Usp tem prestação de contas de 2013 rejeitada

Universidade gastou R$ 700 milhões a mais do que o estipulado pela Lei de Responsabilidade Fiscal com remuneração de funcionários

Luiza Queiroz

 

Foto: Isabella Schreen
Foto: Isabella Schreen

No dia 16 de agosto, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo (TCE-SP) rejeitou, por unanimidade, a prestação de contas da Universidade de São Paulo (USP) no ano de 2013, com base no relatório que apontou irregularidades fiscais. Segundo o documento, a USP gastou mais do que o estipulado pela lei (75% do orçamento anual) com despesas de pessoal. Além disso, o relatório aponta que a USP não dispõe do custo anual de cada curso, desrespeitando a Lei de Responsabilidade Fiscal. A rejeição da prestação de contas levou a uma multa de R$23,5 mil a João Grandino Rodas, ex-reitor da USP que exercia o cargo em 2013. As contas de 2008 (gestão de Suely Vilela) e de 2011 (gestão de Rodas) também não foram aprovadas pelo órgão. As de 2009 (gestão de Suely Vilela até novembro) e de 2010 (gestão de Rodas)  ainda estão pendentes.

O relatório do TCE aponta que houve “comprometimento de 105,5% das receitas oriundas do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) com despesa de pessoal e encargos sociais.”. Além disso, foram concedidos reajustes salariais acima dos índices de inflação aos docentes e demais funcionários, o que, segundo o documento, “certamente contribuiu para agravar a situação relativa às despesas de pessoal da USP. Ademais, a concessão de reajustes salariais por atos do CRUESP [Conselho de Reitores das Universidades Estaduais de São Paulo] contraria o artigo 37, X, da Constituição Federal, que exige lei específica”. Foram constatadas, ainda, irregularidades com relação a acúmulo de cargos dos docentes (a USP relatou 627 casos de acúmulo de cargos, empregos ou funções, assim como 25 ocorrências de funcionários que receberam dupla remuneração, por possuir tanto cargo de docente quanto o técnico-administrativo). Algumas das justificativas apresentadas pela USP no relatório para o aumento das despesas de pessoal foram: a ampliação do quadro funcional, implantação da nova carreira dos funcionários técnico-adminstrativos, concessão de benefícios de auxílio-alimentação, entre outros.

Benefícios:

Questionado sobre os benefícios de auxílio-alimentação, apontados como uma das razões para o o déficit da universidade, o ex-reitor Rodas afirmou que a politica de concessão desse e de outros benefícios é algo implementado por gestões anteriores e que “a gestão 2010/2013 não criou nenhum outro benefício; limitou-se a fazer correções anuais seguindo índices específicos” e que, sobre a ampliação do auxílio alimentação, foi “mais barato para a USP pagá-lo aos docentes, do que aumentar as cozinhas da Universidade, cuja implantação, ademais, demandaria muito tempo”. O ex-reitor ressaltou também que os benefícios vêm sendo mantidos pela atual reitoria, não tendo ocorrido cortes nem diminuição dessas concessões.

Rodas afirma que “lei sugere o limite de 75% para despesas com pessoal, mas não fixa limite mandatório”. Isso verifica-se no trecho do Decreto nº 29.598, artigo 2º: “recomenda-se que as despesas com pessoal não excedam a 75% dos valores liberados pelo Tesouro do Estado às Universidades Estaduais Paulistas”. O ex-reitor acrescenta também que, desde que obtiveram autonomia orçamentária, os custos com funcionários das três Universidades paulistas – Unesp, Unicamp e USP – “em pouquíssimos exercícios anuais ficou abaixo de 75%; normalmente eles estiveram entre 80 e 90%”. Além disso, Rodas ressalta que os orçamentos das três instituições de ensino estão atrelados à arrecadação do ICMS, cuja receita caiu devido à desaceleração econômica. Quanto à concessão de reajustes salariais acima dos índices de inflação, Rodas afirma que a decisão foi tomada pelo CRUESP, não sendo, portanto, de sua responsabilidade individual.

