USP: instituição de ponta ou universidade de massa?

Comemorando 80 anos, USP debate caminhos que pretende seguir para manter relevância educacional (Foto: Dimitrius Pulvirenti)

“Como deve a USP modificar-se para continuar ocupando uma posição importante na sociedade brasileira?”. Essa pergunta foi feita pelo Reitor Marco Antônio Zago aos debatedores do último seminário “A USP e a Sociedade”, durante sua fala de apresentação. A questão resumiu a dúvida que permeou os debates organizados em comemoração aos 80 anos da Universidade: o caráter da USP como instituição de massa ou universidade de ponta.

Entre 2007 e 2011, a Universidade de São Paulo, que conta com mais de 90 mil estudantes e um orçamento com receita similar à cidade de Guarulhos, foi a 10ª maior instituição de ensino no mundo em número de pesquisas publicadas, de acordo com o ranking SIR World Report 2014. Por outro lado, o ranking coloca a USP na 3180ª posição em impacto de pesquisas e a Universidade ainda passa por uma grave crise orçamentária.

PÚBLICA SIM, GRATUITA TALVEZ

Para Elizabeth Balbachevsky, professora da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) e vice-coordenadora do NUPPs, o Núcleo de Pesquisa sobre Políticas Públicas, “não é possível ter uma boa universidade de pesquisa que seja ao mesmo tempo uma instituição de massa. Nenhum país conseguiu isso”. Experiências desse tipo foram tentadas em países como Argentina e no México, com resultados pouco satisfatórios. As grandes universidades desses países têm corpo docente contratado por hora-aula, com salários baixos e sem dedicação à pesquisa.

Em 2000, a Reitoria organizou a Comissão de Defesa da Universidade Pública, que culminou no documento “A presença da universidade pública”. O documento defendeu a importância da gratuidade. Segundo o documento, a cobrança de mensalidades era uma “falsa boa ideia”. Depois de 14 anos, Elizabeth Balbachevsky concorda com a defesa do ensino superior público: “Nenhum país pode prescindir da existência de universidades públicas”. A professora, entretanto, acredita que o debate sobre mensalidades não pode ser demonizado. A tendência mundial é a política de cost-sharing, que divide os custos de formação entre Estado e aluno. Entre os países que introduziram a política estão Holanda, China, Reino Unido, Alemanha e a Coréia do Sul. A ideia é cobrar “de alunos provenientes de famílias mais ricas e, em alguns casos, mantendo a gratuidade para alunos provenientes de famílias mais pobres”, explicou a professora. Os estudiosos do tema nos países que adotaram esse sistema de financiamento entendem que o ensino superior gratuito para todos, indiretamente, contribui para ampliar a desigualdade. “Há um problema que não queremos encarar, com o fato da sociedade sustentar a formação profissional de alto nível para jovens vindos de famílias de classe A”, contestou Elizabeth.

Ouvido pelo Jornal do Campus, o jurista Rubens Beçak, professor das faculdades de Direito de Ribeirão Preto e do Largo São Francisco, se posicionou contrário à cobrança, mas afirmou que ela não é vedada pela lei. Beçak acredita que a cobrança vai contra o espírito da Constituição Federal de 1988. “Se a Universidade entender que tem que cobrar, não é algo ilegal, não há uma proibição literal. O que eu vejo é uma vedação do espírito da Constituição, uma vedação ético-moral do que é universidade pública no Brasil”, explicou.
Em 2009, a Câmara dos Deputados organizou um seminário sobre as tendências do financiamento no ensino superior. De acordo com os especialistas, o Brasil ainda utiliza o modelo tradicional de financiamento das universidades públicas, que é dependente da transferência de recursos públicos e considerado o menos eficiente e o mais arcaico, também refém do lobby político para aumento da arrecadação e cujos mecanismos de orçamento impedem as universidades de elaborarem um planejamento estratégico, com ausência de incentivo para maior eficiência e competitividade. Uma Comissão Parlamentar Mista de Inquérito, realizada em 1992, chegou à mesma conclusão.

ALTERNATIVAS

O documento da Comissão de Defesa da Universidade Pública afirma que “os verdadeiros sacrificados [pela cobrança de mensalidades], no entanto, seriam os alunos pobres”. O documento defendia a tese de que os estudantes de classes menos favorecidas são os que enfrentam os maiores obstáculos para ingressar na universidade e merecem valorização.
Para Elizabeth Balbachevsky, a cobrança de mensalidades dos alunos não é a única alternativa a ser discutida, no entanto. “A Nova Zelândia, por exemplo, não cobra o curso, mas impõe uma taxa extra sobre o imposto de renda dos profissionais que se formaram nas universidades públicas”. Após suas rendas atingirem um determinado nível, essa taxa é cobrada de forma a reembolsar os custos de sua formação. No Brasil, aqueles que completam a universidade possuem uma renda 157% maior do que os que não tem acesso ao ensino superior, segundo pesquisa feita pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) em 2013.

A mudança na forma de acesso à universidade também está sendo debatida. De acordo com a professora, a USP possui um acesso bastante disputado e tende a recrutar os melhores alunos de cada área. Esse sistema favorece os estudantes dos bons colégios, geralmente de elite, caros e bem organizados, Segundo o Pró-Reitor de Pesquisa, José Eduardo Krieger, atrair os melhores alunos é fundamental. Ele acredita que é necessário ampliar o leque de seleção para além do vestibular, buscando estudantes que se destaquem em Olimpíadas ou com histórico de auxílio à comunidade. “Há vários indicadores que essa é uma pessoa diferente, e são elas que nós queremos dentro da Universidade, não simplesmente aquele que tem um desempenho bom no vestibular”.

Elizabeth ressaltou o papel da Universidade como alternativa de mobilidade social: “A USP pode contribuir decisivamente para diversificar a elite brasileira, e com isso, aumentar a coesão social no país”.

“Eu não quero saber qual é a cor do aluno, não quero saber qual é o credo do aluno, eu não quero saber se ele é rico ou se ele é pobre. Nós temos que viabilizar a maneira de ele estar aqui, se ele precisar de auxílio, nós temos que dar auxílio”, afirmou Krieger.