Universidade reage à investigação sobre a FUSP

Setores da comunidade universitária demonstram insatisfação com processo investigativo

Recentemente, a comunidade uspiana foi surpreendida pela denúncia, publicada no jornal O Estado de S. Paulo, de que a Fundação de Apoio à Universidade de São Paulo (FUSP) contrata empresas de docentes e pesquisadores para realizar projetos firmados com órgãos públicos. De acordo com o Código de Ética da USP, é condenável o conflito entre os interesses pessoais dos servidores e os da Universidade. No dia 17 de agosto, a reitoria enviou um comunicado à comunidade acadêmica, no qual indica a criação de uma Comissão Sindicante para apurar os fatos mencionados na reportagem.

Porém, alguns setores da USP não estão satisfeitos com a resolução inicialmente proposta pela reitoria, seja porque acreditam que ainda falta transparência em relação à forma como se dará a sindicância, ou simplesmente por acharem que não é coerente a existência de uma Fundação privada atuando dentro da Universidade, tampouco a participação de servidores públicos nela. A Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo (Adusp), por exemplo, há anos se coloca contra a existência das Fundações, assim como o Diretório Central dos Estudantes da USP (DCE). Para o professor Ciro Correia, representante da Adusp, “ter uma Fundação de Apoio atuando dentro da USP é algo absolutamente incompatível com a Universidade pública”. Ele ainda critica a postura de Marco Antonio Zago, que, além de reitor da USP, também preside o Conselho Curador da FUSP: “Temos a convicção de que o reitor ser o presidente do Conselho Curador de uma Fundação privada é algo incompatível com o vínculo público que ele tem”.

Já Julia Machini, aluna do 6o semestre do curso de Ciências Sociais, representante do DCE, acredita que as investigações acerca das denúncias envolvendo a FUSP deveriam ser claramente expostas. “Acreditamos que a Comissão Sindicante deveria ser democratizada, fazendo conhecer suas ações e tendo a presença dos três setores da comunidade universitária para realização de profundas investigações”, afirma. Ela também condena a existência das Fundações: “São empresas privadas que, estando dentro da USP, se beneficiam da estrutura, professores, estudantes, marca da Universidade – inclusive sendo responsáveis pela dedicação de professores para além das 8 horas que podem ser concedidas a serviços que fazem parte do regime de dedicação integral à docência e à pesquisa (RDIDP)”.

Investigação

Muitos membros da comunidade USP acreditam que a Sindicância instaurada pela reitoria não será eficaz na apuração do caso, devido ao inegável conflito de interesses existente. Para o professor Ciro Correia, é necessária a ação do Ministério Público: “Não temos nenhuma expectativa de que a reitoria possa apurar o caso, pois ela está diretamente envolvida no conflito de interesses, o qual denunciamos há mais de 10 anos e nunca foi tomada nenhuma providência. ¼ do Conselho Universitário faz parte de direção de Fundação privada de Apoio e isso é absolutamente incompatível com a legislação que rege o setor público”. Para ele, é necessário que o reitor, os pró-reitores e os diretores de unidades deixem de ter vínculos com Fundações privadas: “Como isso não vai ocorrer por iniciativa espontânea, ou por consciência por parte da reitoria, é preciso que o Ministério Público apure esses casos e tome medidas que levem a Universidade a cessar esses vínculos indevidos”.

Segundo André Alcântara, advogado especialista em Direito Público, as investigações da reitoria e do Ministério Público são complementares, já que há três esferas de investigação, a Administrativa, a Civil e a Criminal. “A reitoria é obrigada a adotar um procedimento de sindicância, de apuração, para tomar uma decisão referente à vida funcional dos professores, devido à incompatibilidade desse vínculo que traz benefício indevido”, explica, indicando uma ação na esfera Administrativa. Ao mesmo tempo, na esfera Civil, o Ministério Público é obrigado a investigar o caso, para evitar prejuízos aos bens públicos. “Se há uma denúncia no jornal, a Promotoria de Defesa do Patrimônio Público tem que abrir um inquérito civil para apurar a eventual improbidade administrativa. E vai pedir informações para as Promotorias correlatas, inclusive há a Promotoria de Fundações do Ministério Público, para quem as Fundações devem prestar contas. Então, vão começar a colher informações, e, futuramente, propor uma ação de improbidade administrativa com um conjunto probatório consolidado”, afirma o advogado.

Jonnas Marques, advogado formado pela Faculdade de Direito da USP e doutorando em Direito Econômico na mesma instituição, concorda que as denúncias devem ser investigadas em diferentes esferas: “É necessário avaliar cada contrato para verificar se houve ilegalidade, que pode gerar consequências administrativas, civis e/ou penais para os responsáveis”.

Possíveis penas aos envolvidos

Se comprovadas as denúncias, as penas a que os funcionários envolvidos estarão sujeitos também poderão ocorrer em diferentes esferas, segundo André Alcântara: “Na esfera Administrativa, as penas podem variar de multa, advertência, culminando até em demissão. Pela responsabilidade Civil, podem ter que restituir o patrimônio público. E tem a esfera Criminal, mas é mais difícil haver punições por aí, pois não temos um crime claramente colocado”.

O advogado explica que não é fácil enquadrar os réus no crime de corrupção, sendo mais comum a aplicação de penas ligas à improbidade administrativa. “É mais fácil enquadrar como improbidade administrativa, que é um dano, um prejuízo à administração. Nesse caso, eles podem estar sujeitos a multa; bloqueio de bens; restituição de bens e valores para a administração pública; perda dos direitos políticos; demissão e suspensão do direito de prestar concurso público”, explica.

Expectativas

Para a aluna Julia Machini, a USP deve mostrar que não é conivente com a corrupção: “Esperamos que todos os envolvidos sejam afastados da Universidade, havendo as devidas punições. É inadmissível que, mais uma vez – como ocorreu com os casos de estupro apurados na CPI do ano passado – a USP não tome medidas drásticas contra a corrupção”. Já o professor Ciro Correia destaca a necessidade de medidas que evitem que funcionários públicos ocupem cargos em empresas privadas dentro da USP, dizendo esperar que a reitoria “assuma a postura de uma administração pública e pare de permitir conflitos de interesse, com ocupantes de cargos públicos que são simultaneamente dirigentes de Fundação privada, como é o caso da FUSP”. O advogado Jonnas Marques, que também é aluno da USP, acredita que o momento é oportuno para reflexão: “Sem prejuízo dos processos administrativos e judiciais cabíveis, penso que melhor seria se os dirigentes da USP aproveitassem a oportunidade para repensar, com o conjunto da comunidade acadêmica, o papel e o funcionamento destas Fundações, pois recorrentes escândalos sobre deturpações na relação entre os interesses público e privado indicam a necessidade de mudanças estruturais, ou seja, mais profundas.”

Imagem: Juliana Meres Fonte: O Estado de São Paulo
Imagem: Juliana Meres
Fonte: O Estado de São Paulo

Por Juliana Meres