Odilon: leitor do mundo, em caracteres matemáticos ou não

Foto: Silvio Augusto Jr.

Quando o professor disse aos alunos de matemática da Universidade de Sorocaba que um garoto de 14 anos iria dar uma aula em seu lugar, eles não acreditaram. Di, como era chamado o menino, já tinha o conhecimento suficiente de geometrias não euclidianas para ensiná-los. Encarou o desafio de preparar a aula que daria a mais de 100 pessoas com uma  bibliografia em espanhol.

Ele não gostava de ser chamado de gênio e sempre que começavam a falar dessa forma tentava desviar a conversa para outro assunto. “Quando as pessoas querem resumir algo que elas não entendem muito bem dão um nome. Aí diziam ‘ah! gênio!’. Eu não achava que eu fosse, eu só tinha um envolvimento muito intenso com aquilo e me empenhava. Acho que se tinha alguma coisa diferente era o meu envolvimento, meu gosto pela coisa”. Odilon Luciano não fazia ideia de que o livro Biografia da física de George Gamow o levaria a se tornar professor do Instituto de Matemática e Estatística (IME) com apenas 18 anos.

Ao ler a obra, que tratava de assuntos instigantes como o Big Bang, o menino percebeu que teria de saber mais de matemática para entender a física.  “Aí comecei a pegar um monte de livros sobre o assunto, o que passava pela frente”, conta o professor. Assim, livros de cálculo e álgebra chegavam às ávidas mãos de Odilon, que os consumia rapidamente. Nem mesmo apostilas de cursinho ou os velhos livros da biblioteca da escola escapavam ao garoto.

Em poucos meses ele já estava precisando de novos volumes. Com o dinheiro da venda de artigos de couro (cintos, bolsas, camafeus) que ele fazia, veio visitar uma tia em São Paulo e comprou alguns livros. Lá em Itapetininga, onde morava, não havia livrarias boas na época. Voltou com vários e continuou seu ávido estudo. Seu pai  e sua mãe, ferroviário e dona de casa, não faziam ideia de tudo o que seu filho autodidata estava aprendendo.

À procura de mais livros, Odilon havia batido à porta do porfessor Paulo Rage Zaher, que dava aulas para o ensino médio em sua escola e era conhecido em Itapetininga por ter uma biblioteca em sua casa. Como nem ao menos conhecia o garoto e muito menos sua aptidão para aprender matemática, Paulo nunca o atendera. “Mas depois que eu vim para São Paulo e estava com um livro de Cálculo avançado debaixo do braço, o segundo volume, porque eu não encontrei o primeiro, ele veio conversar comigo”. Em um dia de excursão da turma de Paulo, Odilon estava utilizando a sala como local de estudo. “Ele me perguntou o que eu estava fazendo com o livro avançado de matemática. Disse que estudando. Então ele me perguntou se estava entendendo algo e eu disse que achava que sim”.

Depois do encontro fortuito o professor disse que ele podia começar a frequentar a sua biblioteca e os dois passaram a estudar juntos. “Ele disse: ‘Daqui pra frente você vai poder ir lá, pegar o livro que você quiser. Mas corta esse cabelo!’”. Além de professor no colégio, Paulo era professor na Universidade de Sorocaba e, algum tempo depois, convidou o garoto para dar uma aula lá, a qual foi citada no começo desta matéria.

Os jornais não demoraram a noticiar que um “menino gênio” de Itapetininga tinha ministrado uma aula na Uniso. Com a repercussão que teve a notícia ele ficou um pouco mais conhecido e começou a frequentar as salas dos professores da escola. Um deles o levou para assistir um curso de um professor do IME, Sebastião Ferreira, na Uniso.

Mas o menino já sabia muito e elaborava perguntas complicadas demais em relação ao nível do curso. Sebastião pediu para que ele parasse de fazê-las, mas o convidou para ir à USP quando quisesse. E ele foi. Logo ao chegar, encontrou o Professor Edison Farah, uma lenda no Departamento de Matemática.

Foi nesse dia em que a história de Odilon com a USP começou. Depois de vários “testes” feitos pelos professores e alunos de pós-graduação e algumas frases de amedrontamento, aquele aluno do ginásio voltou para Itapetininga com a inscrição para o curso de verão feita.

Durante o curso, os professores perceberam que ele conseguia acompanhar muito bem as aulas e resolveram pedir a matrícula dele na graduação de matemática da USP. O reitor da época, Waldyr Muniz de Oliva, era da matemática e reconheceu que o garoto deveria poder estudar no IME. “Os professores propuseram e eu consegui uma autorização oficial para cursar, como aluno ouvinte, mas podendo aproveitar os créditos depois que  eu acabasse o ensino médio”.

No ano seguinte ao fim do colégio, em 1976, prestou vestibular, validou o seu diploma e, e já em 1978, foi contratado como professor pela USP para ministrar sua primeira disciplina oficial, História da Matemática. Mas para um rapaz de 18 anos não era sempre vantagem ser professor da renomada universidade da capital. “Quando eu comecei a andar de moto e a andar com um pessoal que era mais aventureiro, eu não contava que dava aula aqui”, diz o professor.

Quanto às amizades, ele nunca se encaixou no que seria o estereótipo de um nerd. “Eu achava legal ter amizades de todos os lados. Eu conhecia esse pessoal que era catedrático, que tinha 60, os que tinham 40, 20, adolescentes”. Tanto no colégio quanto na faculdade ele mantinha boas relações. Passado o primeiro ano da faculdade, em que ele quase só estudou, começou a conhecer um “pessoal alternativo”, como disse. “Eu sempre gostei do pessoal do meio mais artístico, literário, cinematográfico”.

Além do gosto por arte, Odilon se interessa em várias correntes religiosas, diz ter muita afinidade principalmente com o budismo.  Ele se diz contra apenas ao dogmatism, que, para ele, é simplesmente um atraso espiritual. Sua visão de mundo atravessa várias correntes: Umbanda, Kardecismo, Hinduísmo, Xamanismo e até Cristianismo em sua origem. “Todas essas linhas que eu mencionei têm algo em comum, que é um núcleo sagrado, uma unidade de emanação divina de onde irradiam todas as manifestações, sejam espirituais ou materiais. Têm uma unidade infinita, absoluta, eterna”.

Uma foto de Sebastião Salgado, símbolos indiano, um dragão de madeira. Sua sala, decorada desde a porta até o teto, demonstra bastante de seus lados artístico e religioso. Hoje, Odilon se interessa pelos mais variados assuntos, do infinito matemático ao infinito de onde emanam todas as energias da terra. É o que demonstram a quantidade de informação impressa que lota sua pequena sala no IME. Quando se interessa por algo, diz o professor, pesquisa o máximo que pode. Ele já chegou a comprar mais de 150 livros sobre um mesmo tema em pouco dias, pois gosta de tê-los sempre à mão.

Seja pela facilidade que teve para aprender matemática quando criança, por sua sala abarrotada de conhecimento, por suas singularidades religiosas ou por qualquer outra excentricidade não citada, ele sempre será alguém fora dos padrões e é isso que o torna tão livre para aprender o mundo em suas diversas leituras.