praça do Relógio na Cidade Universitária pode já ter se deparado com um grupo de cerca de 20 pessoas, reunidas em roda, que cantam e oram juntas. Trata-se do Pockets, grupo evangélico neopentecostal que existe há cerca de 5 anos na USP e está ligado ao movimento Dunamis, de práticas e estudos cristãos. 

De acordo com um mapeamento da Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento, divulgado em outubro deste ano, os integrantes do Pockets fazem parte do grupo majoritário na universidade, os cristãos. Do total de docentes, alunos e funcionários que declaram seguir alguma religião, a maioria é católica, evangélica ou de outras religiosidades cristãs. Como grupos minoritários, a pesquisa identificou aqueles que seguem as religiões afro-brasileiras, o judaísmo e o islamismo. Para esses agrupamentos, a prática religiosa nos campi é bem menos evidente – e se mescla a interesses de estudo e pesquisa.

A experiência de Francirosy Campos Barbosa, professora de Psicologia Social na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras do campus de Ribeirão Preto, pode ajudar a entender porque isso acontece. Francirosy demorou a se sentir à vontade para compartilhar no ambiente acadêmico que se convertera ao Islamismo, 15 anos depois de iniciar seus estudos sobre o tema na universidade. “Ouvi colegas dizendo que, a partir do momento em que eu revelasse ser uma pessoa religiosa muçulmana, eu seria rechaçada. A questão se torna ainda mais delicada pelo uso do hijab (véu), que identifica muito facilmente uma mulher muçulmana, enquanto os homens passam mais desapercebidos”, relata a professora.


Algo parecido ocorreu com Enzo Snitovsky Onodera. Mestrando em História Social pela FFLCH, ele estuda o êxodo das comunidades judaicas durante o período babilônico. Sem peiot ou quipá (corte de cabelo e espécie de chapéu tradicionais aos judeus ortodoxos), ele não segue o estereótipo de religioso, mas entende que seu conhecimento pessoal sobre o judaísmo é determinante para a qualidade da ciência que produz na universidade. “O que eu estudo como pesquisador não tem a ver com a teologia, não tem a ver com a filosofia judaica”, conta ele. “Eu estudo um povo deportado, fruto de uma migração forçada, e isso tem a ver com os interesses que eu tive quando era criança e ouvia a história dos meus bisavós.”

Para muitos, a produção de ciência na USP e o envolvimento com uma religião possui um objetivo em comum: honrar uma ancestralidade que não teve acesso a nenhuma dessas liberdades. A doutoranda em Mudança Social e participação política pela EACH-USP, Eliane Almeida, iniciou-se no Candomblé depois de descobrir que essa relação já vinha de muitas gerações em sua família, mas foi invisibilizada pelo preconceito. Ela relata que, mesmo na EACH – que acolhe diversos estudantes, docentes e funcionários pretos, além de vertentes de pesquisa sobre o racismo –, muitos relutam em se identificar como abertamente religiosos por seguirem crenças de matriz africana, como o candomblé, umbanda e macumba. “Quem é de axé não sai de casa sem proteção, a guia, que é uma pulseira ou colar. É engraçado, porque nós nos reconhecemos sem falar palavra. Mas é impressionante como quem tem preconceitos também reconhece, e daí te olha feio”, conta.

Para esses uspianos, não há relação de oposição entre ciência e religião. Pelo contrário. Francirosy faz questão de relembrar que a primeira universidade do mundo, al-Qarawiyyin, foi fundada por uma mulher muçulmana em 859 e é reconhecida como patrimônio cultural pela UNESCO. João Vitor Galacho, estudante do quinto período de Engenharia Naval, que conduz os encontros do Pockets na USP, analisa que “existe uma histeria até dentro da própria Igreja em achar que a universidade não é um espaço para falar sobre religião, que ninguém liga para esse assunto. Entretanto, na sua experiência, o que ele vê na USP é diferente.

O estudante defende ainda que “as pessoas precisam ter maturidade, como sociedade, para entender que o ser humano é plural, que ao mesmo tempo em que ele é acadêmico, ele pode ter fé.”

[Gráficos: Maria Trombini e Thaís Helena Moraes/JC]