Lei antifumo não viola direitos

Professores de Direito afirmam que a lei se justifica por proteger a saúde da população, apesar de restringir a liberdade dos fumantes

“Para discutir a constitucionalidade da lei antifumo [577/2008, que restringe o uso do cigarro em locais públicos fechados] são dois debates distintos: quem é competente para fazer uma lei dessas e se ela pode ser feita”. É o que afirma Virgílio Afonso da Silva, professor do Departamento de Direito do Estado da Faculdade de Direito (FD) da USP. Assim, esses dois pontos devem ser pensados para se discutir a legitimidade da lei.

Nesse sentido, os argumentos favoráveis ou contrários à lei são inúmeros e invariavelmente se referem à restrição de liberdades. Sendo legal a compra de cigarros, deve-se também ser legal o seu consumo. Caso fosse restringido o uso do cigarro em qualquer espaço, público ou privado, isso poderia significar a ilegalidade do próprio cigarro. Porém, da Silva argumenta que não se está proibindo o indíviduo do seu direito de fumar, mas sim restringindo esse direito de forma a garantir o direito à saúde dos não-fumantes. “O fato de você ter um direito não significa que esse direito não possa ser restringido. Você tem o direito de ir e vir, mas isso não significa que você possa ir com o seu carro em qualquer direção.”

No caso de ser julgada a legitimidade da lei, a discussão posterior é sobre a possibilidade do Estado de São Paulo em legislar sobre o tema. Para o professor Fernando Menezes, também do Departamento de Direito do Estado, não existe problema a esse respeito, já que a lei é sobre saúde, assunto que pode ser tratado por todas as instâncias (União, Estados e Municípios).

O contra-argumento é que essa pode ser considerada uma lei sobre Direitos Civis. Nesse caso, somente a União pode fazê-la. Os professores, porém, são enfáticos em defender a legalidade da lei por se tratar de uma promoção de saúde. “O problema é de intepretação. Não existe nenhum termo que seja muito preciso ou que não gere nenhuma discussão. Então a Constituição, mesmo quando ela diz claramente o que um pode fazer ou não, eu posso interpretar esses termos de forma distinta”, esclarece da Silva.

Saúde também é economia

Para o professor Menezes, tudo isso deve ser ponderado: entre proteger a saúde de uma parte da população e evitar o desconforto de locomoção de outra parte, a preservação da saúde deve estar em primeiro lugar. O desconforto acaba sendo uma conseqüência inevitável.

Mas não é somente nesse sentido que a lei promove saúde. Ainda que não seja mensurável, é bastante plausível pensar numa diminuição de consumo de cigarro. Mesmo que não haja fumantes que parem com o vício, ainda assim a restrição faz com que menos cigarros sejam fumados por dia. Assim, o projeto também trata de promoção anti-tabagista.

Para da Silva, essa lei também traz uma questão econômica: quanto menos cigarro for consumido, menos pessoas vão ter câncer causado pela droga, diminuindo o gasto em leitos públicos. Da mesma forma, a diminuição de fumantes passivos causa o mesmo efeito. “Não é descabido pensar que a lei tem o objetivo, mesmo que indireto e a longo prazo, de também diminuir o consumo e, assim, diminuir gastos com a saúde pública”.

Como não virar letra morta?

Para que a lei dê certo, não basta apenas que ela seja editada. Ou seja, ela precisa ser executada, tendo os infratores punidos, para que ela não se transforme em “letra morta”. Para Menezes, isso é possível de acontecer, já que é bem provável que a fiscalização afrouxe depois de algumas semanas que a lei entre em vigor. Mas isso não a torna inútil, já que serve para conscientizar fumantes e não-fumantes sobre a importância de se preocupar com fumantes passivos. Já para da Silva, os próprios não-fumantes se transformarão em fiscais e, com certeza, ajudarão os órgãos competentes denunciando a desobediência às normas.