Alunos da São Francisco exigem afastamento de Ministro

Abaixo-assinado repudia a nomeação do docente Alexandre de Moraes para o Ministério da Justiça

O reitor Marco Antonio Zago e Alexandre de Moraes, quando Moraes ainda era secretário estadual de segurança pública de São Paulo
O reitor Marco Antonio Zago e Alexandre de Moraes, quando Moraes ainda era secretário estadual de segurança pública de São Paulo

Um dia depois de Alexandre de Moraes ser nomeado Ministro da Justiça e da Cidadania do Governo interino de Michel Temer, os estudantes da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, onde ele dá aula, iniciaram uma manifestação em repúdio à sua indicação para o cargo. A mobilização começou com um abaixo-assinado que exige seu afastamento imediato e já passa de 800 signatários, entre alunos e ex-alunos da Faculdade.

O advogado Alexandre de Moraes (PSDB-SP) é formado pela USP, onde também tornou-se doutor em Direito do Estado e livre-docente em Direito Constitucional. É consultor jurídico, professor da Faculdade do Largo São Francisco e da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Em janeiro de 2015, assumiu o posto de secretário da Segurança Pública de São Paulo, cargo do qual se afastou este mês para assumir o ministério, em Brasília.

A atuação do professor na Secretaria foi fortemente criticada depois de uma série de episódios de violência policial em São Paulo. Entre eles, as chacinas de Osasco e Barueri, que deixaram 19 mortos, e tempos depois a de Carapicuíba, que deixou quatro mortos no ano passado. As investigações apontam para o envolvimento de policiais militares, mas seguem sem respostas.

Outra passagem controversa na trajetória de Alexandre pelo Governo de São Paulo foi a atuação na ocupação do Centro Paula Souza este ano. Ele ordenou que a Força Tática da Polícia Militar entrasse no local antes da expedição de ordem judicial de reintegração, ação considerada ilegal na central de mandados do Tribunal de Justiça.

Em março, Moraes foi hostilizado em uma manifestação contra o governo da presidente afastada Dilma Rousseff, quando tentava desobstruir vias ocupadas, e teve de sair escoltado.

O abaixo-assinado

A resposta à nomeação do ministro veio logo depois da oficialização do cargo. O abaixo-assinado está disponível na internet desde sexta-feira, 13, e já foram coletadas mais de 800 assinaturas. De acordo com o Centro Acadêmico XI de Agosto, o documento, agora incorporado também por outras instituições, foi uma demanda dos alunos, e coube à gestão apenas formalizá-lo.

“Aqui já existia uma comoção bem grande, e a gente pensou em fazer um abaixo assinado não em nome do XI de Agosto, mas de forma que os alunos pudessem assinar, participar de uma forma mais incisiva”, explica Matheus Chodin, coordenador do Centro Acadêmico da Faculdade de Direito da USP.

Apesar da gestão se declarar contra o impeachment, Matheus explica que o repúdio à conduta do professor não está vinculado a um posicionamento específico em relação ao afastamento de Dilma Rousseff: “as 800 assinaturas mostram que é quase um consenso na Faculdade. Pessoas que assinaram não são necessariamente contra o impeachment. Temos alguns a favor do afastamento da Dilma, a favor do governo Temer e contra também. [Pessoas] que conhecendo a atuação do Alexandre como secretário de Segurança Pública, se uniram para isso”.

Os centros acadêmicos das faculdades de direito do Mackenzie e da PUC São Paulo, em diálogo recente com os alunos da USP, se mostraram dispostos a aderir ao protesto, e alguns estudantes já estão participando ativamente na divulgação. A ideia é que o abaixo-assinado também se espalhe para os demais cursos da USP e de outras universidades.

A aluna Ingred Souza, diretora do Centro Acadêmico, explica o receio em relação à figura do ministro: “como secretário de Segurança nós já tivemos diversos exemplos de que ele não é uma pessoa razoável. Repressão das manifestações, chacina de Osasco. Todas as atitudes e declarações dele como Secretário de Segurança já eram extremamente preocupantes. Vê-lo num cargo de âmbito federal é mais ainda”. Em janeiro, ao participar de uma manifestação contra o aumento da tarifa, Ingred se feriu ao ser atingida na perna por uma bomba de gás lacrimogêneo.

“Ele ensina direitos fundamentais na faculdade: direito à manifestação, direito à liberdade de expressão. E como chefe da polícia militar mostrava total descomprometimento com isso”, explica Matheus. “Em qualquer manifestação é até plausível a PM estar para garantir a segurança. Mas com os secundaristas ela não estava lá pra manter a segurança, mas para reprimir, para não deixar acontecer. Isso não faz sentido em um estado democrático de direito”, finaliza.

O documento não é unânime dentro do Largo. O aluno André Hungaro, que cursa o quinto ano, não assinou e não considera o tratamento do secretário aos secundaristas um bom argumento para mantê-lo longe do Ministério: “a questão é: ele tem um poder de ação e decisão tal como líder. Ainda que façamos essa dimensão de causalidade entre o que é praticado e o que ele faz, há uma cultura por trás da instituição policial de truculência, e não é de hoje”, diz. “Você querer imputar que a ação da PM é tida dessa maneira por causa do Alexandre de Moraes, é uma visão apaixonada e personificada de que ele seria o grande responsável por isso, e não uma visão prática”, explica.

Por fim, André discorda do Centro Acadêmico e não repreende a conduta ex-secretário: “eu vejo que a posição dele foi uma ação em tempo de crise, de instabilidade política. E, tal como é, há uma dificuldade entre manutenção da ordem e direitos fundamentais. É uma relação que não se pode aplicar diretamente, que ele desrespeitou os direitos fundamentais”.

Mobilização

Não é a primeira vez que os alunos da Faculdade de Direito se mobilizam para criticar a conduta de Moraes. No ano passado, depois da chacina de Osasco, um grupo de aproximadamente 40 alunos, liderados pela gestão do XI de Agosto na época, realizou intervenção durante uma aula do professor. O motivo: o tratamento da Polícia Militar a essa e outras tragédias e os altos índices de mortes decorrentes de confrontos com policiais. Moraes foi criticado por chefiar a Polícia e convidado pelos alunos a participar de uma audiência pública em Osasco. Outros protestos marcaram os dias seguintes ao episódio. De acordo com os alunos, ele não costuma comentar ou reagir a esse tipo de intervenção.

O Centro Acadêmico 22 de agosto, da Faculdade de Direito da PUC-SP, também desaprova as mudanças recentes no Ministério da Justiça. Em carta aberta, a gestão ainda caracteriza o governo do presidente interino Michel Temer como ilegítimo e antidemocrático, e repreende a atitude da professora da universidade, Flávia Piovesan, que aceitou o cargo de Secretaria de Direitos Humanos, agora subordinada ao novo Ministério.

De acordo com o documento, Alexandre de Moraes é conhecido pela “violação aos direitos humanos” e por “ingerências contra os movimentos sociais”. Apesar de demonstrar respeito à trajetória da professora, a gestão se coloca contra sua decisão e a acusa de legitimar as violações de direitos humanos cometidas pela Polícia Militar do Estado de São Paulo ao aceitar o convite.

Moraes ainda não se manifestou sobre o caso e o JC não conseguiu contato com sua assessoria.