“No Crusp não há condições materiais para você dar conta da sua graduação”

A reportagem abaixo é constituída por declarações de cinco moradores do Conjunto Residencial da USP. Como só eles falam, optamos por não usar aspas

Foto: Bruna Caetano

Por Matheus Oliveira

Morar no Crusp é complicadíssimo, você não pode lavar sua roupa, não pode cozinhar sua comida, não pode tomar um banho decente, e ainda cai o teto da sua casa. Tem uma infiltração no meu apartamento, então eu fui na manutenção. Eles vieram, olharam e disseram que provavelmente era um problema nas telhas, já que eu moro no último andar. Depois disso, foram embora e nunca mais voltaram.

Gradativamente, meu teto começou a abrir e passou a cair não só gotas, mas água corrente. Além disso, a gente está sem água quente já vai fazer seis meses. Eu tinha tirado o carnaval para trabalhar na minha iniciação científica, mas como é que eu vou fazer isso se tenho que ficar trocando balde porque o teto está ruindo na minha sala? No Crusp não há condições materiais para você dar conta da sua graduação.

Prefiro não me identificar pois temo algum tipo de represália por parte da assistência social e da USP, mas já vi pessoas que eram saudáveis entrarem em apartamentos com mofo e saírem de lá com problemas respiratórios. Para você solicitar o conserto de alguma coisa na zeladoria demora muito, então os próprios rapazes que moram comigo arrumam o que dá. Eu também fico bastante preocupada com a situação elétrica dos prédios, vejo bastante gente com problemas na caixa de energia e tenho medo de acontecer um incêndio.

A gente tem que ficar em cima para eles fazerem alguma coisa, você abre uma ocorrência para solicitar um reparo e eles não fazem. Quando pedimos ajuda da zeladoria ou da SAS, perdemos o dia todo, perdemos aulas, provas, horas de estudo… Agora, multiplique isso por anos de graduação.

Se você quiser lavar sua roupa tem que ser no horário que todo mundo está em aula, ou seja, precisa faltar. Sempre tem máquina quebrada e ninguém explica o que acontece. Se tem uma coisa que eu já aceitei como Cruspiana, é que nunca haverá máquinas o suficiente.

Em um ano e meio de Crusp, eu percebi que as coisas foram piorando numa escala exponencial. Estudo relações públicas na ECA e minha mãe é de Mairiporã, na grande São Paulo. Para mim, os funcionários são muito prestativos dentro do alcance deles, mas tem coisas que eles não têm como resolver.

Quando eu entrei aqui tinha cerca de dez máquinas, e eu conseguia usar a lavanderia com relativa tranquilidade, mas agora há apenas duas, então é impossível de lavar. Esse ano eu vou começar levar minhas roupas para a casa da minha avó, que mora em São Paulo.

Faço iniciação científica e quem paga minha bolsa é o CNPq, então eu nem posso arrumar um trabalho. Mas assim que eu terminar e conseguir um estágio vou sair do Crusp o mais rápido possível.

Eu me formei em fonoaudiologia no final do ano passado e passei no aprimoramento do Hospital das Clínicas, vou fazer pós-graduação lá. Só que a matrícula foi adiada e a bolsa você só recebe 40 dias depois da matrícula, então como atrasou vou receber lá para maio e pretendo ficar no Crusp até o meio do ano, que é o limite permitido.

Embora a Fofito faça parte da Faculdade de Medicina, a gente não tem direito ao alojamento da medicina, que é só para alunos daquele curso. Lá a infraestrutura é outra coisa, tem até piano…

Meu computador está com problema para carregar, então eu só consigo usar ele na tomada, por isso que eu uso aqui na cozinha, o único lugar onde o sinal de internet funciona.

Vim morar no Crusp em 2011 para fazer ciências sociais. Fiz graduação, licenciatura e agora estou terminando meu mestrado. Às vezes eu acho que a USP não está valorizando nosso esforço como aluno. Como aqui têm pessoas morando irregularmente, eles pegam essa parte e justificam pelo todo. Estão naturalizando muita coisa que não é natural. A gente pensa até que ponto tem que aceitar uma situação dessa dentro da Universidade, pois parece que ninguém está vendo isso.

Várias vezes eu pedi auxílio por ser deficiente, porque vocês sabem que o elevador ali não está funcionando. Eu acho que isso é uma política da Universidade para que as pessoas saiam do Crusp. Pretendo ir embora da USP o mais rápido possível, já estou escrevendo minha dissertação e acabo em agosto.

A gente sente que está sendo injustiçado, porque trabalhamos para a USP, mas a universidade não retribui. Antes, o fogão adaptado funcionava, só que aí roubaram as bocas e ele começou a vazar gás.

Eu estou cozinhando um pouco de feijão, vou cozinhar a sopa daqui a pouco, cozinhar o arroz lá no meu apartamento. Depois eu vou fazer a carne.. uma coisa por vez porque só tem uma boca no fogão, vou passar o dia todo na cozinha.

Eu sei que você trabalha no jornal e isso vai servir como uma denúncia: quero que escreva, também, que já procurei as instâncias para resolver o problema e eles sempre põem a culpa no setor de compras. Só não publica o meu nome, porque a burocracia da USP… você sabe, né? Enquanto a gente depender de um carimbo, de assinatura ou de alguém… Eu não ganho o título que eu lutei tanto para ter.

E me desculpa dar entrevista tão pessimista, viu? Credo! Estou parecendo aqueles personagens do Dostoiévski. Conversa com um calouro que esteja começando, aí vai dar uma balanceada, porque a realidade tem me deixado bem pessimista em relação à USP.