Criação como instrumento de mobilização

Nas assembléias da Escola de Comunicações e Artes (ECA), nas reuniões de mobilização política ou nos atos e passeatas recentes não foi difícil perceber a presença de formas de expressão que diferem de manifestações mais típicas, como palavras de ordem no carro de som, nas vozes em coro e nos panfletos. Um ato organizado por estudantes, funcionários e professores da USP também conta com flores, livros e computadores.

O JC entrevistou alguns dos agentes desta mobilização com a seguinte pergunta: Qual é, afinal, o papel da arte no atual contexto político da universidade?

Luiz Renato Martins, mais conhecido como Luizito, professor de Artes Plásticas da ECA, não acha que cabe falar em arte nesse momento. Para ele, a USP passa por um processo de transformação radicalmente inovador e o importante agora é produzir linguagem, “não importa se isso é arte, é política, desejo, acontecimento subjetivo… Quem nunca pensou em inventar um signo cenográfico, cromático e etc. e de repente faz isso, está inventando alguma coisa. Quem nunca falou numa assembléia porque é tímido e faz isso, também. Falar isso é arte, isso é política, é uma classificação muito vã”.

O estudante de artes plásticas Danilo Bezerra concorda: “não se trata de uma discussão artística. O que interessa é sua eficácia. Elas são a publicidade do movimento, tendem a aumentar a força simbólica dele, a ação visual traz inventividade e expressividade, seja individual ou coletiva”.
O estudante de física e militante da Ler-qi (Liga Estratégia Revolucionária – Quarta Internacional) acredita, embasado em Trotsky, que não é possível separar arte e sociedade, por isso, para ele, as manifestações artísticas que presenciamos só poderiam ter ser sido criadas no momento político que vivemos hoje.

Lígia Marina, formada em Artes Cênicas pela Unesp, afirma que isso acontece porque em momentos de greve ou de mudança social, sem a imposição de normas burocráticas ou hierárquicas, criam-se novas e melhores relações entre estudantes, alunos e funcionários.

O professor Luizito acredita que a universidade vive uma “explosão de criatividade”. “O interessante é que os estudantes estão inventando o que eles vão fazer. Quando eles falam que vão botar um alvo, montar um canhão de papel ou carregar o monitor na cabeça, tudo isso nenhum professor ensinou”, explica.

Da mesma maneira, os funcionários estão criando o próprio discurso – o funcionário da Edusp Celso Júnior, vai aos atos com uma câmera filmadora na mão. Para ele, o principal objetivo da luta na universidade, através da arte ou da política, deve ser romper as fronteiras da universidade, seja no diálogo com a mídia ou com a comunidade da São Remo.

Luizito complementa que a vontade de romper barreiras sociais como a da São Remo e da USP está diretamente ligada ao atual rompimento dos papéis sociais definidos – trabalhador, intelectual, estudante, artista. “A arte faz parte de uma antiga divisão de saberes. Quando a gente está inventando as coisas está inventando! Não tem mais nome”.

Outra coisa que ajudou a criar o atual contexto, para Lígia Marina, é o fato de “a arte cabe muito mais na nossa vida quando as questões trabalhistas são resolvidas, quando o trabalho não é mais alienado que a gente pode pensar em agir no mundo”.

Luizito considera, inclusive, que é natural essas manifestações minguarem quando não em momento de greve: “quando não estamos em insurreição ou em revolução estamos diminuídos humanamente – é uma condição menor de existência estar submetido, então a insurreição ou revolução tem que ser permanente”.

(foto: Bruna Escaleira/arte: Vandson Lima)