ICMC cria armadilha contra Aedes aegypti

O projeto pode ser uma alternativa para o combate do zika vírus e de outras doenças e pragas
Foto: Marcos Santos/USP Imagens
Foto: Marcos Santos/USP Imagens

Sabe aquele zumbido irritante de mosquito que perturba o sono nas noites de verão? Ele pode ser a solução para o combate ao zika vírus. Uma armadilha para mosquitos, em especial o Aedes aegypti, baseada na identificação de batidas de asas por frequência sonora foi idealizada no Instituto de Ciências Matemáticas e Computação, na USP São Carlos. O projeto recebeu US$ 500.000 (quinhentos mil dólares) da Usaid (agência de desenvolvimento internacional do governo dos Estados Unidos) para combate à epidemia de zika.

Cada espécie e tipo de mosquito tem um batimento de asas específico e é com base nisso que a armadilha do ICMC identifica os insetos que estão por perto. A invenção funciona a partir de um sensor, constituído por uma fonte de luz, um conjunto de fototransistores e um circuito projetado para filtrar, amplificar, armazenar e classificar os sinais capturados. “Quando um inseto cruza o feixe de luz, a sombra do inseto causa variações que são capturadas pelos fototransistores, gerando um sinal. Esse sinal contém informações que permitem reconhecer as espécies, como a frequência de batida de asas.” explica o professor Gustavo Enrique Batista, coordenador do projeto. “O sinal é enviado para a placa de circuito e, por meio de técnicas de aprendizado de máquina, ele é classificado e a espécie do inseto é identificada.”

O sensor ainda é acoplado a um mecanismo de captura de insetos. O sistema completo funciona atraindo o mosquito, identificando-o pelo sensor e capturando apenas as espécies desejadas. A atração do inseto é feita a partir de substâncias chamativas, como o dióxido de carbono. Em seguida, o mosquito passa pelo sensor e, se for Aedes ou outro mosquito para ser combatido, ele será “sugado” por um ventilador até um adesivo que o imobiliza. A armadilha tem o tamanho de uma pessoa em pé, podendo capturar milhares de insetos.

O objetivo do sistema é reconhecer áreas com mais ou menos presença de certas espécies de inseto. “A armadilha é uma ferramenta que permite o monitoramento de espécies em tempo-real. Esse tipo de informação é a chave para um controle local, racional e efetivo de insetos”, explica Batista. Assim, programada para identificar o Aedes aegypti, o sistema deve informar as áreas de maior proliferação do vetor, de forma que o combate a ele e a prevenção das doenças que transmite seja mais eficiente. Por exemplo, sabendo as áreas com maior população do mosquito, inseticidas serão usados apenas onde necessário, evitando o uso em larga escala que pode gerar população de insetos mais resistentes além de eliminar espécies benéficas e poluir o meio ambiente.

Além disso, a equipe de pesquisadores responsáveis pelo projeto garante que, apesar de a armadilha ter como fim a captura e combate dos mosquitos, isso não causará dano ao meio ambiente. “Nossa pesquisa visa controlar espécies que são invasivas. Portanto, erradicá-las tem provavelmente impacto ambiental zero, pois elas não fazem parte do nosso ecossistema.”

Para tornar o monitoramento do mosquito ainda mais abrangente, os pesquisadores envolvidos pretendem criar um aplicativo. O objetivo é que o recurso receba, via Bluetooth, as informações dos sensores e as disponibilize para que as pessoas possam ficar atentas aos locais com maior população do vetor e contribuir para o combate e prevenção. “A ideia do aplicativo é promover uma interação entre o usuário e a armadilha, mas o papel do aplicativo vai além. Ele também irá reunir informações climáticas e assim poderá alertar aos usuários da necessidade de um controle redobrado após períodos chuvosos, evitando que a população de mosquitos aumente.”

O projeto como um todo ainda deve levar mais alguns anos, pois, como explica o coordenador; “existem diversas espécies de insetos de interesse em saúde pública, agricultura e pecuária que ainda não foram estudadas”. Porém, algumas aplicações comerciais podem ser aplicadas antes do projeto chegar a seu fim, especialmente para o combate do Aedes aegypti como por exemplo, o pesquisador Vinícius Souza, também do ICMC, que tem um projeto de comercialização da armadilha para esse fim dentro dos próximos anos.

Combate ao zika

A epidemia de zika está se alastrando rapidamente, assustando com a possibilidade de causar microcefalia e outros problemas de desenvolvimento fetal. Em fevereiro deste ano, a Organização Mundial da Saúde decretou estado de emergência internacional relacionado à expansão dos casos de zika. Já foram registrados casos por toda a América Latina e o vírus já chegou nos Estados Unidos, daí o interesse da Usaid no projeto do ICMC. “Existe um risco de haver uma epidemia de zika em escala mundial, e diversos países do mundo estão procurando por tecnologias inovadoras que possam ajudar a evitar esta epidemia”, alerta o professor Batista.

Mesmo dentro da USP, outros projetos buscam a erradicação do vírus da zika. Uma vacina foi desenvolvida pelo Instituto Butantã, pelo Instituto de Ciências Biológicas (ICB) e pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, em parceria com um grupo de Harvard, e está em fase de testes. A Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiróz (Esalq) também se envolveu, lançando um concurso de combate ao Aedes aegypti. Outros 40 grupos de pesquisa no estado de São Paulo, envolvendo o ICB, e as faculdades de Medicina, de Ciências Farmacêuticas, e de Medicina Veterinária e Zootecnia da USP se dedicam a erradicar a epidemia, com financiamento da FAPESP.

Além do zika, da dengue e da febre amarela, doenças transmitidas pelo Aedes aegypti, o sensor desenvolvido pelo ICMC pode contribuir no controle de vetores de outras doenças, como a Malária, e de pragas agrícolas. Ademais, o projeto contempla diversas áreas de estudo, apesar de se concentrar na matemática e computação, incluindo pesquisadores das áreas de entomologia (área da biologia especializada em insetos), agronomia e ecologia. Por isso, antes mesmo do incentivo da Usaid, o projeto já havia recebido financiamento da FAPESP e do Google. Parece que o zumbido irritante dos insetos não serve apenas para nos acordar à noite, não é mesmo?

Infográfico: Natalie Majolo
Infográfico: Natalie Majolo