Produção da FSP sobre violência no parto leva prêmio internacional

Com depoimentos de 24 mulheres que relatam casos de violência durante a gestação e parto, o documentário “Violência Obstétrica – A Voz das Brasileiras” conquistou o primeiro lugar da Mostra Audiovisual do 10º Seminário Internacional Fazendo Gênero, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

Documentário da FSP mescla dados e depoimentos de gestantes

O projeto faz parte do grupo de pesquisa Gênero, Maternidade e Saúde liderado pela professora Carmen Simone Grilo Diniz do Departamento de Saúde Materno-Infantil da Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.

O projeto tem a autoria das pesquisadoras Ana Carloina Franzon, Bianca Zorzam, Heloísa de Oliveira Salgado, doutorandas pela FSP-USP, e Ligia Moreiras Sena, orientada pela professora Carmen na UFSC, com a parceria da blogueira Kalu Brum e do videomaker Armando Rapchan.

Fruto do ciberativismo que une diversas pessoas em prol da humanização da assistência ao parto por meio da internet, teve seu início a partir de blogagens coletivas para divulgação da temática. Em 2012 foi lançado o convite para as mulheres darem seus depoimentos sobre os traumas sofridos durante o parto.

“Contaram piada na sala de ultrassom e não diagnosticaram o problema…meu bebê morreu”, “nem animal é tratado dessa forma”, “fui tratada como uma prisioneira, uma criminosa”, são frases dessas mulheres que se voluntariaram a dar voz a essa violência. Os 51 minutos de depoimentos intercalam os relatos de mulheres dos mais diversos cantos do Brasil que se ofereceram para dar voz a essa temática.

O documentário, com filmagens realizadas pelas próprias mães, traz uma compilação dessas memórias de desrespeito, humilhação e agressão verbal ou física sofridas por elas. Ana Carolina e Heloisa relatam que o vídeo foi produzido partindo de um roteiro de perguntas e outro que orientava a gravação e o envio dos arquivos. Tudo foi feito utilizando ferramentas da internet e editado pelo grupo durante as “muitas madrugadas”, como lembra Kalu Brum.

Alex Vailati, da comissão organizadora da Mostra, ressalta que esse recurso inovador destaca o documentário. “As entrevistas produzidas voluntariamente por meio do computador permitiram um ar mais natural durante as falas”, pontua Vailati.

Para as organizadoras, “as mães sempre foram os atores mais importantes, e essas ações só alcançaram sucesso porque muitas mulheres estiveram fortemente comprometidas em partilhar suas experiências pessoais”. Agrega-se ao fator técnico a longa pesquisa por trás da obra, como comenta o organizador.

Concorrendo com outras 28 produções selecionadas para a Mostra, o filme foi eleito o melhor pelos votos do público. Vailati ressalta ainda que um vivo debate foi promovido pelo filme após a exibição. As autoras comentam também sobre os casos de violência obstétrica vindos dos presentes, “o que inclui relatos de sair durante o filme por não ‘aguentar’ assistir ao sofrimento relatado daquelas mulheres”, como destacam.

Disponível para visualização online, o documentário atingiu 50 mil visualizações nos primeiros três dias, segundo o grupo. A abrangência da internet, que possibilitou a própria realização do projeto, gerou uma repercussão bastante positiva para o projeto. “Foram inúmeros os depoimentos de profissionais que relatam terem se identificado, questionado e mudado sua prática a partir do depoimento dessas mulheres”, acrescentam Ana Paula e Heloisa.

Estudos da Fundação Perseu Abramo apontam que uma em cada quatro brasileiras sofre algum tipo de violência no parto, segundo dados da pesquisa Mulher e Gênero nos Espaços Público e Privado, realizada entre os anos  de 2010 e 2011.

Entretanto, o grupo de pesquisa da Faculdade de Saúde Pública estima que esse número seja muito maior, já que incluem-se na ideia de violência obstétrica outros fatores como a agressão psicológica, o uso de medicamentos sedativos e a indução a cesária desnecessária, por exemplo.

Ao inscrever o documentário na Mostra, o grupo de pesquisa não tinha ideia que seria um evento competitivo e não puderam estar presentes na premiação por marcarem as passagens de volta logo após suas apresentações no Congresso.

A notícia foi recebida com grande surpresa e teve intensa repercussão tanto na área de pesquisas acadêmicas de gênero quanto para o movimento feminista e de humanização do parto.