“A USP não vai se militarizar”, diz Superintendente de Segurança

“Não foi o convênio que trouxe a PM de volta, até porque ela sempre esteve presente” (foto: Nana Soares)
“Não foi o convênio que trouxe a PM de volta, até porque ela sempre esteve presente” (foto: Nana Soares)

Em 29 de março, Luiz de Castro Júnior, oficial reformado Polícia Militar (PM), passou a coordenar a então criada Superintendência de Segurança (SEG) da USP, órgão é responsável pelas atividades de relacionadas à segurança patrimonial e pessoal na Universidade. Com 53 anos, Luiz possui doutorado em Ciências Policiais de Segurança e Ordem Pública e foi Diretor de Polícia Comunitária e de Direitos Humanos na PM em São Paulo.

Parte da comunidade uspiana questiona sua colocação na chefia da segurança, alegando que assim a Univerisidade dá mais um passo em direção à militarização dos campi. O superintendente, no entanto,afirma que não pretende fomentar atitudes repressivas. Em entrevista ao Jornal do Campus, ele fala sobre iluminação, câmeras, catracas e a reintegração de posse da Reitoria.

Jornal do Campus: Quais são as metas e os objetivos da superintendência de segurança?
Luiz de Castro Júnior: As metas e os objetivos se resumem em a gente conseguir uma cultura de paz em todas as unidades USP e também para a comunidade ao entorno. Que a gente seja autosuficiente, minimizando a necessidade do aparato do Estado. É um trabalho conjunto, todos nós somos responsáveis e podemos minimizar a possibilidade de nos tornarmos vítimas. Nós sabemos que o comportamento humano é fruto do ambiente. Então quando o ambiente tiver melhor qualidade de vida, for mais salubre, o comportamento humano tende a acompanhar isso. Se for um ambiente degradado, há uma possibilidade muito grande de termos comportamentos degradados também.

JC: O fato do senhor ter um histórico na PM influencia a visão e as atitudes da superintendência de segurança?
LCJ: Não existe hoje um profissional de prevenção e proteção universitária. Ou são pessoas que tiveram uma formação de segurança pública, ou profissionais especializados na área de proteção de instalações. Prevenção e proteção universitária é um ramo novo que nós estamos estudando. Ele envolve a integridade física, a dignidade da pessoa e também a parte patrimonial. Então a minha experiência em segurança publica, falando em tranquilidade, em salubridade, eu acredito que seja importante para nós ajudarmos a construir essa cultura de paz, até por causa do ramo do policiamento que eu trabalhei bastante tempo na PM. Eu tinha responsabilidade com a filosofia e a doutrina, não só do policiamento comunitário com a interação com a sociedade, mas também com toda a parte dos direitos humanos.

JC: Então o senhor acha que a influência é positiva devido a essa formação em direitos humanos?
LCJ: Eu acredito que sim porque nós não temos nenhum especialista em prevenção e proteção universitária. É um ramo que a USP agora deve começar a trabalhar e quiçá daqui a algum tempo nós tenhamos aí pessoas formadas para tratar especificamente disso.

JC: E como será a formação dessas pessoas?
LCJ: Através de cursos. Nós estamos formatando cursos em questão dessa prevenção e proteção universitária. Esses cursos não envolvem somente a questão de segurança propriamente dita, mas também o relacionamento interpessoal, a psicologia comportamental, e o tratamento com os jovens, bem como a forma de nos comunicarmos. Vamos colocar esses cursos em teste  provavelmente a partir do mês de agosto. Além disso, queremos saber qual a percepção da comunidade uspiana sobre a presença do vigilante universitário. O que eles sentem, quais as alterações que eles acham necessárias, quais são os espaços de medo, se é que existem, sempre ouvindo bastante a comunidade. É uma construção que não é isolada da superintendencia de segurança, estou pedindo apoio das diversas áreas de conhecimento.

JC: E como o senhor pretende ouvir a comunidade?
LCJ: Nós vamos buscar o desenvolvimento de algum instrumento de comunicação. Além da telefonia, que já é comum, e correios eletrônicos. O que importa é que se estabeleça esse canal de comunicação para nós recebermos, não somente críticas ou queixas, mas também sugestões e até elogios. Esse canal poderia atender não só a superintendência de segurança, mas de repente é um elogio em questão das refeições que nós servimos aqui nos restaurantes, ai serviria como motivação  em questão do pessoa da Coseas.

