“We are all Khaled Said!”

Um jovem espancado até a morte pela polícia do Egito em junho de 2010. Seu nome: Khaled Said, 28 anos. Seu crime: publicar na internet um vídeo que denunciava a corrupção policial no país. Nos dias seguintes, surgiria no Facebook o movimento “We Are All Khaled Said” (Nós Somos Todos Khaled Said). Dos cerca de 5 milhões de egípcios usuários da rede social no início de 2011, 473 mil estavam na página criada pela indignação da morte de Khaled. Mais tarde, a publicação de convites nas redes para protestos nas ruas por justiça, democracia e dignidade cívica, possibilitaria o fim de 30 anos sob a ditadura de Hosni Mubarak.

Em dezembro de 2010, na Tunísia, um jovem vendedor de frutas comete suicídio ateando fogo ao próprio corpo depois de ter tido seu carrinho de frutas confiscado pela polícia local. Seu nome: Mohamed Bouazizi, 26 anos. A morte, marco do início das reivindicações, mobilizou protestos que foram gravados em celulares, publicados na internet e compartilhados no Facebook. Possivelmente o WikiLeaks também  influenciou o início da revolta entre os tunisianos. Telegramas do Departamento do Estado que mostravam detalhes da corrupção no governo foram divulgados pelo portal no fim do ano passado. Facebook e Twitter tornaram-se os responsáveis por abordar as insatisfações sociais que os jornais locais não mostravam. Aproximadamente 3,6 milhões dos 12 milhões de tunisianos acompanharam a luta popular pelos computadores. O exemplo de articulação online vivido no Egito se repetiu em outras nações do Oriente Médio e deu cara às chamadas revoluções árabes.

“Se o WikiLeaks foi um passo para mostrar como a internet é um espaço onde as pessoas conseguem expor suas opiniões e o governo não consegue tirar do ar, o uso da internet no Egito mostrou que a partir dela dá para se fazer revolução e levar as pessoas para rua”, diz Tiago Madeira, estudante de Ciências da Computação do IME e diretor do DCE. Apesar do tom positivo, o próprio estudante mostra-se descrente com relação às consideradas por alguns ‘revoluções via web’. “Revolução acontece na rua. Não se deve atribuir força demais ao mundo virtual. Aquilo não era um vídeo game, muita gente morreu”, fala o correspondente internacional do jornal Estado de S. Paulo e mestre em Jornalismo pela USP, Lourival Sant’Anna, lembrando de sua cobertura no Egito. Segundo ele, o Facebook é a rede social mais expressiva no mundo árabe e o seu papel se resumiu mais à mobilização do que à conscientização popular no processo das revoluções. “Não adianta fazer movimento no Facebook e na hora que a polícia chega sair correndo. Vi jovens trabalhadores liberais pegarem em armas. Isso não aconteceu no Facebook”.

Cerceamento

Líbia, março de 2011. Um mês após colocar no ar o canal rebelde Al-Hurra (“A Livre”), Mohamed Nabou técnico de uma empresa provedora de internet no país, é morto com um tiro no olho. Seu crime: filmar vítimas e estragos gerados pelas forças armadas do ditador Muamar Kadafi, que tentava sufocar a indignação popular. O episódio pode ser visto como símbolo da repressão midiática vivida nos países árabes em tempo de revoluções contemporâneas. “Não existe jornalismo no mundo árabe. O que existem são empregados do governo fazendo propaganda para o governo”, diz Sant’Anna. O jornalista acredita que, considerando o quadro, redes sociais como o Twitter e o Facebook fomentaram o surgimento do que chamou de “embrião de um jornalismo cidadão”, realizado por pessoas comuns, porém, revoltadas com a situação política e social que viveram

Para Elizabeth Saad, professora titular da ECA e especialista em Comunicação em Mídias Digitais, a repressão vivida em países com regimes políticos instáveis é muito mais ampla do que os frequentemente abordados bloqueios às redes. “Na verdade, o que acontece é um bloqueio à livre expressão e a um novo meio de comunicação que se manifesta pela internet. Esse bloqueio é o mais perigoso, pois visa controlar a opinião, a transparência e a disseminação de vozes múltiplas”, analisa.

Mobilização para poucos

O estudo sobre o acesso às tecnologias de informação publicado pela União Internacional de Telecomunicação (UIT), em 2010, mostra que apenas 25% da população mundial tem acesso à internet. Em 2009, a porcentagem equivalia a 1,7 bilhão de pessoas. A estimativa de penetração da internet nos países ricos era de 64%, enquanto nos países em desenvolvimento o valor equivalia a 12%.  “O que devemos considerar diante da situação atual é que os que têm acesso são formadores de opinião e possuem capacidade multiplicadora para transportar os movimentos sociais da rede para as ruas”, avalia a professora Elizabeth.

Infográfico: redes sociais e ativismo no mundo