Restrições alimentares são ignoradas nos bandejões

Restaurantes da Coseas não oferecem alternativas para portadores de diversas alergias e intolerâncias

Os restaurantes da USP, ou “bandejões”, não estão preparados para atender às necessidades de todos os alunos e funcionários da Universidade. Pessoas com restrições alimentares como doença celíaca, intolerância à lactose, alergias e hipertensão não encontram no cardápio oferecido opções adequadas às suas dietas específicas.

Todos os dias, os nove restaurantes administrados pela Coseas (Coordenadoria de Assistência Social), sendo três deles terceirizados, servem em média 16.350 refeições entre café da manhã, almoço e jantar. Segundo informa o site da Coordenadoria, “o objetivo geral da Divisão de Alimentação é o fornecimento de refeições adequadas considerando-se os aspectos higiênico-sanitário e nutricional, a preço e locais acessíveis à comunidade USP”. Porém, tal adequação e cuidado nutricional não têm sido devidamente seguidos.

Não contém glúten

“Descobri a doença já adulta. Não posso comer pão nem massas”, conta Shirley Freitas, aluna de mestrado da FFLCH, que possui doença celíaca e, no entanto, precisa do bandejão diariamente. Tal restrição alimentar consiste na intolerância ao glúten, uma proteína presente no trigo, cevada, aveia e malte. Nessas pessoas, o glúten não é absorvido pelo organismo e provoca mudanças no revestimento do intestino delgado, prejudicando a absorção de nutrientes.

Shirley diz que a ingestão de alimentos com essa proteína, por mínima que seja, causa um grande mal-estar, como cólicas e diarréia. O não tratamento e negligência à dieta adequada podem trazer complicações mais graves como osteoporose e até câncer no intestino.

“Além de não poder comer glúten, não posso comer nada que tenha entrado em contato com a proteína”, diz Shirley. De acordo com instruções médicas, fornos e microondas que foram usados para assar alimentos com glúten ficam contaminados; por isso, é preciso uma cuidadosa limpeza desses itens. Doentes celíacos também não podem utilizar colheres de self-service que tenham tocado alimentos com glúten, pois isso é suficiente para contaminar um alimento permitido em sua dieta.

“Café com leite”

Outra restrição alimentar é a intolerância à lactose, que consiste na incapacidade de digerir todos os produtos lácteos devido à falta de uma enzima específica, a lactase. Segundo o Ministério da Saúde, estima-se que 37 milhões de brasileiros maiores de 15 anos apresentem a intolerância.

É o caso de Marianna Caran, do 1º ano de Geologia no IGc, que  utiliza o bandejão com frequência. A aluna conta que ao comer um alimento contendo leite e derivados, sofre com terríveis cólicas, podendo ficar até de cama. “No bandejão, tem coisa que já sei que não posso comer, mas outras, como os molhos e cremes, preciso perguntar os ingredientes”, conta ela.

A restrição de Bru­no Ribeiro, ex-aluno da FFLCH e funcioná­rio ECA, é em relação ao sódio, devido à sua hipertensão. “Não posso comer muito sal”, conta ele “mas não tenho muita opção. Já mandei uma carta à administração do bandejão no semestre passado mas eles respon­deram dizendo que não podiam atender minha solicitação”.

Café da Manhã (infográfico: Anna Carolina Papp, Maria Clara Nicolau Vieira e Renata Hirota)
Café da Manhã (infográfico: Anna Carolina Papp, Maria Clara Nicolau Vieira e Renata Hirota)
Suco de cor

As alergias alimentares são comuns no Brasil: acometem cerca de 3% dos adultos, segundo a Associação Brasileira de Alergia e Imunopatologia (ASBAI).  Diferentes alimentos como amendoins, frutos do mar, peixes, entre outros, podem causar reações alérgicas. Ana Carolina Garcia, aluna do 1º ano de Biologia explica que não pode ingerir corantes: “me dá urticária. Fico vermelha e minha garganta fecha. Já fui ao hospital por causa disso”. Ela comenta que por esse motivo não consome os sucos artificiais dos bandejões. “Fico sem tomar nada no almoço, mas preciso ‘bandejar’, não tenho opção. Quando vejo que algo pode fazer mal, nem pego. Na dúvida, só costumo pegar arroz, feijão e proteína de soja”.

Ana Carolina passou mal no semestre passado com reação alérgica após comer em um dos restaurantes da Coseas, mas não soube identificar o que causou. Ela diz ainda que, para sua dieta ideal, teria que ser tudo natural. “Conheço muita gente com alergia que traz comida de casa. Eles [os bandejões] têm que se preocupar, mas só pensam na maioria”. Danielli Sousa, estudante do IME, também tem problemas com alergias: “tomo muito cuidado com o cardápio. Quando tem peixe, nem vou. Se misturam as colheres [do self-service] com algo que não posso ingerir, passo mal”.

Almoço (infográfico: Anna Carolina Papp, Maria Clara Nicolau Vieira)
Almoço (infográfico: Anna Carolina Papp, Maria Clara Nicolau Vieira)
Descaso

A mestranda Shirley Freitas tentou contatar a Coseas para buscar uma solução para seu problema. No primeiro semestre de 2011, ela enviou uma carta à administração do restaurante Central e obteve uma resposta protocolar que, além de não responder às suas dúvidas, reproduziu informações do site da Coseas. O JC teve acesso à essa resposta, em que registrou-se a seguinte afirmação: “sendo restaurantes de porte industrial, fornecendo 10.000 refeições/dia, incluindo cafés da manhã, almoços e jantares, é inviável do ponto de vista técnico o atendimento de sua solicitação. Para atender à individualização de cardápios que visem cuidados específicos com saúde há necessidade de planejamento e implantação de adaptações de espaços físicos, instalações, equipamentos e capacitação de manipuladores, mudanças estas não previstas nos restaurantes desta Divisão.”

Ao ser questionada sobre o motivo de não possuir um cardápio para pessoas com restrições alimentares, a Coseas respondeu à reportagem com a mesma mensagem passada à Shirley. Acrescenta ainda que “na entrada do refeitório ao lado da catraca de acesso são disponibilizados aos usuários a cada refeição os componentes do cardápio e os itens utilizados na preparação. Essa medida visa o esclarecimento dos usuários sobre o tipo de preparação oferecida, seguindo-se os requisitos da legislação de alimentos. Isso possibilita que os usuários possam fazer suas escolhas”.