JC: Como é possível estabelecer uma relação melhor com a comunidade USP, especialmente depois dos protestos contra a atuação da Policia Militar no campus?
LCJ: Eu acredito que principalmente trocando idéias. O dialogo é a arma mais importante do Estado democrático de direito, então muitas vezes, por não conhecer um assunto a fundo, as pessoas podem ter uma percepção equivocada. Quando se fala em regimes de exceção ou de antigas manifestações eu confesso para vocês que eu não vivi isso, conheço pela história. Eu tenho certeza que a maioria das gerações uspianas não viveram isso. O passado é importante, mas  acho que temos que construir um presente e um futuro. Acho que está na hora de nos unirmos e fazermos um presente bonito e um futuro melhor ainda, sem qualquer revanchismo porque somos uma geração que não viveu efetivamente esse período.

JC: Mas há uma questão no presente, que é a dos alunos se colocando contra o convênio  da USP com a PM.
LCJ: É pela falta de diálogo. Eu tenho escutado bastante aquela frase “fora PM” e eu tenho falado bastante a respeito disso: fora PM de onde? A PM está nas áreas de uso comum do campus, porque nós estamos sendo vítimas de delitos, e quando nós somos vítimas de delitos quem vai agir é o Estado, e o Estado e representado por quem? Pela polícia. Quando a gente fala em áreas de acesso restrito, como salas de aulas, laboratórios, onde nós produzimos conhecimento científico, não há presença policial. Então há um  equívoco muito grande quando se fala “fora PM”. A PM vai continuar agindo nessas áreas comuns como já agia antes. Não foi o convênio que trouxe a policia militar de volta, porque ela sempre esteve presente. A legislação foi feita para ser cumprida em todo o território nacional, e a USP não é diferente.
A USP não contratou um coronel  da policia militar, ela contratou um especialista na área de segurança com todas as formações necessárias. É um equívoco muito grande falar “a USP esta trazendo um coronel”, eu fui coronel quando eu estava na policia militar, hoje eu sou superintendente da USP dentro da especialidade de ordem pública, trabalhando tranquilidade, salubridade e segurança também. Essa questão de “vai se militarizar a guarda”, muito pelo contrário, nós estamos na contramão de direção de quem esteja imaginando isso. Eu sempre gestionei policiamento comunitário,direitos humanos, é a minha tônica. Não temos intenção nenhuma de termos aqui atitudes repressivas. Acho que todo cidadão tem direito a fazer tudo que ele julgue de seu interesse e, por sua vez, essa liberdade vem com a responsabilidade. Todos podemos fazer o que nós quisermos, mas logicamente se extrapolarmos o que é de direito, seremos responsabilizados também.

JC: O Sr. comentou que a policia militar já estava no campus antes desse convênio, então por que ele foi criado?
LCJ: Com o convênio, além de toda essa evolução da policia militar em direitos humanos, vieram alguns instrumentos junto com o policiamento comunitário. Por exemplo, visitas comunitárias,  que é o policial visitar cada um dos residentes ou estabelecidos numa área geográfica onde ele trabalha.
Outra situação que o convênio traz é a gente poder trabalhar conjuntamente de forma que possamos dar atendimento em toda a área geográfica USP, sem sobreposição. Sem o convênio, às vezes ocorria a presença da policia e da GU no mesmo local, enquanto em outros não tinha ninguém. O convênio estabelece essa sintonia, essa harmonização de ações.
Então o que possibilita esse convênio, são ações não repressivas e sim pró ativas preventivas. Quando você tem um retrato melhor a respeito do cotidiano em questão de ações anti-sociais e até mesmo o delito ele propicia que você consiga prevenir ao invés de reprimir. Houve uma baixa bastante grande em questão dos índices de registros criminais pela policia. Isso é o retrato dessa harmonização.

JC: Quanto ao plano de iluminação, ele está finalizado, existe uma previsão?
LCJ: Estamos em fase de licitação desse projeto, que deve ser colocado em prática a curto ou médio prazo, porque é uma necessidade já verificada. Mas não tem previsão de finalização porque enquanto não termina o processo licitatório não podemos estabelecer um prazo.

JC: Existe algum plano de instalação de câmeras ou catracas?
LCJ: Nós já temos alguma coisa de circuito de câmeras nas áreas comuns. Porque nós não teríamos condições de termos um vigilante em todos os locais para poder atender toda essa expectativa, porque a Cidade Universitária o nome já diz: é uma cidade, né? Mas já deixo bem claro que é áreas em comuns, visando à prevenção. Ninguém está colocando “não, vamo vigiar os passos de cada um, cercear a liberdade” não. A intenção é que nós tenhamos a possibilidade de darmos uma resposta rápida e eficiente no caso de alguém de nós nos tornarmos vítimas.