Análises

Para o professor de direito econômico, financeiro e tributário Fernando Facury Scaff, da Faculdade de Direito da USP, a situação de contas e despesas da USP não pode ser analisada de maneira isolada. O docente explica que a avaliação do Tribunal estaria equivocada pois a USP, sendo uma instituição de ensino que precisa de funcionários qualificados e em grande quantidade, não pode ter suas despesas com pessoal avaliadas pelos mesmos critérios que outras unidades públicas. “Para fazer uma Universidade, você precisa de gente qualificada. As universidades como a USP não podem ter o mesmo tratamento jurídico, financeiro que têm as demais unidades do setor público”, afirma. “A aplicação da norma está sendo feita de uma maneira inadequada pelo Tribunal, porque ele não está levando em consideração a diversidade. Portanto, ele não deveria olhar isoladamente a autarquia USP, e sim olhar todo o Estado”.

Entretanto, para o professor de contabilidade e atuária Valmor Slomski, da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA-USP), a USP precisa de um planejamento orçamentário a longo prazo, que não fosse restrito apenas aos quatro anos de gestão. “A USP tem que criar mecanismos que façam com que o reitor não possa tomar decisões antes de observar claramente qual o impacto de sua decisão no resultado orçamentário futuro da USP”, ressalta Valmor. “A receita da USP está atrelada ao movimento econômico, porém a despesa só cresce”.

O professor acrescentou que essa falta de planejamento a longo prazo se reflete também nas diversas obras inacabadas dentro do campus universitário. “A USP me parece que não planeja adequadamente antes de iniciar uma obra, e que isso já não poderia mais persistir”.  O docente criticou também a demora que a Universidade apresenta em adequar-se à Lei de Responsabilidade Fiscal. “Evidentemente, a USP é de antes da Lei de Responsabilidade Fiscal. Se esse padrão de 75% foi definido pelo Tribunal ou pelo governo do Estado já em 2000, estando em 2016, deveríamos ter trabalhado para adequar essa despesa aos níveis estipulados pela Lei. Porque tendo responsabilidade fiscal, a USP não estaria passando por esse problema financeiro”.

Desdobramentos

A situação financeira da USP levou também a um desentendimento entre Rodas e o atual reitor, Marco Antonio Zago, que instaurou processo interno para apurar o aumento das despesas ocorridas entre 2009 e 2014, o que poderia levar à cassação da aposentadoria do ex-reitor. A citação do processo afirma que Rodas “desconsiderou a opinião de técnicos, diretores executivos, ou não determinou que estudos e levantamentos de planejamento orçamentário obrigatório fossem realizados”. O documento afirma também que Rodas deixou de ouvir o Conselho Universitário, órgão de instância máxima, no que diz respeito às decisões orçamentárias. O processo administrativo, porém, foi anulado pela Justiça devido à presença de Maria Sylvia de Pietro na presidência da Comissão processante. Segundo a decisão judicial, pelo fato de Maria Sylvia ser professora aposentada da USP, sua nomeação para a comissão seria inadequada. A nomeação da docente foi questionada também pelo fato de que Maria Sylvia já havia assinado dois documentos contrários a Rodas, o que poderia comprometer sua imparcialidade.

Rodas afirma que, por essas razões, representou à Comissão Geral de Ética do Estado de São Paulo as “irregularidades éticas que o reitor Zago incorreu”, criticando a atual gestão, alegando que “nunca houve tentativa tão insidiosa de dividir a Universidade, jogando docentes contra funcionários técnico-administrativos; bem como de desmontar a USP, em todo o sentido” e que “nunca se instauraram processos administrativos, sem base legal legítima e contrariando a ética”. Além disso, Rodas afirmou, com relação ao julgamento das contas pelo TCE, que um reitor que termine seu mandato não tem possibilidades de conceder ao TCE as explicações que considere necessárias a menos que o atual reitor o consulte, o que, segundo Rodas, não foi feito. “Dessa maneira, o TCE julgou unicamente com base em dados colhidos pelo próprio Tribunal e nas informações foram fornecidas pela gestão Zago, cujo mote foi e continua sendo o de que a ‘USP foi quebrada pela gestão anterior’”. Procurada pela reportagem do JC, a atual reitoria afirmou que não se manifestará sobre o assunto.