Quando o espectador também constrói a peça

Moderna, irreverente e questionadora. Assim é a versão do espetáculo As Três Irmãs, de Tchekhov, encenada pela turma 58 da EAD-USP na Mostra Experimentos. Logo nos primeiros minutos, o público é levado a um pátio aberto, nos fundos do teatro, sem cadeiras ou arquibancadas. Com elenco e espectadores num mesmo espaço, a peça começa: Irina Prozorov, a irmã mais nova, grita aos ventos seus sonhos de juventude. “Eu quero tudo o que me é de direito!”

Celebra-se o teatro moderno, do improviso e do cotidiano. A peça ganha ares contemporâneos – se passa já nos anos 2000 – mas os conflitos das três mulheres ainda são os mesmos da pequena burguesia russa de cem anos atrás. Presas em vidas monótonas, elas se perdem em lamentações e romances incertos. A trama não é convencional: não há um conflito claro, um clímax e uma solução, mas sim vários dramas diários e um sentimento constante de desilusão, que basta para envolver a plateia.

Espetáculo traz obra de enredo fragmentado do fim do século XIX aos dias atuais
Espetáculo traz obra de enredo fragmentado do fim do século XIX aos dias atuais

Não por acaso, a relação com o público parece ser o foco central deste trabalho. Já na sala de espera, os atores se misturam aos visitantes para contar histórias curiosas dos seus personagens. A estratégia funciona e o espetáculo flui como uma conversa entre amigos. O diálogo continua por toda a peça e o espectador logo se vê simpatizando com os acertos e erros dos Prozorov.

A história da família russa parece se prender ao tempo. O passado é lembrado e usado como justificativa para tudo, com a vida em Moscou e a morte do pai. O presente é marcado na parede, com a passagem dos anos e das estações, sem que nenhum plano se realize. Já o futuro é o que move as mulheres, com o sonho de uma vida melhor e o retorno ao passado, em Moscou.

A peça explora o teatro como uma experiência viva, em construção. O ritmo é frenético, jovem e irônico, mas sem se tornar cansativo. Para amantes de teatro, é uma oportunidade para repensar as distâncias entre ator, personagem e público.