JC: Essas câmeras são monitoradas?
LCJ: Para dizer a verdade, hoje em dia elas não têm o monitoramento que deveriam ter. Porque se ninguém estiver olhando, como que eu vou dar tempo-resposta? Além disso, às vezes um circuito não fala com outro, em questão de software ou coisas do tipo, então estamos analisando isso.

JC: E as catracas, elas são parte do plano?
LCJ: Olha, eu não vejo catraca em local nenhum aqui, salvo em algumas unidades justamente para permitir um ambiente de tranquilidade, salubridade e desenvolvimento da produção científica. E a administração central não intervém, devido à independência administrativa das unidades. Agora se você perguntar: haverá catraca nos acessos da USP? A princípio não, até porque já foi criada uma cultura nesse sentido e não seremos nós que iremos contra a vontade da maioria.

JC: Muita gente acredita que uma maior circulação de pessoas dá mais segurança. O que o senhor pensa disso? Há planos para abrir as portarias aos fins de semana, por exemplo?
LCJ: Eu penso muito na finalidade da Universidade. A finalidade primeira é a produção científica. E essa produção científica se faz normalmente de segunda a sexta-feira. Durante a semana tem os professores, alunos e funcionários aqui, e eles têm a sensação de pertencimento. Muitas pessoas que utilizam a USP vêm esporadicamente e não têm essa sensação de pertencimento. E quando nao se tem essa sensação, você também não tem vontade de conservar, cuidar.. Dada essa situação, eu penso que quando a grande maioria do público USP estiver aqui, ela é aberta.

JC: Além desses fatores, o que mais está previsto no plano de segurança?
LCJ: A motivação de termos essa sensação de pertencimento e contribuirmos. Eu tenho convicção que se cada um contribuir com isso de ter a USP como um local sagrado, um berço do conhecimento e ajudarmos a preservar, vai se minimizar naturalmente as ocorrências de delito, de comportamentos antissociais. Aí há uma expectativa muito grande de que cada vez menos nós tenhamos a intervenção da polícia
A USP é exemplo em tantas coisas, será que nós não podemos ser exemplo também nessa cultura de paz? Eu gostaria de deixar esse recado, que nós estamos totalmente abertos a receber críticas, sugestões e opiniões porque nós precisamos saber dessa percepção para fazer melhor. Não quero errar por achar que estou fazendo uma coisa adequada e não estar atendendo à expectativa da nossa comunidade.

JC: O plano de segurança inclui uma guarda feminina?
LCJ: Sim, logicamente. Qualquer órgão hoje em dia tem que trabalhar com a diversidade humana no todo. Nós estamos estudando, porque o funcionário USP é concursado. Então não temos o controle do sexo de quem entra. Se eu falar “quero contratar tantas mulheres” tudo bem, a gente vai verificar e, de acordo com a necessidade, montar uma proposta de concurso e abrimos vaga específica. Essa é uma expectativa que nós esperamos atender. Não digo a curto prazo porque dependemos dos processos de seleção, porque é um concurso público. Eu acredito que é muito necessário. Mas eu espero também que essa alteração no número de agentes do sexo feminino não seja por motivo de cometimento de delitos, esperamos trabalhar na parte preventiva.

JC: Qual o procedimento para possíveis casos de abuso de autoridade ou desrespeito aos direitos humanos?
LCJ: Ação em cima da lei. Ação penal, se for o caso até ação cível e indenizatória. É o mesmo procedimiento que existe em qualquer local. Qualquer ato de abuso de autoridade, de violência, etc, deve ser apurado. Eu espero que nós não tenhamos nenhum excesso por parte de nenhum agente do Estado, da polícia e nem por parte da comunidade uspiana. Qualquer manifestação é válida,para poder às vezes mudar alguma coisa, nós temos que reivindicar. Mas a reivindicação não indica ações violentas, ações de depredação.

JC: Qual a opinião do senhor sobre a reintegração de posse da reitoria em relação ao contingente de policias proporcionalmente ao de estudantes?
LCJ: Quanto à reintegração de posse em si, foi feita uma ação judicial de retomada. A polícia não invadiu a USP, ela cumpriu uma ordem judicial de retirar pessoas que haviam invadido. Eu lamento qualquer episódio desse tipo. Eu não participei do planejamento e nem acompanhei a ação, mas acredito que o contingente foi colocado para evitar qualquer situação de uso da força. É uma técnica comprovada que quando você tem uma superioridade numérica, você inibe a ação contrária das pessoas que estão executando a ação ou praticando algum delito.