Assédios e baixos salários são os principais obstáculos no cotidiano do trabalhador da USP

(Marcos Santos/USP Imagens)

 

Ingressar na Universidade de São Paulo parece ser um sonho de grande parte dos jovens e adultos brasileiros. Entretanto, para aqueles que buscam trilhar uma carreira acadêmica – ou desejam trabalhar de alguma forma para a instituição –, a USP não tem apresentado sua faceta mais agradável. Em homenagem ao 1º de Maio, o Jornal do Campus (JC) conversou com os trabalhadores que estruturam o cotidiano universitário, compondo um quadro dos obstáculos diários enfrentados por esses profissionais.

Nos últimos anos, a crise atravessada pela Universidade – redução de verbas e demissões voluntárias – tem tornado o trabalho de professores e funcionários ainda mais complicado. Segundo a enquete realizada pelo JC com 125 trabalhadores, 76% não se sentem motivados ou não acreditam na melhoria das condições de trabalho oferecidas pela instituição.

Apesar dos diferentes serviços que a USP oferece, problemas como assédios e salários insuficientes se mostram como obstáculos presentes nos diversos setores da Universidade (professores, funcionários concursados, terceirizados). Ao conversar com profissionais dessas áreas, o JC identificou que 54,4% dos homens e mulheres entrevistados já sofreram algum tipo de assédio ou desrespeito – seja por parte de alunos ou de colegas de trabalho. Além disso, cerca de 70%  apontaram que a renda recebida não corresponde a sua formação ou não é suficiente para suprir a demanda de serviço que possuem. O JC buscou traçar um perfil do trabalhador da USP, para entender a Universidade a partir da perspectiva desses profissionais.

Professores. Euler Sandeville é professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo,  do departamento de projetos. Para ele, “a USP é uma oportunidade de trabalho incomparável.” Apesar dos problemas que a universidade enfrenta, o professor destaca que  “um dos diferenciais é  a liberdade que seus docentes têm de colocar suas indagações, construir pesquisas,  e articular isso com o ensino e extensão”. Ao ser questionado sobre os obstáculos existentes para o ensino na USP hoje, o professor ressalta a burocracia da universidade e a carência de infraestrutura em alguns setores.

Ricardo Serra é professor temporário da FEA, do departamento de Administração. Para ele, os obstáculos enfrentados por um docente temporário estão centrados em “conciliar as atividades temporárias com as permanentes”.

Serra destaca que a experiência de lecionar na universidade é gratificante. “Profissionalmente foi ótimo. Uma experiência valiosíssima”. Em relação aos desafios de ser efetivado, o professor ressalta que há  requisitos para isso. “Existir a vaga, ter a titulação exigida e reunir condições melhores do que as dos outros candidatos, em termos de currículo”.

Cremilda Medina, professora sênior da Escolade Comunicações e Artes, também destaca essa dificuldade, “penso que os concursos dependem muito das bancas que são montadas ou na cultura acadêmica de méritos”. Em relação à crise que a universidade atravessa,  ela ressalta que “ [essa] se remete à crise do país e do mundo, pois vivemos uma viragem histórica das sociedades contemporâneas que exige em todos os âmbitos respostas inovadoras. Tento me manter otimista, pois para quem viveu crises anteriores como a da ditadura militar, aprendi a apostar nos atos emancipatórios do caos”.  

 

(Foto: Carolina Marins)

Terceirizados Para os funcionários terceirizados, a situação da Universidade não é tão agradável. Com salários reduzidos e uma sobrecarga de tarefas, muitos ressaltam a necessidade de uma melhoria urgente das vigentes condições de trabalho. Em conversa com o funcionário Gabriel Luís* (nome fantasia para um funcionário terceirizado que aceitou conversar com o JC.) , que atua na limpeza da instituição, o JC identificou uma grande precarização no cenário em que esses trabalhadores se encontram inseridos.

Nos últimos anos, a queda no número de funcionários da Universidade tem comprometido a qualidade dos serviços realizados. Apenas em 2016, mais de mil foram desligados da USP – em função dos programas de demissão voluntária – e, neste ano, a nova organização dos bandejões ampliou o número de trabalhadores terceirizados. Gabriel aponta que na atual situação “não dá para fazer [o trabalho] do jeito que você [realmente] quer: deixar tudo limpo”. Para ele, em anos anteriores a situação era melhor.

Ao comentar sobre os desafios que enfrenta diariamente, Gabriel ressalta o excessivo número de tarefas exigidas dos funcionários terceirizados e a reduzida remuneração recebida por eles. “O dinheiro que a gente ganha não corresponde à quantidade de trabalho que temos”. Ele também afirma que muitos já informaram essa sobrecarga à Universidade e a necessidade de novas contratações. “Contamos que precisamos de mais um ou dois funcionários em cada equipe, mas não querem contratar mais”

Em relação a assédios e desrespeitos, ele garante que nunca os sofreu na USP, destacando que sempre foi muito bem tratado. “Nunca tive humilhações nem ofensas. É bem legal trabalhar aqui, você aprende muito. Pena que as coisas estão desse jeito.” Esperançoso, o rapaz ainda diz acreditar que “em algum momento, as coisas voltarão a ser como antes”.

Funcionário concursado Marcelo Pablito  é funcionário do bandejão da USP desde 2008 e atua hoje como um dos diretores dos trabalhadores da universidade. Ao conversar com o JC, sobre a rotina dos funcionários inseridos nesse setor, Marcelo ressalta as duras exigências realizadas diariamente a esse grupo – destacando o adoecimento gradativo dos funcionários, em função do ritmo alucinante de trabalho, ao qual são submetidos.

Pablito conta que o trabalho repetitivo que realizam compromete a qualidade de vida dos trabalhadores, de modo que muitos passam a carregar seqüelas físicas e psicológicas dessa atividade. “Quando eu entrei na universidade o laudo médico assegurava que eu não tinha problemas de saúde. Hoje eu sinto várias dores, tanto na coluna, quanto nos braços, em decorrência do tipo de trabalho que a gente faz. Eu vou carregar essas dores pelo resto da vida”

Conforme aponta, tais consequências derivam, em grande parte, da omissão da reitoria em relação à contratação de novos funcionários. Segundo Pablito, a crise de trabalhadores que a USP enfrenta tem levado a sobrecarga do atual quadro de empregados, uma vez que a cada ano cresce a demanda de serviço exigida, paralelamente à precarização das condições de trabalho. “Todos os dias os bandejões produzem mais de 10.000 refeições. E os trabalhadores são obrigados a executar, geralmente, 3000 vezes o mesmo movimento, em apenas uma função”.

Pablito ressalta também que as humilhações sofridas por eles são constantes. “sofri várias formas de desrespeito aqui na universidade. Trabalhando no bandejão, já sofri e já acompanhei ,vários casos de assédio moral dos trabalhadores, por parte da nossa chefia imediata dentro dos restaurantes.”

Em relação aos salários recebidos, ele enfatiza que não correspondem “de forma alguma” à quantidade de trabalho exigido. “Nunca tive nenhum tipo de promoção aqui dentro. Nossos salários são baixos e são degradados pela inflação do país”.  Para ele, é de extrema urgência “a contratação de novos funcionários”, como também a ocorrência de “intervalos entre as escalas que nós fazemos, de modo a garantir e assegurar a saúde dos funcionários”.      

 

(Ilustrações: Regina Santana)