Ajuste de turmas contraria estudantes

Lotação de salas, autonomia discente e ordenamento departamental se conflitam nas Letras

Liz Dórea

 

Foto: Liz Dórea
Foto: Liz Dórea

Quase 5000 estudantes regularmente matriculados. É essa a dimensão do curso de Letras: o maior de toda a Universidade de São Paulo. O número espantoso de alunos, não por acaso, exige uma dinâmica incessante de organização de turmas, já que muitas matérias são ministradas por mais de um professor e os calouros que ingressam a cada novo ano letivo precisam ser devidamente distribuídos entre eles. A sistemática, porém, não está livre de dilemas e o primeiro semestre de 2016 foi especialmente conflituoso.

“Consegui me matricular em apenas uma das quatro disciplinas obrigatórias na primeira e segunda interações”, relata uma aluna do primeiro semestre. Até tive minha vaga garantida nessas matérias. Mas não com os professores que escolhi.” A caloura explica que foi impedida de fazer requerimentos para as turmas lotadas de determinadas disciplinas, e acabou realocada naquelas que possuíam vagas sobrando.

Alguns estudantes da graduação acusaram arbitrariedade nessa medida de distribuição de turmas. Ao telefone, porém, a professora titular e chefe do departamento de Letras Clássicas e Vernáculas, Marli Quadros Leite, esclarece que essa sistemática opera em toda a Universidade e representa um aperfeiçoamento do sistema. “Disciplinas obrigatórias que não alcançaram o teto de lotação vão receber requerimentos. As superlotadas, não”, conta. “Semestre passado, tínhamos 3955 alunos matriculados nas disciplinas desse prédio. É muita gente. Uma organização administrativa mínima é necessária.”

Em razão do largo contingente de alunos, a maioria dos cursos da FFLCH carecem de mais de um professor por disciplina. Nem todos as unidades da USP sentem o impacto dessa necessidade. Nas Letras, porém, essa condição é central para compreender o caso: a preferência expressiva dos alunos por certos docentes em detrimento de outros também condiciona o remanejamento. A aluna ingressante, na mesma conversa, defendeu que esse não é um fenômeno aleatório.

“As pessoas não deixam de se inscrever arbitrariamente”, afirma. “Elas simplesmente não querem cursar uma matéria dada por um professor com um histórico negativo, seja de reclamações ou de reprovação de turmas. Se um professor mais desejado aceita cinco pessoas a mais em sua turma, por exemplo, ele sabe que pode dar conta. Não faz sentido bloquear.”

Marli Quadros argumenta que, apesar das predileções, todos os docentes provaram qualificação para o cargo. “São doutores, bem formados e concursados. Não há motivo para rejeitar esse ou aquele. Mas é o que acontece quando há uma sala esvaziada e outra transbordando”, justifica. “Não raro, um professor de mais fama ou popularidade que dispõe de sessenta vagas ministra para oitenta alunos, enquanto outro – da mesma disciplina – tem apenas cinco inscritos.”

No exercício do cargo de chefe de um dos departamentos da unidade, a professora titular relata ser usual, nesse trabalho administrativo, que professores venham até ela para tentar mitigar problemas dessa natureza. Marli acrescentou que os estudantes podem explorar o mesmo método. “Se há algo para ser resolvido, os representes discentes deveriam procurar os coordenadores de curso ou mesmo os chefes de seus departamentos para reportar o problema”, aponta.

Entrevistado pelo Jornal do Campus, Daniel Brito, aluno do sexto semestre e representante discente da FFLCH, discorda que o debate esteja tão a serviço dos estudantes. De acordo com ele, as tentativas de dialogar com a chefe do departamento foram inócuas. “Levamos o tema para a congregação, onde fiz um pedido face-a-face para que a professora recebesse uma comissão de alunos pra explicar o que está acontecendo. O pedido foi ignorado”, revela.  

“Eu me sinto perplexo com essa devolutiva que nega a discussão com os alunos dum tema acadêmico tão importante”, manifesta. “Mesmo quando alguns professores que se sensibilizaram com a situação tentaram intermediar uma reunião, não obtivemos nenhuma resposta da chefe do departamento. Aí as pessoas ficam se questionando o porquê de métodos mais radicalizados nas Letras. Esse é o principal motivo: falta de diálogo.”

Foto: Liz Dórea
Foto: Liz Dórea

Diante dos apontamentos, a professora Marli Quadros ressalta: “Em primeiro lugar, dirijo apenas um dos departamentos da Letras e esse não é um problema exclusivo do meu, tampouco fui responsável por implementá-lo. Ainda assim, os outros chefes de departamento não são abordados. Parece a mim uma questão pessoal e política”, sugere.

Sobre o tema da democracia entre os corpos discente e institucional, a professora titular também é categórica. “Eu dialogo com quem me procura. Esses estudantes não têm o direito de me convocar por Facebook, nem o de pensar que vão falar o que querem e ouvir o que querem. Vão ouvir o que eu preciso falar em nome da verdade e da justeza. E se se dirigirem a mim, pessoalmente ou por escrito, eu vou responder nas condições aceitáveis pras duas partes.”

Então, o último nó da história é compreender os critérios que conformam o ajuste de vagas nas turmas mais disputadas. Na palavra daqueles que não conseguiram, uma dúvida se abriga: como ocorre a distribuição dos alunos em cada disciplina?

A resposta é igual para a USP inteira. O Júpiter, sistema virtual que computa as matrículas da graduação, opera segundo uma lógica de prioridades ordenadas de 1 a 9. Em contextos como esse, nos quais a demanda por determinada turma é superior ao número de vagas ofertadas para atendê-la, serão favorecidos, em primeiro lugar, os alunos em período ideal. No segundo plano, ficam aqueles atrasados com um, dois, três e quatro anos, respectivamente, no tempo de curso da disciplina. Por último, estão os alunos que pretendem adiantar, respectivamente, um, dois, três e quatro anos do período regular da matéria. Embora se garanta que os alunos não sofrerão prejuízos acadêmicos de  nenhuma natureza, a questão ainda deve concorrer à pauta do dia nos corredores da Faculdade de Letras da Universidade de São Paulo.