“É necessário aceitar os riscos do fracasso”

Professor defende que é preciso buscar novas direções para quebrar as barreiras da Ciência

O currículo de Vanderlei Salvador Bagnato, físico atômico e professor do Instituto de Física de São Carlos (IFSC-USP), é notável. Doutor em Física pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT), Bagnato coordena o Centro de Ciências Ópticas e Fotônica (CePOF) e a Agência USP de Inovação. Membro da Academia Brasileira de Ciências e da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, ele também faz parte, desde 2012, da Academia Pontifícia de Ciências do Vaticano. O Jornal do Campus conversou com Bagnato para conhecer os projetos desenvolvidos em São Carlos – e também para entender o cenário científico hoje no Brasil.

Jornal do Campus: Qual é o papel da Agência dentro da Universidade?

Vanderlei Bagnato: No passado, havia uma responsabilidade da universidade em produzir recursos humanos, ou seja, pessoas para atuar na sociedade. Sua maior missão era formar médicos, engenheiros, advogados, professores e outros profissionais. Com o passar do tempo, isso foi mudando, e a universidade passou a ter como missão contribuir com o desenvolvimento científico também. Então a pesquisa tomou um volume muito grande na universidade. Com essa evolução, ela passou a ter responsabilidade de aplicar o conhecimento para o avanço tecnológico do país. Assim, é necessário que dentro da universidade existam setores que ajudem a organizar essa missão. A Agência de Inovação é o setor que organiza a parte de desenvolvimento tecnológico dentro da Universidade.

JC: Quais são as atividades da Agência?

VB: Ela faz todas as atividades que os laboratórios e os departamentos tradicionais da Universidade não têm condição de fazer. Há um série de atividades para valorizar a inovação tecnológica e o empreendedorismo, como o registro de patentes, o convênio com empresas, a viabilização de projetos de longa duração que tenham o objetivo de desenvolver um setor. Não basta apenas desenvolver tecnologia, você tem que ter os elementos que levem aquela tecnologia para fora, que são os empreendedores. Por isso, a Agência oferece alguns cursos e treinamentos para os estudantes e também empresários de fora da universidade.

As pesquisas de Vanderlei Bagnato são reconhecidas em instituições científicas internacionais

JC: Como é a questão das patentes hoje no Brasil?

VB: O Brasil ainda é um país jovem em patentes. Até há pouco tempo, quem trabalhava com ciência não estava muito preocupado com elas. Mas isso tem mudado. Os pesquisadores estão mais alertas e sabem o valor que tem o seu trabalho.

JC: Como está o Brasil no cenário mundial em relação às pesquisas, ciência e tecnologia?

VB: Em algumas áreas de pesquisa, o Brasil pode ser considerado relevante e desenvolvido. É o caso da agricultura, da área médica e de saúde. Mas há também o outro lado, como o setor automobilístico, em que temos pouca relevância. Mas o Brasil é relevante no cenário do desenvolvimento mundial porque somos mais de 200 milhões. Temos um imenso território produtivo na área agrícola.

JC: Há muitas parcerias público-privadas hoje. Como é esta questão dentro de uma instituição pública?

VB: O papel da Universidade não é comercializar, e sim, desenvolver. Logo, você precisa ter uma parceria com o privado, que é quem tem habilidade de levar aquilo para o mercado e para a sociedade. Então, nós precisamos da parceria público-privada para poder fechar o ciclo da inovação e desenvolvimento econômico.

JC: Vivemos um momento de instabilidade e incertezas políticas, econômicas e sociais. Isso influencia de alguma maneira a ciência?

VB: Em uma crise, a primeira coisa afetada é o investimento, e a ciência vive disso. Vive da disponibilidade da sociedade em bancar o avanço do conhecimento. Então a crise afeta, porque a quantidade de recursos disponíveis para alavancar o conhecimento diminui um pouco. Mas a demanda por novidades na sociedade continua, então a crise obriga que haja uma busca por novos caminhos.

JC: Qual a importância dos campi da USP pelo interior no desenvolvimento científico?

VB: Os polos da Universidade no interior têm uma personalidade muito importante. Ribeirão Preto, por exemplo,  na área médica, São Carlos nas exatas, Bauru na área da odontologia. A USP tem um papel muito relevante no desenvolvimento da nação como um todo e na contribuição de novas tecnologias.

JC:  Quais são as suas pesquisas no CePOF?

VB: O Centro tenta ser relevante na área de óptica. Nós tentamos dominar técnicas que usam a luz. A primeira coisa para entender é como ela interage com a matéria. E para entender isso, você tem que ir a nível atômico. Então, temos pesquisas para entender como os átomos interagem com a luz. Entendendo isso, aplicamos esses conhecimentos, que vão para a área da saúde, entre outras.

JC: Como são os seus projetos na área de Saúde?

VB: Eu acredito que a ciência tem responsabilidade de melhorar a saúde e tornar a tecnologia mais próxima do cidadão. Não adianta produzir técnicas que são proibitivas do ponto de vista econômico. Então eu procuro fazer um trabalho que desenvolva tecnologias para problemas relevantes, como o controle microbiológico, o desenvolvimento de controle de pragas na agricultura e a detecção de doenças, como o câncer. essa tecnologia precisa ser acessível. Não adianta criar a solução e ela não ser acessível.

JC: Como os Estados Unidos enxergam a ciência no Brasil? E a comunidade científica internacional?

VB: Acredito que eles consideram alguns pontos relevantes, mas, no geral, os americanos ainda veem o Brasil como um local que investe muito pouco em ciência. Os europeus já veem de uma forma mais promissora.

JC: Qual é o seu papel na Academia do Vaticano?

VB: O que a Academia se propõe a fazer é ter um ambiente neutro que encare a ciência e seus desafios com uma vertente especial. O papel dela é tentar informar a Igreja Católica de como a ciência pode melhorar a humanidade de um modo geral, incluindo o próprio planeta e o meio ambiente.

JC: Muitos membros de lá são também vencedores do Prêmio Nobel. Falta muito para o Brasil chegar lá?

VB: Temos que aceitar os desafios. O Prêmio Nobel não é dado para algo que já está feito. Você tem que acreditar e tolerar o fracasso. Não podemos condenar quem fracassa porque tentou o novo, quem foi para novas direções. A gente costuma dizer que só vale a pena fazer a ciência que é desafiadora. A ciência rotineira é necessária, mas ela não quebra barreiras, ela não gera coisas completamente diferentes. Temos que ter a coragem de partir para novas direções.