BARBEIROS ENCONTRADOS NO CAMPUS não preocupam especialistas

Apesar da comunicação com alarde, a espécie prevalente na Cidade Universitária tem baixo potencial de infecção

Por Beatriz Pecinato, Gabriel Silveira e Mariana Rossi

“INSETO BARBEIRO ENCONTRADO NO CAMPUS DA USP”: foi com esse título, escrito em caixa alta como a manchete deste texto, que a comunidade USP se deparou ao abrir o e-mail enviado pela Prefeitura do Campus da Capital no dia 18 de dezembro de 2023. O comunicado informava que os insetos achados estavam infectados com Trypanosoma cruzi, agente causador da Doença de Chagas. Análises posteriores, porém, indicaram que a espécie na Cidade Universitária tem baixo potencial de contaminação. 

Para Daniel Baracho, estudante de biologia, a mensagem não lhe causou preocupação por conta de seu conhecimento do assunto, mas ressalta: “Tanto o título como o início do corpo do texto podem causar alarme, talvez pânico, em algumas pessoas”.

O site do Governo Federal define a Tripanossomíase americana – outro nome dado a Doença de Chagas – como uma infecção causada pelo protozoário Trypanossoma cruzi. Entre seus sintomas, estão a febre prolongada, dor de cabeça e inchaço no rosto ou nas pernas. Sem o tratamento adequado, após cerca de 20 ou 25 anos, o paciente pode apresentar outros sintomas como a insuficiência cardíaca, característica pela qual a doença é mais conhecida, e problemas digestivos, como o desenvolvimento do megacólon e megaesôfago.

Em humanos, a infecção ocorre, geralmente, pelas fezes de um barbeiro contaminado. “Quando esse inseto chupa o sangue de um indivíduo infectado, seja um ser humano ou um mamífero pequeno, como um gambá ou um tatu, ele adquire o parasita – que sofre transformações no intestino dele e se diferencia em tripomastigota metacíclico, que é a forma infectiva”, explica Silvia Beatriz Boscardin, professora do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da USP. “Então, quando esse barbeiro pica para se alimentar de um novo hospedeiro, ele defeca. A contaminação acontece na hora que se coça a área, porque as fezes são transportadas para dentro do local da picada”.

Reprodução do email enviado pela Prefeitura do Campus para a comunidade USP

Presença em áreas de mata é normal

Paulo Andrade Lotufo, superintendente de Saúde da USP, ressalta que há uma diferença entre os tipos de insetos, a quantidade de parasitas que carregam e os locais em que habitam. Parte da transmissão da Doença de Chagas acontece pelo Triatoma infestans, uma espécie de barbeiro que carrega uma grande quantidade de tripanossomas, protozoários responsáveis por causar a doença. Esses insetos costumam se aninhar em habitações humanas, o que facilita a infecção. 

Os barbeiros encontrados na USP correspondem à espécie Panstrongylus megistus que, segundo Paulo, costumam viver em áreas de mata sem contato com os humanos e carregam quantidades pequenas de protozoários quando comparados ao gênero Triatoma. “A capacidade de transmissão do Panstrongylus megistus é baixíssima”, afirma.

Silvia reforça que esse tipo de barbeiro é muito comum em grandes reservas. Natural da Mata Atlântica, esses insetos vivem em ambientes úmidos e escuros, geralmente em árvores e tocas. “A USP é super arborizada, acho natural que isso [a presença de barbeiros] fosse acontecer. Mas a chance dele sair da toca a noite e te picar é muito baixa”, enfatiza.

Sem explicações claras, novos e-mails ou comunicados oficiais sobre o assunto, a situação com os barbeiros se tornou uma incógnita aos estudantes. “Foi um e-mail e não falaram mais nada. Isso dá um sentimento de que a situação está sob controle”, conta Daniel. Ao mesmo tempo, o aluno relata que, por seu curso estar próximo da Reserva Florestal da USP, fica preocupado – tanto em relação aos insetos, quanto à presença de pequenos mamíferos que são reservatórios de doenças.

O que, de fato, fazer?

Segundo Paulo, a abordagem no e-mail que pedia aos alunos para coletarem os barbeiros com uma pinça e um pote foi um equívoco. “A estratégia é até cômica, porque não são itens que um estudante comum carrega em sua circulação na universidade, como luva, pinça e recipiente”, diz o estudante Daniel. Silvia também entende que esse pedido não foi uma medida efetiva.

A ação mais importante, conforme o superintendente de Saúde, é não alimentar os animais que frequentam o campus, como cães, gatos, ratos, saruês e saguis. “​​Se os mamíferos que habitam essas matas forem atraídos para edificações, eles trarão consigo alguns barbeiros”, explica.

Essa, no entanto, é uma prática comum. “Já presenciei pessoas alimentando micos perto do IGc (Instituto de Geociências)”, conta Daniel. “E isso é um problema. Para além das doenças, pode causar diabetes e problemas gastrointestinais nos micos, além de questões dentro da ecologia da população.”
A professora do ICB ressalta que não há risco de contaminação pela mordida desses mamíferos, já que o protozoário não é encontrado na saliva, mas sim na corrente sanguínea. “É mais fácil pegar outra doença desses animais, como a raiva, do que ser infectado pelos insetos.”, completa.